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30/08/2021 às 11h02min - Atualizada em 30/08/2021 às 06h43min

Cuidados maternos como profissão

Argentina permite que os anos dedicados aos filhos contem para aposentadoria

Marina Miano Cardoso - Editado por Maria Paula Ramos
Divulgação/Reprodução: Brasil de Fato

No mês passado, o governo da Argentina decidiu que os cuidados com os filhos contaram como tempo de serviço para que mulheres com 60 anos ou mais possam se aposentar. Já que apenas uma entre cada dez mulheres argentinas conseguem contribuir para a Previdência os 30 anos exigidos no país, a Administração Nacional de Segurança Social (Anses) protocolou que a criação de cada filho contribui nos cálculos. 

 

A medida que começou a valer a partir do mês de agosto beneficiará, inicialmente, cerca de 155 mil mulheres. Esse número tende a aumentar à medida que mais cadastros forem feitos. 

 

Para isso o governo determinou alguns critérios: 

 

- um ano de contribuição para cada filho 

- dois anos para cada filho adotado 

- três anos contribuição para cada filho com deficiência 

- dois anos para as mães que recebem alguma assistência social
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trabalhadoras com carteira assinada que tiraram licença-maternidade terão o tempo revertido em contribuição 

 

 

O decreto n° 475/2021 foi recebido com êxito pelos movimentos feministas na Argentina. No site da Anses, o governo afirma que essa atitude “repara uma desigualdade histórica e estrutural na distribuição das tarefas de cuidado, reconhecendo e valorizando o tempo que as mulheres destinaram e destinam à criação de seus filhos e filhas”. 

 

“A Argentina tem um movimento muito forte de mulheres. No final do ano passado foi aprovado o direito ao aborto, por exemplo. Significa que seu movimento feminista está conseguindo muitas conquistas nesse sentido. Na questão da aposentadoria, acho importante entendermos que é uma medida retroativa, acredito que o seu intuito é o de reparar os impactos que a maternidade tem na vida profissional dessas mulheres. Sabemos que a tarefa do cuidado, principalmente com os filhos, recai na figura materna, ou seja, as mulheres são prejudicadas no mercado de trabalho e não porque elas são menos capazes. Existe a questão de exercerem os cargos de menor importância, de receberem salários menores. Então, legislações e leis que consigam minimizar esses impactos são proveitosas”, diz Caronila Bernardini Antoniazzi, formada em Direito e Filosofia, mestranda em Filosofia pela FFLCH USP. “Acredito que seja uma medida de redistribuição, de reconhecimento que nem a Nancy Fraser fala, mas não é algo própriamente positivo como foi o direito ao aborto. Se notarmos, o decreto é de um ano por filho, isso não é muito. Óbvio que é uma grande conquista, mas ainda assim não é uma super diferença”, complementa. 

 

Brasil 

 

O nosso modelo de previdência é contributivo e de filiação obrigatória, de acordo com os critérios estabelecidos no artigo 201 da Constituição Federal. Para uma mulher se aposentar, somente com 61 anos e 15 anos de contribuição. 

 

Após a atitude do nosso vizinho, um cidadão brasileiro apresentou no site do Congresso uma ideia legislativa para que também se reconheça os cuidados com os filhos na aposentadoria. Para que se chegue nas mãos dos senadores, é preciso 20 mil apoios. 

 

A Dra. Sara Diniz especialista em Direito Previdenciário, explica que para se fazer o mesmo que os argentinos seria necessário uma Emenda Constitucional para alterar a forma de organização do Regime Geral de Previdência Social, não sendo previsível a aprovação da função de mãe como profissão. 

 

“Além da necessidade de mudar o sistema de previdência do Brasil, o principal aspecto que ainda impede o país de conceder aposentadoria sem que haja uma contraprestação por parte do segurado é a crise da previdência e o impacto econômico negativo que uma alteração como essa traria para os cofres públicos. A última Reforma da Previdência, que ocorreu em 2019, teve justamente como uma das causas, o rombo do sistema, que, segundo fontes do Governo, deve ficar estável em 2021. Então, como ainda não há total estabilização econômica, não é possível fazer o mesmo que a Argentina”, afirma a especialista. 

 

Sara Diniz também aponta que, caso algo parecido aconteça no futuro, poderá desequilibrar o nosso sistema previdenciário se as fontes de custeio não tiverem elevação o suficiente para manter o Regime Geral de Previdência, sem prejudicar gerações futuras.

 

Outro ponto que dificulta a implementação de um decreto que veja os cuidados maternos como profissão no Brasil, é a nossa mentalidade. 

 

“O Brasil é um país muito conservador em medidas sociais, principalmente no que tange a maternidade e tudo aquilo que diz respeito à família. Isso não é só com o governo Bolsonaro”, diz Caronila Bernardini Antoniazzi. “Temos de pensar que o cuidado com as crianças, a educação tinha que ser de toda a sociedade, mas como essa função é só basicamente das mulheres, elas acabam se prejudicando na vida pública e na questão do trabalho. Por isso, é ótima uma medida para minimamente reparar isso, mas como não vemos o cuidado com as crianças e a educação como uma questão da sociedade, não conseguimos enxergar que precisamos de medidas desse tipo”, complementa. 

 
 

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