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13/02/2021 às 01h20min - Atualizada em 13/02/2021 às 00h12min

Povos ciganos do Ceará são excluídos dos planos estadual e nacional de vacinação

OAB-CE expediu ofício ao Governo do Ceará solicitando a inclusão dos ciganos entre os grupos prioritários

Letícia Feitosa - Editado por Ana Paula Cardoso
É estimado que haja cerca de 16 mil ciganos no Ceará. Foto: ICB

Dentre os grupos prioritários a receber a vacina contra a Covid-19 no Ceará, os povos ciganos - ou romani - não foram incluídos como suscetíveis à doença nos planos nacional e estadual de vacinação. No estado, essa população, de acordo com o Instituto Cigano do Brasil (ICB), é constituída por cerca de 16 mil ciganos em 60 cidades cearenses. Em meio à pandemia, o grupo étnico se mobiliza para ser reconhecido como vulnerável ao novo coronavírus. 

 

Em janeiro de 2021, a Comissão de Promoção da Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil, secção Ceará (Copir/OAB-CE) expediu um ofício ao governador do estado, Camilo Santana, solicitando a inclusão dessa população no plano estadual de vacinação. Até o momento, não houve resposta do gestor, entretanto, a Secretaria Estadual da Saúde do Estado (Sesa) emitiu nota à Agência Eco Nordeste, informando que:
 

"Realiza a distribuição de vacinas para os municípios cearenses seguindo as orientações de grupos prioritários definidas no Programa Nacional de Imunização, do Ministério da Saúde", informa a nota.

 

O documento da Copir/OAB-CE é assinado pela advogada e presidente da comissão, Raquel Andrade dos Santos, com fundamentação técnica das membras Camila Cardozo e Tharrara Rodrigues. O ofício afirma que, assim como os indígenas aldeados em terras demarcadas, os quilombolas e as comunidades ribeirinhas, o povo cigano "também se encontra em situação de invisibilidade histórica e vulnerabilidade acentuada". 

 

Conforme a Copir/OAB-CE, o pedido  feito no documento tem como objetivo a proteção das tradições dessa população e a garantia da continuidade das políticas públicas de enfrentamento à pandemia no Ceará. A presidente da comissão diz que a "situação de vulnerabilidade social, econômica e sanitária do povo cigano, apesar de suas particularidades, não se distingue da situação dos outros povos já inclusos no plano de vacinação [indígenas, quilombolas e ribeirinhos]".

 

Anterior ao ofício da OAB-CE, o ICB também emitiu uma solicitação em prol da vacinação da população em questão. O documento é direcionado ao Ministério da Saúde e pede, além da vacina, um monitoramento das comunidades. 
 

Povos Ciganos e a Covid-19

 

Essa população sobrevive do comércio e de manifestações culturais, tais como a dança e a música. Rogério Ribeiro, cigano da etnia calon, presidente do ICB e coordenador do Fórum das Comunidades e Povos Tradicionais do Ceará e membro consultivo na Copir/OAB-CE, afirma que a pandemia abalou tanto a saúde quanto o financeiro das comunidades, "pois o cigano ficou impedido de sair para as ruas para vender seus produtos". 

 

Ao todo, conforme o ICB, foram contabilizadas 47 mortes entre os ciganos no Brasil por conta da Covid-19. No Ceará, houveram três óbitos. Segundo a presidente da Copir/OAB-CE, Raquel Andrade, o número de vítimas "provavelmente é muito maior, uma vez que estamos lidando cotidianamente com subnotificações de casos e mortes, ainda mais em um grupo tão carente e socialmente excluído".

Confira os dados abaixo:

 

 

Raquel explica que "o povo cigano faz parte de uma minoria étnica, que possui uma história particular, raízes e tradições próprias. É um povo historicamente perseguido, politicamente invisibilizado, excluído pela sociedade e vítima de preconceito à sua cultura". A advogada ainda acrescenta que grande parte dessa população vive sem acesso a direitos básicos, como saúde e educação. Durante esse período pandêmico, tal situação se agravou.

 

Ribeiro aponta que em relação ao atendimento, isolamento e recuperação dos infectados, o Instituto Cigano do Brasil atuou na orientação acerca da quarentena e das medidas preventivas, na confecção e distribuição de máscaras, elaboração de cartilhas com informações sobre a doença e no monitoramento de casos na comunidades. "Nosso medo era de um genocídio cigano, pois vivemos em comunidade, por exemplo, numa casa de cigano moram em torno de três a quatro famílias e é impossível não haver aglomeração", conta.

 

Ele ainda afirma que não houve ajuda direta aos povos ciganos por parte do Estado. Apesar da ausência de assistência do poder público, as comunidades recebem doações que auxiliam no abastecimento mínimo de itens alimentícios e de higiene. Entre as entidades parceiras do ICB que contribuíram com a população, estão: Mesa Brasil do Ceará, Naturágua, Instituto Nordeste de Cidadania, Tsara da Solidariedade, Pequeno Nazareno e Cruz Vermelha Brasileira - Ceará. 

 

Outro desafio enfrentado pelas comunidades ciganas foi o difícil acesso ao auxílio emergencial. Raquel declara que essa foi uma "consequência de uma alta taxa de analfabetismo e uma constatação de que, no Brasil, muitos ciganos nem mesmo possuem a documentação básica para o cadastro no programa".  Por isso, a presidente da Copir/OAB-CE conclui: 

 

"Nos deparamos com um povo exposto a um alto grau de vulnerabilidade social e consequentemente mais suscetível aos impactos da pandemia, o que perfaz um dos critérios utilizados pelo Governo Federal para definir os grupos prioritários no Plano Nacional de Vacinação Contra a Covid-19".

 

Instituto Cigano do Brasil

 

A entidade, criada em 2018, tem sede em Caucaia, na região metropolitana de Fortaleza. Hoje, realiza a articulação em prol da defesa dos direitos dos povos ciganos em 15 estados brasileiros (Ceará, Sergipe, Alagoas, Bahia, Rio Grande do Norte, Maranhão, Piauí, Paraíba, Pernambuco, Espírito Santo, Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina) e Distrito Federal. Internacionalmente está presente em Portugal e na Bélgica.
 

Durante a pandemia, o ICB ainda lançou a campanha "Fique na Barraca, Cigano" como forma de conscientização acerca das orientações em prol da prevenção ao novo coronavírus. O Instituto elabora cartilhas e realiza publicações nas redes sociais com informações sobre a doença.


 

Confira na íntegra o Plano Nacional de Vacinação contra a Covid-19
​Confira na íntegra o Plano Estadual de Vacinação contra a Covid-19


REFERÊNCIAS:
 
COMISSÃO da OAB-CE solicita garantia de vacinação prioritária para indígenas, quilombolas e ciganos no Ceará. OAB Ceará, [S. l.], p. 1-1, 22 jan. 2021. Disponível em: http://oabce.org.br/2021/01/comissao-da-oab-ce-solicita-garantia-de-vacinacao-prioritaria-para-indigenas-quilombolas-e-ciganos-no-ceara/. Acesso em: 8 fev. 2021.
 
MINISTÉRIO DA SAÚDE. PLANO NACIONAL DE OPERACIONALIZAÇÃO DA VACINAÇÃO CONTRA A COVID-19. [S. l.], 2020. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/media/pdf/2020/dezembro/16/plano_vacinacao_versao_eletronica-1.pdf. Acesso em: 8 fev. 2021.

QUEIROZ, Adriano. OAB-CE pede inclusão de ciganos entre grupos prioritários de plano estadual de vacinação. Eco Nordeste. Disponível em: https://agenciaeconordeste.com.br/oab-ce-contesta-diretrizes-de-planos-estadual-e-nacional-para-nao-inclusao-de-ciganos/. Acesso em: 8 fev. 2021.

SECRETARIA ESTADUAL DE SAÚDE DO CEARÁ. Plano Estadual de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19. [S. l.], 2021. Disponível em: https://www.saude.ce.gov.br/wp-content/uploads/sites/9/2020/02/plano_operacionalizacao_vacina_20212101_v4.pdf. Acesso em: 8 fev. 2021.

REDE DE OBSERVATÓRIOS DA SEGURANÇA. Dados inéditos comprovam que negros são o alvo da letalidade policial nos cincos estados monitorados pela Rede de Observatórios. Rede de Observatórios da Segurança, [S. l.], p. 1-1, 9 dez. 2020. Disponível em: http://observatorioseguranca.com.br/cor-da-violencia-negros-sao-o-alvo-da-letalidade-policial/. Acesso em: 4 fev. 2021.

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