Em 30 de novembro, o presidente argentino
Alberto Fernández, diretamente de Olivos (residência oficial do Presidente da Argentina), encabeçou uma videoconferência com o presidente brasileiro,
Jair Bolsonaro (sem partido) para celebrar os 35 anos do
Dia da Amizade Brasil-Argentina.
Segundo
nota do governo argentino, Fernández disse a Bolsonaro para "deixar as diferenças do passado e encarar o futuro com ferramentas que funcionem bem” de forma a potencializar “pontos de acordo”. Ele ainda considerou que o encontro dá ao
Mercosul o “impulso” que o bloco necessita. Jair Bolsonaro apoiou a reeleição do ex-presidente
Mauricio Macri, derrotado nas urnas em outubro de 2019 pela chapa Alberto Fernández-Cristina Kirchner.
Do lado brasileiro, Bolsonaro destacou a importância do Mercosul, a necessidade de dar ao bloco mecanismos mais ágeis e a intenção de avançar na cooperação bilateral na área de turismo. O presidente brasileiro também ressaltou a importância da parceria entre as
Forças Armadas dos dois países, fundamental para o combate ao tráfico de drogas e a demais crimes transnacionais.
Sobre a cooperação bilateral entre os dois países, Fernández indicou que: “Continuamos a progredir em matéria de segurança e das forças armadas e temos que trabalhar juntos na questão ambiental, que é uma questão que nos preocupa muito. Devemos fazer um acordo de preservação”, e acrescentou: “Temos oportunidades em desenvolvimento para fornecer gás para Argentina e Brasil”.
No mês de agosto deste ano, o Brasil voltou a ser o principal parceiro comercial da Argentina, tanto nas exportações quanto nas importações, superando a
China, que até o mês de julho figurou como líder na balança comercial argentina. De acordo com dados do
Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (Indec), órgão vinculado ao
Ministério da Economia e Finanças Públicas da Argentina, em agosto, as exportações brasileiras para o principal sócio brasileiro no Mercosul somaram US$ 777 milhões, contra US$ 604 milhões exportados pelos chineses.
Bolsonaro destacou que “o Mercosul é o nosso principal pilar de integração”, ao mesmo tempo que apelou à geração de “mecanismos mais ágeis e menos burocráticos” no quadro do organismo multilateral. Ele também expressou sua vontade de avançar em áreas de interesse comum, “especialmente no campo do turismo”.
O presidente argentino estava acompanhado do ministro das Relações Exteriores, Comércio Internacional e Culto,
Felipe Solá; e o embaixador da Argentina no Brasil,
Daniel Scioli. Em nome do Brasil, participaram o chefe da pasta de Relações Exteriores,
Ernesto Araújo, e o secretário de Assuntos Estratégicos,
Flavio Viana Rocha.
No encerramento da cerimônia, o ex-presidente brasileiro,
José Sarney, que participou da comemoração, desejou ao presidente Fernández “sucesso no governo” e explicou que: “Esta data foi escolhida para lembrar o início do Mercosul, em que buscávamos crescer e formar um grupo competitivo a nível internacional para ampliar a integração de nossos países”.
Já no fim do dia 30 de novembro, o Itamaraty publicou uma tímida
nota à imprensa, na qual informou que a reunião proporcionou oportunidade para que os dois presidentes confirmassem seu desejo de trabalhar juntos em prol do desenvolvimento de seus países, notadamente no aperfeiçoamento do Mercosul e nas negociações comerciais do bloco com outros parceiros. “Trataram igualmente da cooperação em segurança e defesa, em ciência e tecnologia, em energia nuclear e no combate aos desafios criados pela pandemia”, concluiu a nota.
A Declaração do Iguaçu Em 30 de novembro de 1985, os Presidentes José Sarney e
Raúl Alfonsín deram passo fundamental na construção da confiança entre Brasil e Argentina ao assinarem a
Declaração do Iguaçu e celebrarem importantes acordos bilaterais. Na mesma oportunidade, foi inaugurada a
Ponte Tancredo Neves, que une as cidades de
Foz do Iguaçu e
Puerto Iguazú.
Em abril de 1996, em
Buenos Aires, os presidentes
Fernando Henrique Cardoso e
Carlos Menem assinaram acordos sobre cooperação espacial, meio ambiente, recursos humanos em nível de pós-graduação, integração física, interconexão energética e cooperação em ciência e tecnologia. Mais recentemente, em outubro de 2003, os presidentes
Luiz Inácio Lula da Silva e
Néstor Kirchner aprofundaram a aliança ao lançarem o
Consenso de Buenos Aires.
Para o professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB),
Roberto Goulart Menezes, a Declaração do Iguaçu é um marco fundamental nas relações Brasil-Argentina. “A criação de confiança é um elemento fundamental nas relações internacionais e a Declaração foi um gesto importante nesse sentido”.
A Declaração foi assinada no momento em que os dois países estavam realizando a transição política da ditadura para a democracia. Para o coordenador do Núcleo de Estudos Latino-Americanos da UnB, o evento deixou para trás um período de certa rivalidade entre os dois países sul-americanos. “A aproximação entre Brasília e Buenos Aires contribuiu para o entendimento na área nuclear e lançou as bases para a criação do Mercosul”.
Roberto Goulart ainda ressalta que a parceria estratégica das duas maiores economias da América do Sul possibilitou o alinhamento da agenda de integração regional em alguns momentos. Porém, com a crise econômica na Argentina em 2001 os atritos na área comercial e econômica tem marcado essa relação desde então”.
Perguntado sobre a relação de ambos os países no governo Jair Bolsonaro, o professor respondeu que no atual governo a relação vive o seu pior momento. “Além das declarações agressivas contra o governo de Fernandez, o alinhamento subserviente do Brasil a política dos Estados Unidos de Donald Trump distanciou o País dos seus vizinhos, na contramão do que predominou na política externa brasileira desde a redemocratização.
“Mas o fato é que o governo Bolsonaro mostrou nesses dois anos que ele não possui uma diretriz de política externa. No encontro virtual com o presidente argentino, Bolsonaro mostrou um cordialidade forçada. Longe das câmeras, o Brasil ameaça a Argentina caso ela crie algum obstáculo as negociações com a União Europeia, concluiu Goulart.
A “cordialidade forçada” do presidente brasileiro chegou ao ponto de a reunião com Fernandéz não constar na agenda do dia 30 de Bolsonaro. Somente no final do dia, às 23h30, o encontro apareceu na agenda, junto a uma acanhada nota publicada à imprensa no site do Itamaraty.