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05/06/2021 às 11h50min - Atualizada em 04/06/2021 às 15h00min

Desigualdade de gênero na ciência aumenta durante a pandemia

Produção científica de mulheres diminuiu durante o período, em comparação com os homens

Isabella Baliana - Editado por Manoel Paulo

É correto afirmar que a pandemia de covid-19 mudou o dia a dia de muitos brasileiros, principalmente no que diz respeito ao trabalho e estudo. De acordo com a pesquisa, ainda em andamento, do projeto brasileiro Parent in Science, essa mudança pode ser ainda mais verificável dentro do ramo científico, visto que acentuou a disparidade de gênero na área: 52% das mulheres com filhos não conseguiram concluir suas pesquisas, contra 38% dos homens. Em relação às mulheres sem filhos, 40% não conseguiram finalizar seus trabalhos, contra 20% dos homens.  

 

A desigualdade entre os gêneros na produção científica não é de hoje, mas principalmente durante o período de isolamento social, em que a maioria está em casa, o que acontece é que muitas mulheres realizam diariamente uma dupla ou até tripla jornada. Ou seja, além do desenvolvimento de suas pesquisas e artigos, precisam conciliar também o trabalho, serviços domésticos e o cuidado dos filhos, muitas vezes sem o apoio de outras pessoas da família. 

 

Kátia Castro, de 46 anos, é mãe, professora, coordenadora de uma instituição escolar e atualmente faz pós-graduação em metodologias e práticas do ensino bilíngue. Ela começou o curso da pós em fevereiro de 2020, mas por conta da pandemia e do acúmulo de afazeres, teve um atraso nas matérias e precisou adiar a sua formação. “Conciliar tudo isso é bem difícil, porque meu filho demanda bastante, a casa demanda, o trabalho demanda e ainda tem o cuidado da gente mesma. Então eu tive que fazer uma agenda bem rigorosa pra que eu conseguisse atingir os objetivos e me organizar para realizar as atividades e entregas dos trabalhos finais”, conta a coordenadora.

 

Outra mulher que enfrentou os desafios ampliados pela pandemia da covid-19 foi a Patrícia Paixão. Professora em duas universidades e mãe de duas filhas, Patrícia concluiu o doutorado pela USP no começo deste ano, mas relata que o caminho foi árduo. Durante o processo, sua rotina, que já era cheia, ficou ainda mais puxada: preparar aula, dar aula à distância, colocar atividades na plataforma online, atender os alunos, cozinhar, limpar a casa e cuidar das filhas. “Chegava no fim de semana e eu estava com um volume absurdo de correção de trabalho, feedback pros alunos e aí eu não conseguia escrever. E eu precisava escrever porque, a princípio, a entrega da tese estava marcada pra junho de 2020” relata.

 

Com as dificuldades de outros doutorandos também causadas pela pandemia, felizmente a universidade decidiu oferecer a possibilidade de prorrogação do prazo de entrega da pesquisa. Foi o tempo que precisava: ela dispôs de suas férias inteiras de julho e de dezembro para finalizar, mas conseguiu. No começo de fevereiro de 2021, havia entregue a tese. O relato de Patrícia reflete o que muitas mulheres passaram e ainda passam durante a sua carreira científica e acadêmica, ainda mais em um período tão conturbado como o da realidade política, social e econômica brasileira. 

Para ela, sem dúvida, as mulheres foram as mais prejudicadas em relação à produção científica. “Acho que todas as mulheres, mas principalmente as mães, que tiveram que ser tudo ao mesmo tempo: mãe, funcionária, dona de casa, doutoranda. Meu marido me ajudou bastante, mas mesmo assim tem coisas que os filhos demandam mais da mãe. E que a nossa sociedade, machista, estruturalmente falando, também demanda mais da mulher. Acabamos sendo sobrecarregadas e mais cobradas”, desabafa a doutora. 

 

Ao exemplo destas, muitas outras mulheres passam por situações parecidas, e algumas não conseguem concluir seus estudos, o que diminui suas chances de continuarem no ramo científico e até de se destacarem na área futuramente, já que a aprovação em editais de projetos de pesquisa, concursos públicos e progressão na carreira depende também da quantidade de artigos publicados. 

 

Apesar das mulheres serem maioria nas universidades (57%) e nos doutorados (54%), os desafios não param. O estudo publicado pelo site do Wilson Center revela que elas representam apenas 24% dos beneficiários da bolsa do governo brasileiro aos cientistas mais produtivos do país, mesmo tendo sido responsáveis por quase 70% do total de publicações de cientistas brasileiros entre 2008 e 2012, uma das maiores proporções do mundo. Em cargos de liderança, apesar do crescimento, elas também continuam sendo minoria: em 2020, apenas 17% dos membros titulares da Academia Brasileira de Ciências eram mulheres.

 

Para a pesquisadora Fernanda De Negri, do Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas (IPEA), no artigo “Women in Science in Brazil: still invisible?”, o problema da disparidade de gênero deve ser interpretado de forma conjunta com outros aspectos de uma sociedade que ainda enxerga o sexo feminino de forma desigual. 

 

“Talvez a falta de mulheres em cargos científicos seja resultado de uma questão mais profunda no país, causada pelos mesmos fatores que explicam porque os salários das mulheres são menores ou porque há poucas mulheres nos conselhos de empresas, ou mesmo em posições governamentais de alto nível”, afirma. Ela ainda reforça que superar o desafio da invisibilidade exige o apoio de todos da sociedade. “Campanhas educativas para estimular as meninas a se tornarem cientistas e discutir o preconceito inconsciente nos processos seletivos são exemplos de iniciativas”, completa. 

 

 
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