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27/06/2021 às 15h38min - Atualizada em 27/06/2021 às 15h28min

Fenômeno do Impostor: do perfeccionismo aos impactos cotidianos

“Todos nós, em algum momento da vida, temos essa sensação” argumenta Doutora em Psicologia

Karina Almeida - Editado por Talyta Brito
Reprodução/ Pixabay
Conseguir o emprego dos sonhos. Atingir a meta que só dependia de você. Impressionar alguém com as suas ideias. E, mesmo depois de todas essas realizações, achar que tudo isso foi apenas um golpe de sorte. Esse sentimento de reprovação, autodepreciação e dúvida sobre as próprias capacidades tem nome, atinge diferentes pessoas e já vêm sendo discutido a tempos.
O termo "Síndrome do Impostor"  foi usado pela primeira vez em 1978 pelas psicólogas Pauline Clance e Suzanne Imes. A condição é explicada como uma experiência individual baseada em uma autopercepção de falsidade intelectual, ou seja, colocar-se como uma fraude. Ana Karla Silva Soares, Doutora em Psicologia Social (UFPB) e Docente no curso de Psicologia da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS)  enfatiza que a condição é também chamada de fenômeno do impostor, sendo um termo mais amplo para a discussão.

 

O fenômeno 

“São aquelas pessoas que acreditam que o sucesso delas não se dá no estudo de suas capacidades, mas sim por elementos externos”, comenta a acadêmica. As realizações pessoais passam a ser atribuídas a sorte, a impressões de terceiros e outros fatores. “É quando temos uma visão mais negativa da nossa capacidade para exercer alguma coisa”, lembra Soares.
Ana Karla é pesquisadora e em conjunto com outros profissionais publicou o artigo intitulado Fenômeno do Impostor e Perfeccionismo: Avaliando o Papel Mediador da Autoestima. Nesse, o fenômeno foi avaliado a partir de uma ideia sobre dois tipos de perfeccionismo e, dessa forma, é estabelecida uma relação. Segundo a Doutora em Psicologia Social, seriam os chamados perfeccionismo adaptativo e desadaptativo.
“É você ter um padrão determinado, buscar organizar as coisas e manter a ordem”, comenta sobre o primeiro tipo. O outro, o chamado perfeccionismo desadaptativo, envolve situações nas quais tarefas são deixadas de lado e ações são dificultadas, o que pode ser considerado um agravante. “Como o fenômeno do impostor já possui um sentimento de não considerar que nossas habilidades e capacidades realmente são altas e justificam o sucesso e o êxito que a gente tem, o perfeccionismo muitas vezes é um elemento vinculado a quem sofre com esse fenômeno em maior grau”, argumenta a autora da pesquisa.
Mesmo com consequências claras de tais condições, o perfeccionismo é colocado como algo bom e almejado pelo senso comum. “Às vezes as pessoas usam como se fosse um elogio, mas vão ter dois quadros desse perfeccionismo. Um vai ajudar e outro vai dificultar um pouquinho as nossas atividades. É com esse que o fenômeno do impostor se relacionou”, enfatiza a pesquisadora.
Ana Karla Soares complementa a discussão trazendo a procrastinação que, segundo ela, também pode ser um fator relacionado ao fenômeno. “Já existem estudos mostrando que, às vezes, pessoas com um grau muito elevado desejo de perfeccionismo, acabam procrastinando e isso gera ainda mais angústia”, analisa. Além disso, diz que outras pesquisas indicam a síndrome do impostor relacionada com outras condições psicológicas, tais como: maiores níveis de ansiedade, estresse e, em casos mais avançados, de depressão.
O fenômeno do impostor pode atingir a todos, independente do gênero ou idade. Diferentes personalidades já declararam suas dificuldades relacionadas à síndrome do impostor. Entre eles está Michelle Obama, ex primeira-dama dos Estados Unidos. Em 2018, ela compartilhou com a plateia lotada do centro cultural Southbank, em Londres, suas experiências e diferentes conselhos.

 


O fenômeno do impostor não é uma condição pontual. Ana Karla Soares informa que sua progressão depende de situações ambientais e condicionais as quais as pessoas são impostas. “Todos nós, em algum momento da vida, temos essa sensação. Algo como: ‘fiz isso, mas acho que não mereci’. E isso vai ser um aspecto que vai complicar um pouquinho a nossa vida e dificultar nossos níveis de saúde psicológica quando são níveis mais elevados”, declara.
O modo de vida atual pode contribuir para essa constante evolução. Para a doutora em psicologia, o motivo não está nas redes sociais ou na sociedade como um todo, mas sim as metas impostas. “A questão da rede social entraria muito mais no sentido de ser uma via que propaga uma vida muito ideal”, diz. Dessa forma, comparações são inevitáveis e as consequências podem impactar diferes setores da vida.
“O fenômeno do impostor tem um impacto direto em dificultar a percepção da pessoa sobre suas capacidades no dia a dia e isso acaba impedindo que ela se desenvolva ao máximo”, comenta a pesquisadora. Segundo ela, estudos já apontam que uma saúde mental mais debilitada, impactam em questões de ordem profissional, acadêmica e pessoal, sendo o que acontece em tal condição. “Dificulta o estabelecimento de relações mais próximas tanto amorosas quanto de amizade”, exemplifica.

Contextos 

Ana Karla relembra que o fenômeno do impostor começou a ser estudado contexto clínico e, de início, as pesquisadoras consideravam apenas amostras com mulheres. “Depois se começou a ver que isso não era algo exclusivo das mulheres e sim algo que acometia todo mundo”, explica. Ela ainda detalha que alguns estudos apontam níveis maiores do fenômeno relacionados a mulheres.
“Acho que não é bem a sociedade, mas a forma como nós buscamos nos inserir na sociedade. Por muito tempo, a mulher foi vista como a pessoa que cuidava do lar, mas hoje a responsabilidade é maior. Além disso, a gente ainda busca colocação no mercado de trabalho e ter uma vida, de certa forma, liberta”, comenta sobre essa relação.
Para ela, a necessidade que as mulheres têm de executar múltiplas tarefas, se mostrarem capazes e as diferentes condições, podem gerar maiores níveis de insegurança. “Isso acaba gerando um estresse muito maior e faz com que a gente, muitas vezes, duvide até se realmente somos capazes de fazer algo”, continua.
A síndrome do impostor é observada em diferentes contextos. De acordo com uma pesquisa da Universidade Dominicana da Califórnia, aproximadamente 70% das pessoas se sentem “uma fraude” no ambiente de trabalho alguma vez na vida.  “Se um trabalhador se sente inapto para fazer alguma atividade, isso pode significar um decréscimo da sua produtividade e nas suas funções”, apresenta Ana Karla sobre o contexto das organizações. Além disso, a Doutora enfatiza que se tem observado maiores sensações do fenômeno em estudantes, revelando uma relação prejudicial com a saúde mental. “São aqueles estudantes que tem mais sensação de ansiedade, estresse e, em alguns casos, até de depressão”, explica.

 

Cuidados 

“Outra característica do fenômeno do impostor é essa: você ouvir elogios e parabenizações das pessoas ao seu redor, e mesmo assim pensar que não vai conseguir e internalizar aquilo. Quem está de fora tem um papel menos ativo de promover uma melhoria dessa sensação de impostor do que a própria pessoa”, comenta. A pesquisadora aconselha que a melhor forma de prevenir é individualmente, mas terceiros podem colaborar com apontamentos conectados à realidade e que demonstrem as realizações e méritos.
Diante de tantas consequências Ana Karla, entende que o pensamento ideal ao ponderar sobre os cuidados seja: “quais seriam aqueles elementos que irão ajudar a gente a ter níveis baixos de fenômeno de impostor?”. Com isso, argumenta que possuir uma saúde mental boa é fundamental.  “Quando eu digo a saúde mental, seria ter níveis baixos de ansiedade e de estresse e, ao mesmo tempo, ter uma boa autoestima e uma autopercepção clara e positiva”, explica.
Coloca assim o autoconhecimento como peça-chave no momento de reduzir os níveis dos fenômenos. Saber quais são as habilidades, conhecer os limites das próprias capacidades e realizar autocrítica que reconheça os feitos diante das implicações do dia a dia são alguns dos conselhos. “Você precisa trazer sua vida sempre para a realidade e tentar sempre ver o lado positivo daquilo que você está conseguindo manejar”, complementa aludindo ao desprendimento da vida imaginária construída no digital.
O fenômeno do impostor é um tema desde 1975 vêm sendo estudado, mas, segundo Ana Karla, ainda não é tão explorado no Brasil. Nota que apesar de muitos psicólogos se dedicarem a compreensão dessa condição em diferentes contextos, o assunto poderia ser mais aprofundado. “Existe uma importância de se dar visibilidade sobre esse tema. Isso porque muitas pessoas sentem assim e não sabem o que seria isso, que existe um nome e que é possível buscar ajuda [psicológica] se você se sentir desconfortável”, expõe a pesquisadora.

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