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31/01/2022 às 08h42min - Atualizada em 31/01/2022 às 08h03min

Síndrome de Burnout: um vilão disfarçado

Problema ampliado pela pandemia tem estado presente na vida de milhares de brasileiros

Pedro Lopes - Editado por Ynara Mattos
Foto: Reprodução

Dores de cabeça, nas costas, azia, tremor nas pálpebras, ansiedade, foram alguns dos sinais que o corpo de Helloá Regina, em 2015, demonstrou que algo não estava indo bem. Na época com 21 anos, a servidora pública e universitária, refém de uma vida agitada e sem descanso, se tornou alvo da Síndrome de Burnout, um distúrbio emocional com sintomas de exaustão extrema, estresse e esgotamento físico resultante de situações de trabalho desgastante.

A síndrome faz parte da CID-11 da Organização Mundial da Saúde, que entrou em vigor desde o início janeiro de 2022, sendo classificada como um fenômeno ocupacional.

 

Os sintomas que afetaram a jovem fazem parte dos principais sinais do Burnout, mas que podem facilmente serem confundidos com vários outros problemas físicos. Foi o que aconteceu com Helloá, que após descobrir que algo estava errado e realizar alguns exames, viu que a sua saúde física estava em perfeitas condições, mas não fazia ideia que o problema vinha de outro lugar. Até que, pouco tempo depois, uma paralisia em seu corpo mostrou o que estava acontecendo, era o Burnout.

 

"A minha vida foi perdendo a graça, perdendo o sentido, fui me tornando uma pessoa muito desanimada e muito triste, só trabalhava, só pensava em trabalho e me recusava a fazer qualquer outra coisa que não tivesse a ver com o trabalho. Então, consequentemente, após meses nessa rotina acabei tendo um colapso que me obrigou a ir ao médico entender o que estava acontecendo”, explica Helloá Regina.

 

De acordo a Secretaria Especial da Previdência e Trabalho, mais de 576 mil brasileiros foram afastados de suas ocupações em 2020 devido a transtornos mentais e comportamentais. O afastamento é um dos direitos da pessoa com Burnout e uma das principais recomendações médicas para o tratamento, mas que em alguns casos é ignorado pelos empregadores. 

 

“Cheguei a conversar com a minha chefia para tentar entender se dava para mudar a divisão do trabalho, mas o retorno que tive foi muito ruim. Ouvi estar sendo incompetente e que eu havia decepcionado, que a minha líder se decepcionou comigo, porque pedi para diminuir o ritmo e, na verdade, eu tinha muito potencial, mas que agora meu potencial foi perdido porque se eu quisesse chegar no lugar de excelência eu deveria me esforçar mais”, completa Helloá.

 

O afastamento é um direito do profissional diagnosticado com Burnout, e em alguns casos, o empregado pode conseguir a estabilidade provisória de 12 meses no emprego e, em condições mais graves, à aposentadoria por invalidez junto ao INSS. Para conquistar este benefício, é necessário um laudo médico elaborado por psiquiatra ou psicólogo, que ateste que o indivíduo, de fato, encontra-se em estresse prolongado decorrente do trabalho, acarretando, no esgotamento mental e físico. 

 

Segundo Daniella Tavares, advogada trabalhista empresarial, especialista em Direito e Processo do Trabalho pela PUC-Minas, o empregador ainda tem o dever de oferecer a ajuda necessária e proceder com o encaminhamento médico para o tratamento. Além de ser importante também que os chefes fiquem atentos na criação de estratégias que diminuam o estresse e a sobrecarga de trabalho, criando formas de dar leveza e adequando as rotinas. 

“A empresa deverá monitorar e exigir o cumprimento de metas que sejam atingíveis, selecionar gestores que possuam inteligência emocional, cumprir com as normas de saúde e segurança do trabalho, incentivar o bom relacionamento entre colaboradores, conceder folgas compensatórias quando há a realização de horas extras, bem como instituir benefícios que visem o bem estar dos seus funcionários”, explica Daniella sobre estratégias que as empresas podem usar para a prevenção do Burnout. 

Segundo a diretora de certificação da Associação Brasileira de Qualidade de Vida (ABQV) e psicóloga, Sâmia Aguiar Brandão Simurro falar sobre saúde mental no ambiente de trabalho em qualquer cenário é um desafio que precisa ser enfrentado com coragem e abordado cuidadosamente. Isso significa entender as necessidades humanas e por ações coordenadas que atendam às suas diferentes dimensões e buscar as melhores práticas de intervenções.

“As soluções são complexas, pois o tema não é nada simples e nem igual para todos. Não é atoa que a questão da saúde mental foi e ainda é negligenciada. A falta de serviços de apoio, de tratamento adequado, deixam a situação ainda mais complexa e de difícil solução”, destaca a diretora.

Do ponto de vista prático, no momento que ainda se vive a pandemia, ela aponta que medidas de proteção e segurança, como protocolos de higiene no local de trabalho, uso de máscara, testagem de temperatura, álcool gel e vacinação, não só protegem a saúde física como diminui a insegurança no ambiente de trabalho.

Para Sâmia, hoje as organizações estão mais atentas à saúde mental dos trabalhadores e existe uma forte motivação financeira para elas darem um passo à frente. As condições de saúde mental custam aos empregadores, segundo a Organização Mundial do Trabalho (OIT), mais de US $100 bilhões e 217 milhões de dias de trabalho perdidos a cada ano.

Ao abordar questões de saúde mental no local de trabalho e investir em cuidados de saúde mental para os trabalhadores, os empregadores podem aumentar a produtividade e a retenção de funcionários. Não é à toa que já há algum tempo os fóruns financeiros mundiais discutem a saúde física e mental como elemento fundamental para o desenvolvimento da pessoa, das empresas, dos países e do mundo. Nas discussões, já é um consenso de que não há desenvolvimento sem saúde física e mental”, salienta Sâmia.

De acordo com o site oficial do Ministério da Saúde, o tratamento da Síndrome de Burnout é realizado basicamente com psicoterapia, mas também pode envolver medicamentos (antidepressivos e/ou ansiolíticos). Mudanças nas condições de trabalho e, principalmente, mudanças nos hábitos e estilos de vida, além da prática de atividade física regular, ajudam a aliviar o estresse e a controlar os sintomas da doença. 

Foi o que fez a Helloá Regina, que após o seu colapso de Burnout, ficou mais de um ano afastada do emprego, fez psicoterapia e mudou a sua rotina. Depois, quando retornou a trabalhar, mudou seu local de trabalho, saiu da iniciativa pública para a privada e leva uma vida muito mais saudável. 

“Hoje, cuido do meu corpo com muito respeito, eu gosto de manter a atividade física regular, me alimento melhor e tento sempre estar atenta a minha saúde mental. Quando eu tô mais ansiosa, me policio para não encher minha agenda de atividades, dar um tempo para mim, coisa que nunca fazia antes. Aquela Helloá que passou pela síndrome de burnout nem existe mais, hoje estou recuperada, não preciso mais de medicação como já precisei e vivo muito bem”, completa Helloá. 

 

Seis anos após o descobrimento da síndrome, a administradora usa o que aprendeu para ajudar outras pessoas que também sofrem com a doença através de uma página no Instagram que ela mesma criou, chamada Vencendo o Burnout. Com mais de 4.500 seguidores, Helloá conta com detalhes como era a sua vida e compartilha estudos, dicas, que ajudam as pessoas a seguirem com o tratamento em busca do seu próprio bem-estar. 


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