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21/12/2021 às 00h00min - Atualizada em 21/12/2021 às 00h01min

Por que você (ainda) assiste Pornô? (1°)

Do crime ao vício, a exposição contínua a esse tipo de conteúdo não traz muitas vantagens aos espectadores

Bruna Villela - Editado por Júlio Sousa
Banco de Imagens/Unsplash: @anniespratt

É bem provável que você já tenha assistido a ‘filmes adultos’ ou ao menos conheça alguém que o fez. Isso, quem prova é a Quantas Pesquisas e Estudos de Mercado em um material produzido para o canal a cabo Sexy Hot, que indica o número de 22 milhões de brasileiros. Uma matéria publicada pelo G1 traz os detalhes, mas o que interessa é o perfil bastante comum entre as pessoas: jovem (58% têm menos de 35 anos), de classe média alta (49% pertencem à classe B), está em um relacionamento sério (69% são casados ou estão namorando) e tem considerável escolaridade (49% do público concluiu o ensino médio e 40% têm curso superior).

Para além de saber que todos estão sujeitos a assistir pornô, a importante informação de que pornografia está estreitamente atrelada ao crime não é conhecida por muitos. Seja armazenar ou compartilhar os conteúdos, direta ou indiretamente se está contribuindo com um esquema explorador, violento e desrespeitoso: a Indústria Pornográfica. O argumento moral e ético - que é mais do que válido - parece não ser capaz de convencer as pessoas a abandonar a prática infeliz, logo, delinear as principais consequências individuais e pessoais desencadeadas a partir da pornografia pode ser a alternativa viável para promover a relfexão.

Os dados não mentem 
 

    O analista de estratégia e pesquisador da Gama Academy, Gregory Azevedo, conta que no pouco tempo que foi consumidor de conteúdos 'adultos', percebeu como o ato afetou sua vivência. Em suas redes sociais, ele conversa com homens sobre a masculinidade, e o pornô é um assunto que "não tem como deixar de fora". Desde a superação da pornografia até problemas de comunicação e exposição de emoções são experiências pessoais do passado que aborda a partir da "sua maneira de pensar". O perfil @_aboutgregory, hoje em dia mais pautado em estudos, objetiva gerar identificação tanto com homens quanto com mulheres - que levam as informações aos seus parceiros. 

 

O pesquisador aponta que, pela influência da Indústria do Sexo, as pessoas se acostumam com a falsa visão de que ela empodera as mulheres. Por ser homem,  evita falar muito sobre este ponto e costuma indicar perfis femininos (ao defender que a discussão deve partir das mulheres), no entanto, como uma pessoa que trabalha com dados "tenho a dizer que os números não mentem". A quantidade de mulheres dentro da pornografia, prostituição e também bordéis encontradas em situação de tráfico humano somam números alarmantes e "não temos como fechar os olhos para isso", expõe. 

Arquivo Pessoal/Divulgação: Gregory Azevedo

“É bizarro nos preocuparmos mais com não brochar, do que com a dignidade humana. Muitos só pensam em sair quando falamos que ele não vai mais conseguir transar”

Gregory afirma que quem realmente quer estar nessa situação representa o mínimo envolvido em tal mercado criminoso. Para ter consciência da gravidade, basta se atentar aos noticiários: "pessoas que estavam desaparecidas foram encontradas em site pornô", e nesse contexto "meninas que fazem amizade pela internet com caras mais velhos" são alvos frequentes. "Eu tentava ser consciente e só consumir das melhores produtoras sérias até pouco tempo sair da notícia de que uma das grandes do mercado realmente atuava com tráfico sexual", declara o analista. 

"A masculinidade se perdeu em algum momento da História e na pesquisa tento encontrar onde isso aconteceu, onde começamos a nos achar superiores às mulheres" 

 Quanto à submissão feminina, ele acredita que o Cristianismo (maior macro vertente religiosa do Ocidente) se perdeu na interpretação errônea e generalizada, em diferentes culturas pelo mundo, em relação à suposta diferença hierárquica entre os gêneros. Gregory, que é Cristão, afirma dizer coisas que se conectam com o que a Bíblia traz, mas "as pessoas não veem assim pois preferem acreditar no que é benéfico para elas", como a relação entre os homens e as mulheres em nossa sociedade atual. Isso porque mudar "uma estrutura tira pessoas do seu poder e zona de conforto".

Também diz que “a mulher como auxiliadora não é uma mera ajudante”, pois pensando no campo biopsicológico a mulher tem maior facilidade em tomar decisões e apresenta um pensamento estratégico, ao passo que o homem é mais prático. E complementa descrevendo a diferença na libido masculina e feminina: "a do homem é como um disjuntor - só ligar e desligar, enquanto da mulher é o controle de um avião - mais complexo", e conclui com a analogia: "o homem é como um micro-ondas e a mulher como fogão à lenha”.

Menos achismos e mais Ciência 

A mestre em neurociências e psicóloga Katja Wirth sugere o sugere o termo “dependência” ao invés de “vício” para classificar a necessidade de consumir pornografia de modo frenético, motivada pelo ambito emocional, psíquico e/ou fisiológico. Em estudos de neuroimagem percebe-se um menor volume na região do corpo estriado - zona do cérebro ligada ao processo de recompensa e motivação -, então “basicamente o que traz prazer àquele indivíduo é (somente) a pornografia”, diz sobre as alterações neurológicas desencadeadas. 

Em suas redes sociais, a terapeuta realiza ‘um quadro’ com o público que a acompanha para tirar dúvidas e esclarecer informações. O “menos achismos e mais ciência" aborda, como exemplo, o comportamento filogenético (atrelado à evolução das espécies) do ser humano que é programado para o sexo. Nesse sentido, deve-se entender que “o homem primitivo vivia em uma sociedade poligâmica e um adolescente - em sua imaginação, na madrugada, em frente do computador - tem acesso a maior variabilidade de parceiras do que aquele ancestral tinha durante toda sua vida”, aponta. 

Ou seja, os mais diferentes estímulos visuais explorados em uma só noite de certa forma adaptam o organismo a funcionar somente à base de novidades. Desse modo, a profissional explica que nos causa empolgação em um primeiro dia de trabalho, por exemplo, justamente o fato de ter algo novo que desperte o interesse, e que nas relações sexuais segue essa mesma lógica: “o bombardeio de dopamina a partir da ‘novidade’ não é apenas psicológico, mas também neurobiológico, levando à criação de novos neuroreceptores (que exigem cada vez mais dopamina)”. 

Arquivo Pessoal/Divulgação: Katja Wirth

  “A maioria começa a consumir (pornografia) antes da primeira relação sexual, assim o olhar sobre o sexo fica deturpado, ‘ plastificado’. É preciso, a partir de então, construir uma nova relação (com o próprio sexo) que demande expor fragilidades e criar conexões, como deve ser”

Na prática, essa complexibilidade ocasiona um impacto absoluto nas relações pessoais do indivíduo: progressivamente, aquilo que já experienciamos parece sem graça ao cérebro e nossa motivação diminui consideravelmente a ponto de afetar diretamente a frequência da atividade sexual com parceiros, sem falar na migração entre os tipos e ‘níveis’ de conteúdos que passam a envolver a temática de estupro, sexo com crianças ou animais. E isso acontece mesmo que “vá contra o que a pessoa acredita e seus princípios”,  o que acaba gerando sentimentos de culpa: “vê a cena e se sente péssima, mas não consegue mais sentir prazer com o sexo tradicional”, afirma Katja. 

A psicóloga comenta que aqueles que se encontram dependentes da pornografia somente procuram tratamento quando estão no limite, seja em crise no relacionamento - como o divórcio - ou em disfunções sexuais - como ejaculação precoce e disfunção erétil, e que a desinformação é outro grande problema, uma vez que os pacientes nem sabem que essa é a causa das questões que enfrentam. Ela também salienta que a atividade sexual volta ao normal, em média, apenas após 4 ou 5 meses de tratamento. 

“A busca por conteúdos ilegais ou impróprios leva à dessensibilização, agressividade e objetificação nas relações com o parceiro. A maior dificuldade é a de se conectar com o sexo de forma saudável, natural e verdadeira”

Por fim, Katja diz que os prejuízos da pornografia representam algo que já foi estudado e devidamente comprovado, e a resposta para ainda estarmos na inércia - quando o assunto é conscientização e combate a respeito do tema - é muito simples: o fator econômico. Ademais, ela cita o exemplo do cigarro: “na própria caixinha estão expressos os malefícios, mas seu consumo é culturalmente incentivado” e quanto ao pornô, “além dos colegas, os próprios pais podem ser os incentivadores por trás do hábito”. 

 

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