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04/05/2021 às 00h11min - Atualizada em 04/05/2021 às 00h11min

Educação e Coronavírus: pandemia reforça desigualdade no acesso ao ensino

Os problemas relatados pelos estudantes são a falta de acesso à internet, locais apropriados para estudo, contato com professores e colegas, dispersão e preocupação financeira.

Sthefany Macedo e Bianca Neves - Revisado por Mário Cypriano
A sala de aula vazia com o material escolar - Imagem: Freepik

Em um bairro humilde localizado em Manacapuru, no interior do Amazonas, encontramos Miguel Vasconcelos, 10 anos, aluno do 6º ano da Escola Municipal Maria do Socorro Queiroz Farias, a única do local. Com população formada majoritariamente por indígenas e pessoas de baixa renda, muitos moradores não possuem acesso à internet na região, uma das grandes dificuldades encontradas no ensino quando o coronavírus atingiu o Brasil e fechou escolas por todo o país.

Como milhões de estudantes brasileiros na pandemia, Miguel precisou se adaptar à nova rotina de estudos em casa. Todas as aulas, que antes eram ministradas pelos professores, agora estavam em apostilas que eram entregues aos alunos, alternativa encontrada pela escola para não perderem o ano.

O jovem amazonense faz parte da pequena parcela que possui internet em casa e pode pesquisar os assuntos das disciplinas com mais facilidade. No entanto, conta apenas com a ajuda de seus familiares para realizar as atividades, já que não havia mais o mesmo contato com os professores.


Dependendo do dia, Miguel conseguia responder vários exercícios, em outros, chegava a estudar somente duas horas, reduzindo para a metade em comparação com a carga horária que um estudante do ensino fundamental deve cumprir de acordo com o Ministério da Educação (MEC). Para saber como estava seu desempenho, era necessário esperar uma reunião agendada com os pais pela escola, onde corrigiam as apostilas e entregavam as notas.

 

"Se eu com acesso à internet não consegui aprender muito, imagina meus amigos. Nem todos os alunos podem contar com a ajuda dos pais também", lamenta o estudante.

O caso de Miguel e a escola onde estuda evidencia as desigualdades já conhecidas no território brasileiro. Muitos estudantes, principalmente os que vivem em situação de extrema pobreza e em locais isolados, sem acesso aos meios necessários para estudo enfrentam dificuldades para dar continuidade ao seu aprendizado.


Segundo dados da TIC domicílios, 48% da população de área rural e 45% na faixa de menor renda, não possuem acesso à internet. São 20 milhões de domicílios (7,4% da população brasileira) sem estrutura de conexão por fibra óptica, a maioria deles no norte e no nordeste do país. Dados da ANATEL mostram que 13% não possuem cobertura 4G, limitando ainda mais o acesso às diversas plataformas de conteúdo.

No Brasil, 27% de todas as escolas não têm acesso à internet, de acordo com nota técnica divulgada pelo Ipea - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, com base no Censo Escolar 2019, produzido pelo Inep - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. 

Neste cenário, muitas escolas públicas e privadas enfrentaram e ultrapassaram diversas barreiras para buscar alternativas de oferecer aos alunos o acesso aos conteúdos educacionais em meio à pandemia. Porém, houve um atraso na disponibilização dos conteúdos remotos. 

Após três meses da suspensão das aulas, em 2020, cerca de 18% dos alunos da rede pública do ensino fundamental e médio não receberam nenhuma atividade por meio eletrônico ou impresso, o que equivale a 4,8 milhões de jovens em idade escolar prejudicados nos primeiros meses de quarentena.


Devido à maior disponibilidade de recursos financeiros e tecnológicos, a rede privada teve mais agilidade na oferta dessas atividades remotas. Um estudo divulgado pelo Instituto Península, mostra que a proporção dos docentes que acreditam que os alunos e alunas aprenderam o esperado foi duas vezes maior na rede privada (36%) do que na municipal (17%), ampliando ainda mais em relação à rede estadual (13%). 

 

A pesquisa corrobora com o relato de Cailane Soares de Menezes, 17 anos, que concluiu o ensino médio em 2020, na rede privada de ensino do Estado da Bahia. 

 

“Minha escola teve que tomar medidas rápidas e foram bem eficientes. A organização, logo quando foi dito que não teríamos aula presencial, eles deram um jeito muito rápido. Na segunda semana do anúncio, já estávamos tendo aula on-line e cumprindo as cargas horárias corretamente”, afirma a estudante.

Na região sudeste, a situação é diferente. Rafaela Menezes, 15 anos, estuda em um colégio público de São Paulo. As  aulas foram realizadas em transmissão ao vivo pela televisão através do CMSP - Centro de Mídias do Estado de São Paulo, programa do governo que tem por objetivo contribuir e ampliar a oferta de uma educação mediada pela tecnologia aos alunos. Entretanto, o horário de estudos também foi reduzido e Rafaela estuda a maior parte do tempo sozinha. 

 

Questionada sobre o que mais sentia falta, Rafaela afirmou que "sem dúvidas foi a falta dos professores para tirar dúvidas e também o local inapropriado para estudos em casa", e acrescentou que, "90% da perda foi em relação à carga horária. Antes, eu estudava 7 horas por dia, então eu tinha mais conteúdo e mais aprendizado".

Em contrapartida aos estudantes do Ensino Médio, uma grande parcela dos alunos de 6 a 10 anos não possuem acesso a celulares e computadores. As crianças dependem do empréstimo de equipamentos do responsável e, muitas vezes, acabam por realizar as atividades nos horários em que não há apoio pedagógico disponível. 

 

Para Miguel Mussel, 7 anos, estudante da rede particular em Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro, houve dificuldade em se adaptar às aulas. “Miguel não gosta muito, pede pra não participar toda vez. No início foi bem complicado. As crianças não conseguem entender o momento de falar e de ouvir, é bem confuso para todo mundo”, relata a mãe, Fernanda Mussel. 

 

Um estudo encomendado pela Fundação Lemann e publicado pela FGV EESP Clear revela que, devido a suspensão das aulas presenciais na pandemia, a aprendizagem deve retroceder em até quatro anos. Uma simulação apresentada aponta que, em um cenário pessimista, os estudantes do ensino fundamental e médio podem ter deixado de reter 72% do aprendizado em um ano típico. 

 

Outro ponto a ser considerado para a redução no desempenho dos alunos é a dificuldade de concentração, como ressalta Giovani Melo, de 17 anos, aluno da rede particular de Maringá, na região norte do Paraná, “[...] é bem difícil focar porque em casa você tem mais distrações também, computador, TV, celular, então a maioria das aulas são mais focadas, mas tem umas que eu dou uma desviada”. 

 

A aluna Lauane Teles, 17 anos, moradora de Novo Gama (GO), complementa,  “o meu rendimento e aproveitamento caíram muito durante a pandemia por diversos fatores. Eu não acho que todos aprenderam tudo que deveriam durante as aulas online, mas para a segurança de todos esse foi o melhor método”. 

 

Além das dificuldades com o aprendizado remoto, muitos estudantes precisaram desviar sua atenção para as questões financeiras da família, devido a grande taxa de desemprego no país. Esse cenário ocasionou um aumento na exploração da mão de obra infantil, como aponta a instituição Marco Zero, por meio de dados obtidos pelo Disque 100 (Direitos Humanos)

 

No primeiro semestre de 2020, foram recebidas, em média, 10 denúncias por dia. A informação obtida pela reportagem via Lei de Acesso à Informação, mostra que em todo o país foram 1.859 registros em seis meses. 

 

A pressão e a dispersão contribuem para que a evasão escolar se torne realidade. De acordo com um estudo realizado pela C6 Bank/Datafolha, em virtude da pandemia, cerca de 4 milhões de estudantes brasileiros abandonaram os estudos durante esse período. A taxa de abandono escolar chegou a 8,4% dos estudantes com idade entre 6 e 34 anos.

 

A pesquisa realizada entre os dias 30 de novembro e 9 de dezembro de 2020, com 1.670 entrevistados, também listou os motivos que levaram os estudantes ao abandono escolar, como é ilustrado a seguir:

Motivos do abandono escolar - Infográfico: Sthefany Macedo


A desigualdade evidencia-se quando os estudantes de classes sociais mais baixas lideram as taxas de abandono. A taxa foi 54% maior entre os alunos das classes D e E (10,6%), na comparação com estudantes das classes A e B (6,9%).
 
Os problemas que os estudantes enfrentam não se limitam somente à falta de acesso à internet ou aparelhos adequados, falta de concentração e locais apropriados para estudo. Também esbarram nas questões referentes à saúde mental. A nova realidade dos estudos em casa, o aprendizado quase autodidata, a falta de contato com os amigos e a necessidade de ajudar em casa,  também causaram impacto. 
 
"Me senti bastante sozinho, sinto falta dos amigos seja para estudarmos ou para conversarmos sobre assuntos do dia a dia. Com relação à saúde mental havia momentos que estava tão mal que não fazia absolutamente nada o dia inteiro desde comer ou tomar banho, não me dava uma vontade de sair da cama, mas hoje em dia eu diria entre bastantes aspas que me adaptei a isso tendo uma saúde mental estável com relação a tudo que estamos passando", relatou Luan Carlos Pereira, estudante do ensino médio, no Amazonas. 

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