O Black Lives Matter (BLM) foi nomeado ao Prêmio Nobel da Paz 2021 pelo parlamentar norueguês Petter Eide, segundo o jornal britânico The Guardian. O movimento ganhou destaque em 2020 após a morte do negro norte-americano George Floyd, assassinado por um policial branco. O acontecimento foi o estopim para que grupos em todo o mundo fossem às ruas reivindicar pautas em prol do fim do racismo.
O Prêmio aceita indicações de deputados, ministros, ex-laureados e alguns professores universitários, que têm até 2 mil palavras para justificar sua escolha. Neste ano, Eide, deputado da Esquerda Socialista (SV), nomeou o BLM por ter sido um movimento que influenciou o mundo a combater a injustiça racial, conforme afirmou o parlamentar.
Para Mártir Silva coordenadora especial de políticas públicas para igualdade racial da Secretaria da Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos do Ceará (Ceppir/SPS), a indicação é uma forma de legitimizar esse movimento e a causa antirracista. "Significa, mais que tudo, o reconhecimento de que o BLM desencadeou lutas dentro e fora dos Estados Unidos, assim como a compreensão de que o racismo é um fenômeno mundial", pontua.
A lista com os finalistas será divulgada no final de março pelo comitê do prêmio. O resultado da premiação será anunciado em outubro e a cerimônia ocorrerá em 10 de dezembro de 2021.
Vidas negras importam
Apesar de ter ganhado proporção e se expandido no ano passado, é um movimento que surgiu em 2013. A hashtag #BlackLivesMetter começou a ser usada nas redes sociais com a morte do adolescente afro-americado Trayvon Martin, mais uma vítima da violência policial. Desde então, o movimento se tornou conhecido pela organização de protestos contra a morte de negros causada por policiais e questões envolvendo a desigualdade racial presente nos Estados Unidos.
Em 2020, o movimento mostrou força após o vídeo do negro George Floyd circular na internet. Ao ser abordado em um supermercado por, supostamente, ter usado uma nota falsificada de vinte dólares, o norte-americado de 46 anos foi asfixiado por um policial branco. Pessoas de diversos países, incluindo o Brasil, foram para as ruas gritar o slogan do movimento: Vidas negras importam.
O professor universitário, historiador e pesquisador da história e cultura negra no Ceará Hilário Ferreira, afirma que houve esse crescimento dos protestos porque a realidade do racismo existe em vários países:
Desde a chegada dos escravizados no Brasil, quando eles se organizam em quilombos, se recuam a serem escravos, fazem suas revoltas individuais e coletivas, estão ali fazendo uma ação que se assemelha ao BLM. A greve negra de 1857 e as revoltas dos negros e negras escravizados foram movimentos que dizem "nossas vidas importam".
Mártir Silva aponta que o "BLM traz a denúncia de que há uma violência sistêmica sobre as vidas e corpos negros. Essa violência também é percebida no Brasil por nossos movimentos antirracistas". Embora a violência policial e sistemática contra negros seja comum em nacionalidades distintas, o professor Hilário Ferreira adverte que: "Nós precisamos levar em consideração as especificidades históricas de cada país".
Ele ainda explica que, no Brasil, por exemplo, em relação à violência policial contra a população negra, a Polícia Militar (PM), historicamente, foi criada para reprimir os negros brasileiros. A corporação surgiu em 1808, com a chegada da família real ao país. "Ao chegar no Rio de Janeiro, a corte percebeu que haviam muitos negros para poucos brancos. Então, foi elaborada uma organização para proteger a nobreza", diz.
De acordo com os dados da Rede de Observatórios da Segurança, essa realidade de repressão por parte da PM continua. Em 2019, a maioria dos mortos pela polícia nos estados de Pernambuco, Bahia, Ceará, São Paulo e Rio de Janeiro, foram pessoas negras. O relatório também mostra que 87% dos mortos no Ceará eram pretos e pardos.
A violência também é vista nos números apresentados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2019, 79% dos assassinados pela polícia eram pessoas negras. O historiador ressalta que "é preciso que a gente não só vá para as ruas, mas proponha medidas, políticas públicas e pressione os gestores para a criação de leis que eduquem ou acabem com a Polícia Militar".
Expectativas para o futuro
O professor analisa que a tecnologia, como as novas mídias e as redes sociais, auxiliaram na atuação do BLM. "Sempre existiu o racismo, a diferença é que agora nós filmamos. Tem que existir uma reação diante desse racismo sistêmico, dessa naturalização da violência policial contra os negros".
Para a coordenadora da Ceppir/SPS, o movimento se tornou uma inspiração para outros grupos de ativistas antirracistas. "O mundo não poderia ignorá-lo, ainda mais acontecendo em um país como os Estados Unidos, que é influenciador para o bem ou para o mal", diz. Mártir ainda compartilha suas expectativas: "que eles tenham a capacidade política de se constituir como uma referência importante do processo de civilização".
Em relação ao futuro dos movimentos negros, em especial os brasileiros, Ferreira destaca que amadurecimento é necessário. "O movimento negro precisa aprofundar e discutir o racismo, falar sobre a ideologia cultural presente no imaginário do próprio negro. Deve ter trabalho de base, buscar conhecer a nossa história e resgatar as nossas lideranças", aponta.
Nobel da Paz
Desde 1991, o prêmio Nobel da Paz é concedido a pessoas e/ou organizações que promovam o progresso da humanidade, de acordo com a vontade de Alfred Nobel, seu criador. Em 2020, o ganhador foi o Programa Mundial de Alimentos (PMA), agência humanitária que oferece alimentação a 90 milhões de pessoas em 80 países.