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19/10/2021 às 00h00min - Atualizada em 19/10/2021 às 00h01min

Os perigos por trás da romantização e idealização do corpo perfeito

nuances entre o desejo, a pressão estética e os riscos

Yasmin Mendes - Editado por Júlio Sousa
Imagem reprodução | criação e edição: Yasmin Mendes

 

Por muitos anos as grandes empresas de moda sempre ditaram como deveriam ser os corpos das mulheres: cintura fina; abdômen chapado; rostos padronizados; nariz predominantemente fino e pequeno; e diversas outras características vistas como o padrão de beleza aceitável. Diante disso, para algumas mulheres, imaginar ter o corpo perfeito é a idealização do seu maior sonho. As que possuem condições financeiras, optam por fazerem procedimentos estéticos, chegando até mesmo nas famosas e desejadas cirurgias plásticas, enquanto outras mulheres apenas se esforçam em anos de academia.

 

Além da indústria fashion, existem também os veículos de comunicação que estão a todo momento estereotipando a perfeição ideal. É comum ver no Instagram, em perfis de blogueiras e influencers, a exibição constante do corpo idealizado após algum procedimento estético. Esse tipo de conteúdo pode acabar atingindo pessoas que passam por problemas psicológicos devido à própria autoestima, bem como aumentar a pressão estética e impor um padrão de beleza que não existe. Ainda mais em uma sociedade em que existem diversos corpos que possuem sua singularidade de beleza.
 

No ano de 2019, o Brasil atingiu a marca de mais de 1 milhão de cirurgias plásticas realizadas, de acordo com pesquisas feitas e divulgadas pela Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (ISAPS). Isso sem contar os 969 mil procedimentos estéticos não cirúrgicos, que são compostos por preenchimentos; harmonização facial; bichectomia; drenagem linfática; botox e vários outros métodos estéticos. Com isso, fica claro que, cada vez mais, milhares de pessoas são ludibriadas a fazerem tais procedimentos, devido à não aceitação do próprio corpo.

O que dizem os especialistas

 

O Brasil, ao atingir essa marca histórica, ultrapassou os Estados Unidos no ranking mundial de cirurgias plásticas, o que pode ser explicado pelas exigências estéticas e ter contribuído para chegar a este número surreal. Embora o médico-cirurgião plástico Ricardo Martins dê outros tipos de explicação. De acordo com ele, a alta procura se deve pela localização do Brasil, um país tropical em que a exposição do corpo é maior. Portanto, havendo essa necessidade exacerbada pela procura.
 

Contudo, o cirurgião Ricardo argumenta que durante a primeira consulta do paciente são analisados uma série de fatores que determinam se ele está apto ou não para o procedimento. Sendo levadas em consideração questões de saúde e até mesmo psicológicas.

 

“Uma questão importante que a gente tem que tentar identificar isso, antes da gente se propor a operar uma paciente, é a questão da imagem corporal que a pessoa tem dela. Existe um transtorno psiquiátrico que eles chamam de dismorfismo corporal, em que a pessoa nunca está satisfeita com a imagem que ela vê no espelho. Então a gente tem que saber identificar o dismorfismo corporal, aquela pessoa que está te procurando com uma expectativa irreal. A cirurgia plástica tem suas limitações, então a cirurgia não irá conseguir entregar isso para ela.” 


A busca por um corpo perfeito, quando se torna compulsiva, pode gerar problemas psicológicos a longo e médio prazo. O que é de fato um problema grave, pois pode vir a gerar frustrações e, claro, a baixa autoestima. De acordo com a psicóloga Izaianni Rios Conceição, devido à pandemia, muitas pessoas, por estarem isoladas em casa, têm um aumento do desejo por certas coisas que antes não eram vistas como necessárias, o que se encaixa perfeitamente nos procedimentos e cirurgias estéticas. Ademais, ela argumenta sobre os sofrimentos psíquicos que alguns indivíduos podem vir a ter.
 

Quando estamos com o sofrimento psíquico muito intenso, a gente pode sim ter visões distorcidas. Portanto, podemos distorcer o nosso pensamento sobre nós mesmos, a nossa autoestima pode ser extremamente afetada, essas questões sociais as quais a gente não se livra, podem se intensificar muito mais, então esse sofrimento psíquico pode sim ampliar muitas questões nossas e as vezes distorcer a nossa visão, e fazer com que a gente tome algumas decisões que, talvez, a gente não tomaria sem estar naquele sofrimento intenso.


A psicóloga deixa em evidência a importância de procurar um psicólogo e até mesmo um terapeuta para tratar essas questões psicológicas. O que é de fato válido, pois é necessário ter em mente se o desejo pela mudança é devido a problemas da própria imagem corporal, ou uma decisão consciente e planejada.
 

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O testemunho das pessoas que passaram por procedimentos

No momento em que a decisão do paciente é firmada e ele tem consciência do que realmente deseja fazer em seu corpo, ele precisa ter em mente que, apesar de ocorrer tudo bem, ainda há a possibilidade de ter algum tipo de risco, pós e pré cirúrgicos. O que é o caso da paciente que iremos identificar como Gabriela Souza (nome fictício), que, após cirurgias de abdominoplastia e lipoescultura, passou por complicações não esperadas. 

De acordo com Gabriela, as cirurgias ocorreram muito bem e não houve nenhum erro médico, entretanto, ao escolher a cola cirúrgica como método de cicatrização do corte, ela acabou desenvolvendo uma alergia inesperada à cola cirúrgica e ao fio de sutura, o que não era possível o médico e muito menos a paciente terem em mente que isso poderia acontecer.





 

    

Ademais, assim como dito por Gabriela, há casos em que não existe a possibilidade de realizar testes para verificar se uma pessoa é alérgica ou não, devido à disponibilidade do produto que é restrita para o uso de cirurgiões. 
 

A quantidade de remédios que você toma é muito pesada, eu passei muito mal. Tanto que os antibióticos que eu estava tomando eram tão fortes que machucaram o meu esôfago e eu tive esofasite. Eu não conseguia tomar água, não conseguia me alimentar direito, eu fui parar no hospital também por causa disso. E devido a isso a minha cicatrização ficou prejudicada. 






 

Devido às alergias, o corte do procedimento passou pelo estágio de necrose e como método de tratamento, Gabriela optou pelo procedimento terapêutico de oxigenoterapia hiperbárica, em que o paciente  é submetido a uma inalação de oxigênio 100% puro e maior que a pressão atmosférica. Essa intervenção foi realizada em 40 sessões o que resultou em gastos adicionais, além da medicação usada para o tratamento da cicatrização da pele. Mesmo passando pela cirurgia feita de modo seguro e o tratamento da necrose não esperada, o processo de cura para ela em seu psicológico foi algo traumatizante. Gabriela enfatiza que mesmo passando por esse tipo de situação, teve uma rede de apoio que estava de prontidão para ajudá-la. 

A estética perfeita atinge todas as mulheres de todas as idades, inclusive adolescentes que estão em fase de amadurecimento e conhecimento do seu próprio corpo. Aos 12 anos de idade Fabiana Cardoso (nome fictício), foi submetida a uma cirurgia estética íntima, recomendada pela sua ginecologista em sua primeira consulta após a menarca. A ninfoplastia é uma cirurgia recomenda às mulheres que possuem os pequenos lábios vaginais extensos, ou até mesmo quando provocam desconforto em relações sexuais ou baixa autoestima. Aos 12 anos, Fabiana não tinha noção do que estava prestes a submeter o seu próprio corpo, mas agora aos 20 anos de idade, ela possui um posicionamento crítico a respeito do tema e pelo que passou.

 

“Eu acho muito problemático você submeter uma criança de 12 anos para fazer uma cirurgia de reparação vaginal. As pessoas querem tanto mudar os nossos corpos e a gente vê isso aí desde sempre acontecendo. Estamos sempre nos incomodando, buscando um jeito de entrar em um padrão de beleza que não existe”

    

Essas pressões conseguem chegar a adolescentes de todas as idades, o que é o caso de Laura Oliveira, que aos 16 anos se submeteu à dietas extremamente restritivas, receitadas por seu nutrólogo, além de fazer o uso de aplicações de injeções que prometiam acelerar o seu metabolismo. Laura conta que as pressões estéticas vivenciadas no ambiente escolar, e os excesso de bullying sofrido por conta do seu peso corporal, fizeram com que ela buscasse alternativas para que pudesse melhorar este aspecto. Entrando em dietas absurdas, massagens modeladoras e demais outros métodos.

 

“Eu não entendia muito bem o que estava me motivando a isso, mas hoje em dia na terapia eu via o tanto que as pessoas me fizeram acreditar que eu não era uma pessoa bonita. Que a minha estética não era aceitável para os outros”

 

Ao fazer uso de métodos exagerados para o emagrecimento, Laura passou por episódios de desmaios constantes, apesar do tratamento ter dado efeito e ter emagrecido. Hoje, após ter ciência do que se submeteu, Laura lida melhor com as questões estéticas e diz se importar menos.

 

“Eu cheguei a ficar magra, a ter um corpo padrão, mas eu não estava me sentindo bem daquele jeito. Eu olhava e não em reconhecia, não percebia que era eu, e acredito que eu tinha uma distorção de imagem ainda, porque eu achava que eu tinha que emagrecer”


A pressão estética vivida diariamente por mulheres adultas e adolescentes precisam ser desamarrados dos corpos femininos, pois em um mundo que habita milhares de pessoas, os corpos não precisam ser iguais. A singularidade está no que é caracterizado como diferente, os traços precisam ser mantidos para que se possa dizer com propriedade quem a pessoa é de verdade.

 

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