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24/07/2020 às 16h23min - Atualizada em 24/07/2020 às 16h16min

Análise: Machismo no ambiente esportivo ainda afeta muitas profissionais

Mesmo após anos de discussão, o tema continua sendo muito necessário e importante nos dias de hoje

Anna Voloch - Editado por Paulo Octávio
Renata Ruel, comentarista de arbitragem da ESPN. (Foto: Reprodução/ESPN)
O meio esportivo, mais precisamente o do futebol, sempre foi considerado um ambiente masculino. Jornalistas, atletas e árbitros sempre foram, em sua maioria, homens. Apesar das primeiras jornalistas esportivas brasileiras, como Regiani Ritter e Germana Garilli, terem feito suas estreias entre 1970 e 1980, a presença da mulher como profissional no esporte ainda é muito questionada.
 
Nos anos 1980, Regiani costumava escutar comentários como o feito por Milton Neves: “mulher não entende nada de futebol”. Anos depois, ele teve a oportunidade de se arrepender e se retratar. Entretanto, esse comentário ainda é muito comum nos dias de hoje, em 2020, mais de 30 anos depois.
 
Recentemente, a Rede Globo anunciou duas novas integrantes da sua equipe de comentaristas: Nadine Bastos, ex-assistente de arbitragem do quadro da FIFA e Renata Mendonça, co-fundadora do "Dibradoras", blog que busca dar mais voz às mulheres do esporte. Infelizmente, nas próprias notícias que anunciam as contratações, os comentários desvalorizando essas e outras mulheres são maioria. Homens que continuam repetindo, insistentemente, o que Milton Neves errou em falar três décadas atrás.
 
Renata Mendonça, que já passou pela ESPN Brasil e pela BBC, declarou ao GloboEsporte.com que o objetivo no futuro é que não tenha mais essa distinção. “Que as mulheres sejam tantas quanto os homens nessa função. E aí a gente vai falar só ‘comentarista’, sem ‘mulher’ em seguida". Porém, essa ainda é uma realidade distante.
 
Embora o número de profissionais mulheres no ramo esteja crescendo ultimamente, elas ainda são minoria: cerca de 15%. As principais barreiras que uma mulher sofre atualmente no meio esportivo são os questionamentos sobre seu entendimento, os comentários machistas sobre sua aparência, dentro ou fora do padrão, a luta por espaço e o assédio sofrido dentro e fora de campo.
 
O MACHISMO NO JORNALISMO ESPORTIVO
 
Dentro do jornalismo esportivo, a cultura machista representa xingamentos, ameaças e assédio de jogadores e outros profissionais. Adriana Almeida, que trabalhou com esportes durante 13 anos de sua carreira pela Rede Bandeirantes, sentia dificuldades quando precisava estabelecer relações com dirigentes ou funcionários dos clubes. Segundo ela, as pessoas de dentro do futebol tinham um relacionamento melhor com os repórteres homens. Fora essas situações, Adriana disse também já ter tido seu trabalho confundido com outro tipo de relacionamento pelos jogadores dos clubes que cobria, que a procuravam fora do horário de trabalho, o que para ela foi algo muito desconfortável.
 
Já por parte dos torcedores, a situação acaba sendo mais grave. Adriana relatou que já foi hostilizada enquanto tentava gravar uma passagem em frente a um estádio. “Eram palavras muito agressivas, não consegui reagir na hora”. Apesar de ter passado por poucas situações assim, declarou que hoje não se calaria mais como se calou naquele dia. Os casos de assédio às repórteres de campo ganharam repercussão em 2018, com uma iniciativa de 52 profissionais, desde repórteres a assessoras, com a hashtag #DeixaElaTrabalhar.
 


Vídeo de divulgação da iniciativa #DeixaElaTrabalhar. (Fonte: Reprodução/FlaTV)
 
No exterior, os problemas com os torcedores não são diferentes. Em uma entrevista em 2018 ao blog “Dibradoras”, Tatiana Mantovani, correspondente do Esporte Interativo na Espanha e apoiadora da #DeixaElaTrabalhar, relata que o público lá também se sente no direito de interferir no seu trabalho apenas por ser mulher.

 
“O maior problema que eu enfrento aqui na Europa são com os torcedores. Eles acham que por você ser mulher e estar sozinha na frente de uma câmera (porque aqui a gente trabalha sozinha, sem o cinegrafista), eles acham que têm o direito de falar qualquer coisa, de entrar no ar e te dar um beijo, essas coisas. Então é com o público que eu enfrento mais preconceito”, disse.
 
O MACHISMO NA ARBITRAGEM
 
Além das mulheres que trabalham no jornalismo esportivo, as que trabalham dentro de campo ou comentando sobre arbitragem também passam por desafios relacionados ao seu gênero. Segundo Renata Ruel, árbitra de futebol, comentarista de arbitragem na ESPN e colunista no blog “Lei em Campo”, quando se inicia na arbitragem, independente do gênero, todos testam seu limite e seu conhecimento. Entretanto, quando se é mulher, esse questionamento é maior.
 
Para Renata, os comentários machistas e situações de assédios eram recorrentes quando trabalhava em campo. Ela relatou que ouvia comentários absurdos das arquibancadas que sempre a incomodaram, mas que piorava quando esses comentários partiam de outras mulheres. “Qualquer comentário machista dói, machuca. Mas quando ele vem de uma outra mulher, dói ainda mais, preocupa ainda mais”, disse.
 
Apesar das dificuldades, foram muitas conquistas para as mulheres nessa categoria. Mas de acordo com Renata, não é o suficiente. Hoje, mulheres como Edina Alves Batista, árbitra do quadro da FIFA, aparecem mais nos campeonatos brasileiros, mas ainda é um número muito pequeno comparado à quantidade de mulheres competentes no ramo. No entanto, para ela, é através desses pequenos espaços que provam o quanto são capazes e, dessa forma, ocupam cada vez mais.
 
SUPERAÇÃO
 
Embora seja um ambiente cheio de dificuldades, as mulheres que estão no ramo buscam sempre encarar as situações de cabeça erguida. Para Renata e Adriana, o principal pilar é o amor pelo que fazem. O segredo é estudar, treinar, mostrar competência como profissional e não desistir dos sonhos. Não pensar no preconceito como um impedimento, mas sim um obstáculo a ser superado. E, somente dessa forma, aprender a impor respeito e conquistar o espaço tão necessário.

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