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18/08/2021 às 19h08min - Atualizada em 18/08/2021 às 18h51min

Vintage, retrô e antique: entenda a diferença dos termos antes de sair para as compras

Apesar dos termos serem considerados como algo parecido por muitas pessoas, eles possuem diferenças e geram debates no mundo da moda

Eduarda Lontra - Editado por Yuri Anderson
Ilustração/Eduarda Lontra

“Tudo que vai, volta”, essa frase popular pode resumir o mundo da moda, que é cíclica. Se antes o fast fashion estava em alta com milhares de roupas iguais e coleções toda semana, nos últimos anos as pessoas começaram a repensar sua forma de consumir, e muitos perceberam que estilo não é ter a roupa do momento, mas se sentir bem e único. Assim, o mercado de peças de segunda mão começou a se aquecer, e hoje, a busca por peças antique, vintage e retrô só aumentam. Mas, apesar destes três termos serem considerados iguais ou sinônimos para muitos, eles têm significados bem diferentes no mundo da moda.
 

A palavra antique se refere à antiguidade e é o termo empregado para se referir aos objetos, peças, acessórios, enfim, qualquer coisa com pelo menos cem anos de existência. Já o vintage se refere ao que tem pelo menos vinte anos e menos de cem. Aqui no Ocidente, vintage se tornou uma espécie de regra para a moda situada entre as décadas de 1920 e 1990. Vintage é um termo emprestado da produção de vinhos, já que um vinho vintage é aquele feito somente com as melhores uvas de uma safra. E por fim,o retrô, que vem de retrospectiva e são coisas feitas com inspiração em uma estética do passado”, explica Gabriela Lira, que é pesquisadora da história da beleza e formada em moda. 


A busca por peças vintages e antique estão em alta, mas nem sempre foi assim. A figurinista, especialista em vintage e proprietária do Devant Brechó, Carla Alves, explica que o consumo de second hand no Brasil passou a ser mais aceito dos últimos 10 anos para cá. Ela diz que o consumo do mercado de peças de segunda mão sempre foi muito europeu – já que em países da Europa e Estados Unidos esse hábito é comum – enquanto no Brasil era visto com uma conotação de pobreza e de coisa velha. Foi a partir do momento que as viagens internacionais ficaram mais viáveis que os brasileiros perceberam que lá fora esse mercado era muito praticado.

“A classe média e alta já faziam consumo de bolsas de grife e outras coisas através de brechós, e isso foi se tornando mais amplo conforme o conhecimento, e nós como bons ‘imitadores’, sempre precisamos de um empurrãozinho de lá para poder seguir as coisas aqui no Brasil e foi assim que aconteceu com o brechó. Com esse acesso, as coisas começaram a mudar e o brechó foi parando de ser visto de forma ruim, e foi surgindo brechós cada vez mais elaborados, ajeitados, as coisas deixaram de ser jogadas para serem organizadas, deixaram de ser sujas para serem limpas, então a curadoria começou a ser mais cuidadosa e as peças expostas sempre limpas e impecáveis ao ponto de, por exemplo, algumas pessoas entram na minha loja e perguntam se as roupas são novas ou não”, comenta Carla que acredita que o mercado ainda tem suas barreiras e sempre terá, mas que mudanças significativas já ocorreram.

Mas não é só um hábito de fora que está sendo praticado no Brasil, outros fatores também têm ajudado a aumentar a busca por peças já utilizadas, principalmente a consciência e a prática por um planeta menos poluído.

– Em 2019, uma revista americana, que pesquisa tendências mundiais, publicou uma matéria em que dizia que o brechó se tornaria uma tendência e que o fast fashion iria começar a cair, e o que parecia absurdo foi o que realmente aconteceu. Isso por conta da ideia de sustentabilidade, do cuidado com o planeta, e quando viram que a moda é um dos maiores poluidores. Então, começaram as mudanças. É a mesma coisa do uber, por exemplo, nós fomos educados a não entrar no carro de estranhos, mas para não poluir tanto o planeta começaram a ter caronas compartilhadas, bicicletas compartilhadas, patinetes compartilhados, e roupas compartilhadas e o brechó virou tendência no meio disso tudo, e as coisas mudaram”, frisa Carla Alves.

 Mas tudo que é tendência tem suas ressalvas

O resgate do passado potencializou-se ao longo da pandemia, nos últimos meses observamos o retorno de estilos e peças já conhecidas, como acessórios de miçangas e resinas coloridas que remetem aos anos 90 e 2000, looks com uma pegada rocker dos anos 70, a Channel  apresentando peças inspiradas nos anos 80 na Semana de alta-costura de outono-inverno 2021/2022 e até mesmo o retorno da bolsa baguette, ícone da Fendi criada em 1997 – recentemente a grife criou o “The Baguette Walk”, série de vídeos curtos para promover a reedição da bolsa –, mas esses são só alguns dos comebacks que podemos observar nesses últimos anos.


Mas enquanto marcas lançam coleções inspiradas em tendências passadas – e especificam isso –, outras não deixam isso claro. É possível encontrar em lojas e até brechós roupas e acessórios denominados como ‘vintage’, mas que não são de fato. Isso porque, apesar de possuírem uma estética antiga, elas foram fabricadas recentemente, o que faz com que a peça seja retrô. Segundo Gabriela Lira o aumento da busca por roupas antigas é ótimo, mas as marcas deveriam especificar melhor quando algo for vintage ou retrô.

– O movimento é excelente, pois alimenta um mercado consumidor interessado em peças com visual antigo, e ao mesmo tempo profissionais que gostam de trabalhar nessa área. O problema é vender uma peça retrô se passando por vintage, porque é inegável que hoje qualquer vestuário que receba a nomenclatura vintage já é visto com outros olhos, e é um prato cheio para as marcas colocarem preços exorbitantes – comenta a pesquisadora.

Nesse mesmo pensamento, Carla Alves comenta que quando as marcas usam a palavra vintage em peças que não são, acabam por passar a visão errada do produto e disseminam a palavra. Isso porque quanto mais o termo for usado mais as pessoas se sentem atraídas, e quando entram para conferir as peças ditas como vintages em um shopping, por exemplo, e entram em um brechó que realmente faz a curadoria gera uma confusão.
 

“Essa confusão do retrô e do vintage é uma coisa bem chata no meio dos brechós, porque tem muitas peças que não são vintages que são vendidas como, então o nome acaba sendo desvalorizado, por exemplo, se alguém diz, essa peça aqui é vintage e custa 30 reais, e alguém chega em uma loja que tem uma peça de 1930 por 300 reais ninguém vai entender, vai dar aquele choque. Infelizmente, isso acontece por falta de conhecimento mesmo, não gostaria de acreditar nisso, mas creio também que seja um pouco de maldade com os menos informados. Mas é o que acontece, e na minha opinião o nome vintage não deveria ser usado em grandes coleções de marcas, são coleções inspiradas no passado, e tudo bem, é lindo, inclusive tem coleções lindas da própria Zara – que não é nada sustentável e tem diversos problemas – mas eles fizeram uma coleção inspirada nos anos 70 que ficou beirando a perfeição, a gente só sabe que não é por conta do tecido, da costura, do acabamento. Então não adianta usar o nome vintage porque passa um conhecimento errado para a massa e isso para nós que somos especialistas no assunto não é algo positivo”, explica a especialista, que também defende que peças vintages e antiques não devem ser modificadas.


Quero uma peça antiga, como vou saber que ela não é retrô?

Recentemente a modelo Bella Hadid foi ao Festival de Cannes 2021 com um vestido de alta-costura da grife Jean Paul Gaultier, logo reconheceram o longo preto e branco que a modelo usava, pois Naomi Campbell também o usou para um desfile da marca em 2002. Em alguns lugares a peça foi chamada de vintage, mas a realidade é que o modelo foi feito para Bella este ano, já que a peça original se encontra como acervo de um museu. Ou seja, apesar de ser da mesma grife e possuir o mesmo estilo, o tão falado vestido é retrô.



Identificar uma peça antique ou vintage realmente não é uma tarefa fácil, ainda mais para quem não trabalha com isso e segundo Gabriela Lira a identificação dificulta já que no Brasil existe o hábito de retirar as etiquetas das roupas.
 
"Um conhecimento básico em História da Moda é um excelente princípio para fazer diferenciações básicas, por exemplo: um vestido feito em 1900 é completamente distinto de um feito em 1980. Essas diferenças aparecem na modelagem, acabamentos, tipos de tecidos utilizados e uma série de outros detalhes. Uma blusa de poliéster jamais será de 1910 porque nessa época as roupas não eram feitas com esse material. É um processo complicado, mas que pode ser facilitado caso exista etiqueta. Se a roupa for de produção nacional e a etiqueta apresentar a sigla CGC (Cadastro Geral de Contribuinte) é um começo excelente para sabermos que se trata de uma peça situada entre 1964 (época em que o CGC foi regra na indústria têxtil) até 1998 (ano em que ele se tornou CNPJ – Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica)", comenta a historiadora.

Por possuir um brechó voltado em peças vintages, e por realizar curadorias, Carla Alves diz que a identificação das roupas exige tempo, vivência e que apesar de existir teorias em livros, não há tantos estudos para a identificação.

“Mas você consegue perceber isso através das sutilezas, dos cortes, dos tecidos, da costura, do acabamento, então com o passar do tempo isso vai ficando mais natural. Eu hoje chego em um lugar para garimpar e só de passar a mão na arara já consigo sentir qual é a peça que é vintage no meio de cem outras que não são. É um tecido diferente, tinha bastante sintético, principalmente dos anos 70 para cá, e a gente vê que é uma fibra diferente das de hoje. Por isso, a dica que eu dou é sempre virar a peça do avesso, porque você vê ali se foi passado um overloque, assim você sabe que não é uma peça tão antiga, porque o overloque ficou mais evidente nos anos 60, então normalmente são peças que são costuradas a mão, ou peças com uma costura mais simples, porque não eram feitas em grande escala, não era algo fabricado”, explica a especialista.

Por isso, antigamente as peças eram exclusivas, feitas sob medidas, com acabamentos diferentes dos atuais, e consequentemente eram mais resistentes, esses são pontos chaves na identificação também. “As costuras e tecidos resistem até hoje, coisas que nós provavelmente não conseguiremos viver, daqui vinte anos você não conseguirá ter no seu guarda roupa uma peça impecável que você comprou no shopping hoje em dia, dificilmente isso vai acontecer porque as vezes com três lavagens a peça já entortou, já perdeu fibra e acabamentos, as costuras geralmente ficam tortas, isso porque são feitas em grande escala, com menos cuidados”, frisa Carla Alves.

Sem dúvidas na hora de adquirir e usar roupas antique, vintage e retrô 

Algumas pessoas podem ter dificuldade em montar looks com roupas antigas ou no estilo de outras épocas, mas como a moda é cíclica essa função não é tão impossível quanto parece, já que é possível achar inspirações e adequá-las cada uma da sua forma.

– A internet abraçou positivamente a moda vintage, antique e retrô, e isso é incrível porque conecta pessoas com gostos parecidos. Seguir garotos e garotas que são amantes do visual pode ajudar na inspiração, contudo não podemos ficar dependentes da estética alheia. É importante mergulhar na cultura da época que se ama e buscar outros tipos de referências visuais que podem ser: filmes, pinturas, fotografias, ícones da época, etc. Não existe uma regra geral, fazendo pesquisas a pessoa conseguirá encaixar sua personalidade dentro do estilo, e escolher de modo mais assertivo as peças que deve comprar – destaca Gabriela Lira.

De acordo com Gabriela, para quem deseja encontrar e investir em peças antigas achará muitas coisas interessantes nos brechós, que para ela são os melhores lugares para garimpar. "Eles podem ser físicos ou online. Aqui no Brasil, no segmento de brechó online, eu posso citar o Antique Maison da Lígia Heleno, que faz um trabalho belíssimo de curadoria. Todas as peças são higienizadas e muitas vezes ela consegue descobrir a data exata da roupa, o que é fantástico. Mas tem muitos outros com um trabalho bem feito. O interessante desses brechós é que muitos possuem uma característica própria. Alguns focam em peças românticas, outros em peças escuras e por aí vai. Tem antique e vintage para todos os gostos", frisa a historiadora.

Já Carla Alves, indica que para fazer garimpo é legal procurar em ONGs e instituições, pois ela mesma na hora de realizar a curadoria possuia parcerias com ONGs. "Eu ajudava duas ONGs específicas, pois eu sabia que eu não iria pagar R$ 2 em uma peça, eu iria fazer um preço mais justo e ajudar crianças e adolescentes, essa sempre foi a minha forma de ajudar alguém com o meu trabalho. Então eu sempre falo para que as pessoas procurem por ONGs, por que a ONG é uma organização não governamental e por isso elas não recebem ajuda, então todo dinheiro que entra, através dessas doações e vendas, são importantíssimo para cuidar da manutenção de um asilo, um abrigo e de diversas casas que existem", destaca Carla.

A especialista em vintage e figurinista frisa que quase todas as organizações possuem os seus dias de bazar. E que além de ONGs existem ótimos brechós, como: Três Marias Brechó, Vintage Junky Acervo, Antígona Brechó, Brechó Itinerante, Espaço Brechó Colméia e Minha AvoTinha, são algumas das sugestões para conferir.

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