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31/07/2021 às 00h24min - Atualizada em 05/07/2021 às 14h09min

Tranças Africanas: herança histórica usada como identidade e resistência

Para a cultura preta, trançar os cabelos vai além da estética e beleza, significa também liberdade e força

Gabriella Lima - Editado por Larissa Barros
As tranças se popularizaram com suas formas diversas, mas elas carregam uma grandiosa importância para a cultura preta Foto: Guilian Fremaux/Unsplash
A cultura africana é rica em cada detalhe e carrega um significado em tudo que é produzido. As tranças fazem parte das inúmeras heranças dessa história. Sendo muito mais que simples penteados, elas refletem uma cultura marcada por lutas, mostrando sua identidade, resistência e simbologia.

Em entrevista, a historiadora Marisa Souza, ressalta o significado da história das tranças africanas, afirmando que elas são cheias de valores culturais extremamente ricos, "que foram transmitidos de geração em geração". Dessa forma, elas são elementos que contribuem para a constituição e construção de identidade.

Por muitos anos, o cabelo crespo e cacheado era chamado de uma forma pejorativa como “cabelo ruim”. Mesmo ainda existindo esse preconceito, aos poucos essas questões foram mudando e fazendo com que várias pessoas assumissem seus cabelos naturais. Foi exatamente o enfrentamento étnico-racial que aumentou a resistência, e incentivou que as pessoas resgatassem suas origens, estilos, e conseguissem aumentar a autoestima das mulheres pretas.

 


A  historiadora explica que o estilo Nagô é bem antiga no continente e que não é algo relacionado ao estético, pois, as tranças abrangem um amplo território social: religião, parentesco, estado, idade, etnia e outros atributos de identidade. Além disso, o ato da trançar o cabelo transmite valores históricos e culturais entre gerações. Encontramos variados estilos tradicionais de trança africana que, vão desde curvas complexas e espirais para a composições estritamente linear.

“A variedade de tranças é extremamente vasta e para cada tribo, grupo social e familiar, os significados mudam bastante, pois para cada uma, há sua especificidade. Há tranças fulas, angolas, nagôs, rasteiras dentre outras. E para que possa ter clareza nas suas funcionalidades,  são necessários os recortes mais específicos, de modo que possibilite uma análise mais concentrada e objetiva. Elas possuem significados de representação identitária, religião, etc”, diz Marisa.  

As profissionais do ramo, as trancistas, estão ganhando cada vez mais espaço e conhecimento no mercado, com variados estilos de tranças e ajudando mulheres e homens a levantar sua autoestima. Vale destacar que as trancistas não se voltam somente para o lado estético, sempre tentam manter a expressão cultural, uma ancestralidade e valorização dos cabelos afros.  

A trancista Maria Eduarda, revela que sua filha foi o ponto principal para que ela começasse a trabalhar com tranças. Atualmente, após começar como um desejo de sua filha e de suas amigas, a renda dela vem dos trançados dos cabelos afro.

“Minha filha mais velha chegou para mim um dia cismando que queria pôr as tranças, mas eu não sabia nada sobre e nem quem as fizessem. Então pesquisei no YouTube e comecei a pôr nela com material de linha. As amigas  pediram para eu fazer nelas também. Depois disso, comecei a pesquisar mais e resolvi ganhar dinheiro com isso porque eu gosto muito da área da beleza e me adaptei bem a fazer as tranças”, disse.


De acordo com Eduarda, essa é uma forma de empoderamento na cultura preta, o que é necessário, pois dá força para mulheres e homens pretos. “O empoderamento da cultura negra é essencial e cheia de simbologia. A trança pode ser um meio de cura para muitas de nós, porque dialoga diretamente com nosso espelho quebrado, constituindo de forma positiva estruturas psíquicas que o racismo tenta destruir” destacou.  

 

 
Ancestralidade
Ao falar sobre a história das tranças, Marisa Souza destaca que a arte de trançar os cabelos sobreviveu ao período da invasão dos europeus, principalmente as tranças Nagô, que tem uma grande importância desta época. “A invasão do território africano destruiu muitas coisas e disseminou vidas em grandes escalas e as tranças que antes já detinham um significado de identidade, com os conflitos, tornaram-se ainda mais significativas, de modo que 'conseguiram sobreviver', pois era um meio de comunicação e representação do seu lugar de origem”, relata.

Outro costume difundido entre as mulheres era trançar os cabelos de suas filhas usando sementes de sua terra natal, o ato era visto como uma forma de sobrevivência na época da escravidão. “Esse costume era mantido para que fosse possível uma forma de sobrevivência, onde as sementes possibilitavam a formação de novas plantações”, conta Marisa.

Observando estes fatos em torno da origem das tranças, como elas refletem dando força para o seu povo, as tranças africanas não é uma mera moda, algo momentâneo, elas carregam uma herança histórica com muito valor, resistência e resiliência. “Tudo o que nos foi deixado como herança pelos nossos ancestrais, é carregado de um significado inestimável, de modo que faz parte da minha construção identitária e representação. Olho para outras pessoas negras e me vejo, vejo a história dos nossos ancestrais, vejo luta, vejo morte, mas também vejo acima de tudo resistência e persistência”, diz Marisa Souza


Principais tranças
 
Nagô: : Este estilo de trança é feito rente a raiz do couro cabeludo, pode ser feita com o próprio cabelo ou com cabelo sintético, com jumbo e Kanekalon. Com isso, ela pode ser feita com fios mais curtos ou longos e coloridos – depende do gosto do cliente - 
 

Box braids: este estilo é feito com o cabelo natural com o auxílio do sintético. As pontas das tranças são amarradas geralmente com látex e depois são feitas várias voltas para que as braids fiquem firmes. Do final, os profissionais costumam cortar as pontas – que ficam para fora do látex– e em seguida passa o isqueiro de leve nas pontas para unir os fios sintéticos.
 

Twist: As twist são trançadas somente com duas mechas do cabelo ­– a espessura da trança fica a escolha do cliente – o cabelo é torcido, lembrando à aparência de uma corda trançada dando todo um diferencial para a trança. Para esta técnica, pode-se usar fios sintéticos ou lã para dar mais comprimento e volume. Diferentes das outras tranças que são feitas pela raiz, a twist é presa na raiz permitindo que as tranças fiquem soltas.
 
 

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