Recentemente, a França passou por um dos seus dias mais quentes da história. Desde os anos 1930 a 1940 não haviam registros tão altos de temperatura na região, superando a marca dos 40° C. De acordo com a meteorologista do Programa de Meteorologia do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG/USP), Paola Bueno, não somente os franceses, mas italianos, portugueses e espanhóis estão enfrentando condições severas de seca no verão deste ano devido a um déficit de chuvas e ocorrência sucessiva de ondas de calor no continente.
O cenário é muito preocupante tendo em vista as condições de extrema seca, níveis baixos de rios e reservatórios, prejuízos na energia elétrica, além do aumento de queimadas e incêndios florestais, em razão da vegetação seca, e transtornos no setor agropecuário. O pesquisador Isaque Lanfredi (IAG/USP), explica que a ação antropogênica atrelada à alta da queima de combustíveis fósseis e ocupação do solo, dentre outros fatores, gera impactos potencialmente econômicos, biológicos e sociais.
“As regiões continentais e o hemisfério norte são mais suscetíveis às mudanças climáticas, devido a maior variabilidade natural das temperaturas por causa da maior distribuição proporcional de terra em relação aos oceanos", afirma Isaque. “A Europa experimenta uma tendência de três a quatro vezes maior de incremento das ondas de calor comparativamente com as demais áreas situadas na mesma latitude do hemisfério norte.”
No quadro de mudanças climáticas, o aquecimento do Ártico diminui a diferença térmica entre a região polar do Hemisfério Norte e as latitudes médias, impactando diretamente no comportamento das correntes de jato de altos níveis, o principal sistema de vento global em 10 km de altitude. Essas correntes são definidas por ventos intensos que sopram de oeste para leste nos altos níveis da atmosfera, gerando distúrbios nas circulações dos ventos.
As consequências das ondas de calor são reais: registros históricos mais recentes do início do século XXI mostram as fatalidades nas localidades da Itália, da Espanha, de Portugal, do Reino Unido, da Alemanha e da Holanda que juntas somam mais de 9.000 mortes por ondas de calor, proporcionalmente menor do que na França, que sozinha já registrou 15.000 mortes estimadas na onda de calor do ano de 2003. “As fatalidades relacionadas às ondas de calor são numericamente expressivas e comparáveis às provocadas por grandes inundações e ciclones tropicais”, diz Isaque.
O impacto direto das ondas de calor nos seres humanos afeta populações mais vulneráveis que estão acostumadas ao clima mais ameno.
“Somente este ano, por exemplo, cerca de 1 bilhão de pessoas na Índia e no Paquistão sofreram com a onda de calor que antecedeu o período das monções na região–fenômeno também observado no ano passado. No Japão, a onda de calor registrada no final de junho fez a temperatura alcançar 40,2°C no dia 25/06 na cidade de Isesaki, a noroeste de Tóquio, configurando a temperatura mais elevada, para junho, desde 1875 na região: recorde de 147 anos. Nos EUA, o calor mais a umidade causou a morte de ao menos 2.117 bovinos em julho.”
Nas últimas semanas, embora tenha havido uma redução da intensidade das ondas de calor no continente, é possível perceber que não houve trégua da estiagem extrema pela qual a Europa está passando, assim como nos Estados Unidos, no norte da África e na China, consequência dos efeitos do bloqueio atmosférico no Hemisfério Norte. A Europa está enfrentando sua pior seca em 500 anos, tendo dois terços do continente sob estado de alerta.
A meteorologista Paola acredita, que eventos extremos que antes aconteciam 1 vez a cada 100 anos, por exemplo, estão ocorrendo 1 vez a cada 10 anos, e isso pode piorar se continuarmos no atual cenário de emissões de gases de efeito estufa nos próximos anos.
Episódios de secas como o atual vivido pelos europeus poderão ocorrer com maior frequência no futuro, além de ficarem cada vez mais intensos. “As mudanças climáticas têm causado um aumento da frequência de ocorrência de eventos extremos climáticos em diversas partes do planeta”, conclui.