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19/09/2020 às 08h56min - Atualizada em 19/09/2020 às 08h13min

Famílias brasileiras consomem mais alimentos industrializados na pandemia

Um em cada cinco adultos não teve dinheiro para comprar mais comida quando o alimento acabou

Ana Paula Cardoso - Editado por Caroline Gonçalves
Foto: Jenwit Ritbundit / EyeEn / Divulgação: Getty Images
Segundo pesquisa do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), durante a pandemia 1/3 das famílias com crianças e jovens do Brasil comeram mais alimentos industrializados, sendo que, um em cada cinco adultos não teve dinheiro para comprar mais comida quando o alimento de casa acabou.

Além disso, essas são as famílias que mais relatam problemas relacionados a insegurança alimentar. Ademais, a má nutrição pode ocorrer através da mudança de hábitos alimentares e o baixo acesso a alimentos verdadeiramente nutritivos, sendo que, essa alteração no hábito alimentar pode afetar e causar alterações na constituição física e mental do indivíduo.

Cerca de 31% dos entrevistados, apresentaram um aumento no consumo do macarrão instantâneo, biscoitos recheados e enlatados, outros 20% no consumo de fast-food, como hambúrgueres, esfihas etc; e 19% aumentaram seu consumo de refrigerantes.
 
Uma alimentação saudável deve fornecer todos os nutrientes necessários para a manutenção do corpo e da imunidade. Deve possuir proteínas, carboidratos complexos e gorduras, além de vitaminas, minerais e fibras.

De acordo com Elaine Ibrahim, nutricionista, os alimentos industrializados em sua maioria, já são pré-digeridos, ricos em gorduras, sódio e açúcares e pobres em vitaminas, minerais e fibras, que são fundamentais para a manutenção de uma boa imunidade.


 
“Comida boa é comida de verdade com proteínas, leguminosas (feijões, grão de bico, lentilha), cereais (arroz integral, aveia), hortaliças e frutas”, afirma.

“Um prato adequado deve oferecer ¼ de leguminosas, ¼ de cereais, ½ de hortaliças (cruas e cozidas) e proteínas. Deve-se dar preferência para frutas ricas em vitamina C como sobremesa, pois elas potencializam a absorção de ferro e são ricas em fibras”, revela Elaine.

Ela aponta que uma forma de consumir alimentos in natura com um custo mais baixo, é através da compra de alimentos de produtores locais, da agricultura familiar “esses alimentos geralmente são da safra, o que os torna mais saudáveis, pela menor quantidade de agrotóxicos. Além disso, essa compra fortalece a economia solidária e local”, conta.

A compra de alimentos básicos para abastecer a casa está pesando mais no bolso dos brasileiros. O arroz, por exemplo, chega a custar R$ 40 nos supermercados. O feijão, dependendo do tipo, subiu mais de 30% no ano, segundo dados da inflação oficial. O leite longa vida ficou 22,99% mais caro, e o óleo de soja, 18,63%.


De acordo com a nutricionista, o hambúrguer é um alimento ultraprocessado e não deve ser considerado um substituto de cereais e leguminosas.

Ela acredita que a questão do arroz também possui um viés político e social “não é possível achar normal e simples que o brasileiro não tenha condições de consumir itens que compõem a cesta básica”

 
“A alta do dólar que tornou o arroz um item para exportação, o desmonte de estruturas públicas de abastecimento que deixaram o Brasil em situação de extrema vulnerabilidade, além do desmonte da política nacional de segurança alimentar”, diz Ibrahim.


 
Ainda segundo a pesquisa do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), os motivos mais citados para diminuição de renda, foram a redução do salário e do horário de trabalho de alguém da família, suspensão do emprego, mesmo que temporária e a impossibilidade de trabalhar. Ainda entre as famílias com a presença de crianças e adolescentes, 37% tiveram perda de pelo menos metade da renda.

A pesquisa mostra que 18% dos que responderam e vivem com crianças e adolescentes, complementam a renda com o Bolsa Família e outros 22% recebem algum outro tipo de auxílio do governo.

Elaine Ibrahim ressalta que no Brasil a merenda escolar tem um papel muito importante na vida e saúde das crianças, sendo que, muitas vezes a merenda é a base da alimentação diária da criança, com isso, elas podem estar sofrendo uma grande alteração no seu consumo alimentar diário.

“É importante lembrar que a pandemia gerou também o aumento do desemprego e acirrou uma crise econômica que já existia no país, a desigualdade social ficou escancarada e questões antes invisíveis como a falta de saneamento básico e a falta de investimento nos serviços públicos de saúde também ficaram evidentes”, declara.

Segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), divulgado no dia 21 de agosto de 2020, o levantamento entre os anos 2008/2009 e de 2017/2018, revelou uma redução no consumo do feijão e do arroz, para que se consuma fast-food.

Muitos acreditam que o valor dos alimentos industrializados e do fast-food acabam saindo mais baratos do que uma refeição completa, a nutricionista destaca que se nós considerarmos apenas o valor do produto e não quantas pessoas ele alimenta e a sua qualidade nutricional, a resposta é sim, o consumo sai mais barato.



Segundo ela, a razão está no fato de que os alimentos processados e ultraprocessados apresentam baixo custo em função da grande aceitabilidade, durabilidade e facilidade de acesso e consumo.
“Tudo isso por conta dos conservantes, aditivos químicos, que prolongam o prazo de validade e a produção que acontece através de processos tecnológicos sofisticados e ingredientes relativamente baratos como açúcar, gorduras e sal", afirma Elaine. 
 
“É muito comum associarmos o ato de comer a uma sensação de prazer, culturalmente a comida está ligada a comemorações e a momentos felizes e prazerosos, isso acontece principalmente com os alimentos com alto teor de açúcar e gordura, porque eles liberam no nosso organismo a dopamina, que é conhecida como o hormônio do prazer”, esclarece a psicóloga Daniela Semeghini.

“Precisamos entender que dar uma escapadinha para comer uma pizza, um doce, não é um problema, o problema começa quando isso se torna rotineiro”, afirma.

 “Um dos sintomas da ansiedade, é a alteração no apetite, por isso, comer de uma forma indiscriminada mesmo sem fome e em grandes quantidades, pode ser um alerta de que algo não vai bem, e nesse momento é importante buscar ajuda profissional para não desencadear uma compulsão alimentar”, conta Daniela.
Segundo a psicóloga, as pessoas estão mais preocupadas com sua vida financeira, sua saúde e a saúde dos seus familiares, a sobrecarga no trabalho, principalmente as mulheres que precisam cuidar dos filhos e ainda trabalhar em casa, todos esses fatores e tantos outros, geraram esse aumento nos casos de ansiedade e o agravamento em pessoas que já sofriam desse transtorno.
“Esse momento se tornou um grande intensificador de sintomas para as pessoas que já vivenciam transtornos”, declara.

Ela conta que toda essa situação ocasionada pela pandemia, esse momento tão atípico em que estamos vivendo, afetou diretamente e principalmente as pessoas com transtornos alimentares, elas perceberam muitas vezes uma piora no seu quadro, sendo que, muitas precisaram interromper o seu tratamento psicológico nesse momento, esse cenário trouxe o aumento do estresse, da ansiedade e da depressão, por conta do medo do que estamos vivendo, transformando a comida em um grande escape.


 
“Tem pessoas que estão comendo excessivamente, podendo chegar no quadro de compulsão alimentar e temos também, pessoas que seguem um outro caminho, uma restrição calórica muito severa”, garante Daniela.

“Notei que alguns pacientes tiveram ganho ou perda de peso significativo durante esse período, principalmente aqueles que tratam o transtorno de ansiedade”, admite.
Para enfrentar esse período pandêmico, Daniela enfatiza a importância de organizar uma rotina saudável, incluindo o cuidado com a alimentação, realização de exercícios físicos, cuidado com o sono e a interação com familiares e amigos, mesmo que seja à distância, e principalmente, não se cobrar tanto, afinal, estamos vivendo um momento totalmente atípico.
“Falar de saúde mental é também falar sobre a qualidade e saúde do corpo físico, não é à toa que o número de pessoas que procuraram por exercícios em casa, como por exemplo, pilates, yoga, aumentou muito na quarentena”, diz.


 

“Se a pessoa sentir que não está conseguindo dar conta e que isso afeta diretamente o seu rendimento e funcionalidade, é muito importante que ela busque ajuda de um profissional”, frisa Daniela Semeghini.

 

REFERÊNCIAS:
KER, João. Na pandemia 1/3 das famílias com crianças e jovens no Brasil comeu mais industrializados. Estadão. 25/8/2020. Disponível em: https://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,um-em-cada-cinco-brasileiros-nao-teve-dinheiro-para-comprar-comida-na-pandemia-diz-unicef,70003412251. Acesso em: 25/8/2020.
JANSEN, Roberta. OKUMURA, Renata. Brasileiros trocam arroz, feijão, carne e frutas por sanduíche e pizza. Estadão. 21/8/2020. Disponível em: https://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,brasileiros-trocam-arroz-feijao-carne-e-frutas-por-sanduiche-e-pizza,70003407767. Acesso em: 25/8/2020.
 



 

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