Lab Dicas Jornalismo Publicidade 728x90
28/03/2022 às 09h31min - Atualizada em 25/03/2022 às 10h43min

No Mês da Mulher, Abraji divulga relatório inédito sobre violência de gênero contra jornalistas no Brasil

Mariana Lopes - Editado por Eduardo V. Schmitt
Foto/Reprodução Internet

Durante um webinário realizado no dia 8 de março em celebração ao Mês Internacional da Mulher, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) divulgou o estudo "Violência de gênero contra jornalistas", um monitoramento feito em 2021 com o apoio do Global Media Defence Fund, da UNESCO. Segundo o levantamento, 127 jornalistas e meios de comunicação foram alvos de 119 ataques de violência de gênero, dos quais mulheres jornalistas (cis e trans) representam 91,3% das vítimas. Isso significa que, em média, ocorreu um ataque a cada três dias. 

 

Entre os casos registrados, em 45 estavam presentes elementos que os caracterizam explicitamente como ataques de gênero, o que representa 38% dos alertas. Nessas situações, foram utilizados aparência, sexualidade, orientação sexual ou traços estereotipados de personalidade como instrumentos de ofensa. Além disso, dos 119 registros, 75% foram classificados como discursos estigmatizantes; ou seja, ofensas verbais e até mesmo uso de recursos (imagens, vídeos ou áudios) que foram tornados públicos com o objetivo de difamar, hostilizar e descredibilizar a vítima.  
 

                                              (Arte: Reprodução Abraji)
 

Entre as 127 vítimas, 109 são repórteres ou analistas de meios de comunicação impressos, audiovisuais ou digitais, o que representa 85,7% do total. Além disso, 68% dos insultos tiveram origem no meio digital, em redes sociais como o Twitter. Os principais agressores identificados pelo monitoramento foram homens, o que corresponde a 95% dos casos ocorridos dentro e fora do ambiente virtual. 

 

Outro dado, revela que 59% dos discursos estigmatizantes partiram de autoridades e outras figuras relevantes na política brasileira. Como reflexo, em 60% dos casos identificados, a vítima cobria assuntos relacionados ao campo político.  

 

Como exemplo de violência de gênero praticada por autoridades, há os diferentes ataques voltados à Patrícia Campos Mello, repórter do jornal Folha de São Paulo. Em 2018, a jornalista publicou uma reportagem sobre um esquema irregular de disparo de mensagens de WhatsApp nas eleições, o que teria beneficiado o então candidato à Presidência, Jair Bolsonaro. Em fevereiro de 2020, durante uma coletiva de imprensa, Bolsonaro atacou a profissional ao dizer que “ela (Patrícia Campos Mello) queria dar um furo a qualquer preço contra mim”. 

 

Ainda que Bolsonaro tenha sido condenado a indenizar a jornalista pelo ataque machista, internautas e atores políticos passaram a usar a expressão “dar o furo” - entendida, no jornalismo, como o ato de ultrapassar a concorrência e divulgar um fato inédito -, conferindo a ela uma carga ofensiva. Como resultado, diversos ataques online foram identificados em 2021, apontando Patrícia Campos Mello como a “jornalista que dá o furo”.  

 

“A violência de gênero é um dos sintomas do nosso sistema sociopolítico e socioeconômico. Devemos pensar que existe uma estrutura de controle do poder mundial. É como se fosse uma batalha em uma guerra onde quem tem mais domínio vence, comanda e muda as coisas. Por isso, é importante que nós, jornalistas, entendamos como os sistemas sociais funcionam e quais transformações estão ocorrendo para contextualizar a questão da violência com a mulher jornalista dentro e fora dos ambientes de trabalho”, afirma Carina Seles, professora, jornalista e apresentadora do podcast Vozearia.

 

O feminino na imprensa brasileira: desafios 

 

A participação feminina no mercado profissional vem crescendo ao longo dos anos, fruto do histórico de reivindicações pelos direitos básicos que, durante séculos, foram negados às mulheres. No jornalismo não é diferente. No Brasil, segundo a pesquisa “Perfil do Jornalista Brasileiro (2021)”, realizada pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), elas são maioria na profissão, representando 58%. 

 

No entanto, apesar dos avanços no que diz respeito à representatividade, os direitos fundamentais para o exercício do jornalismo ainda são impactados pelo gênero. Para Carina Seles, o assédio moral, sexual ou qualquer outra situação de violência no ambiente de trabalho são alguns dos principais desafios que uma mulher encontra na profissão.

 

“As mulheres podem passar por situações de violência, assédio, estupro, constrangimento e tantos outros casos que, atualmente, já possuem nomes que explicam melhor o que podemos vivenciar em um ambiente de trabalho. Também existem casos de xingamentos e gritos vindos de gestores, além de abusos psicológicos mais ‘velados’ como gaslighting e manterrupting. Soma-se a isso a questão da desigualdade salarial, maternidade, etarismo e plano de carreira, nos quais, muitas vezes, as mulheres são classificadas como segundas opções”, argumenta. 

 

A divisão do trabalho jornalístico conforme os antigos estereótipos também configura-se como um fator preocupante encontrado por mulheres na profissão. Essa segmentação leva a crer que os homens são mais aptos a trabalhar em editorias como esporte e tecnologia, enquanto a mulher teria mais afinidade com temas como comportamento, lifestyle, gastronomia e moda. Para a professora de jornalismo da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Yasmin Gatto, essa forma de pensamento é baseada em uma construção social machista que coloca o feminino em uma posição inferior.

 

“É como se a mulher jornalista só pudesse cobrir pautas ‘leves’, enquanto as pautas mais ‘duras’, como política e economia, fossem destinadas apenas aos homens. Essa construção se baseia em um senso comum de que mulher não entende de política, de números e nem de outras coisas para além daquilo que a sociedade as reserva”, comenta. 

 

Somado a isso, têm-se as exigências de certos padrões estéticos como outro desafio da carreira. O filme “Bombshell - O Escândalo” expõe, baseado em fatos reais de denúncias de assédio, essa situação. Nele, jornalistas da Fox News, além de conviverem com situações desconfortáveis vindas do CEO Roger Ailes, também sofrem com obrigações vindas da cultura da emissora, tais como realizar cirurgias estéticas, o que se propagava em elementos como vestuário, cabelo, maquiagem e postura.
 

                                              (Arte: Reprodução Abraji)

 

A baixa representatividade de mulheres pretas é outra realidade presente no campo jornalístico. Segundo o Coletivo das Mulheres Jornalistas do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal (SJPDF), das 535 pessoas entrevistadas no levantamento "Desigualdade de Gênero no Jornalismo", 86,4% afirmaram que jornalistas pretas têm menos chances de serem promovidas em meios de comunicação tradicionais. A jornalista Cassia Rocha relata que, para ela, o racismo é um obstáculo maior que o machismo.

 

“A sociedade está evoluindo em relação a aceitação das mulheres em determinados espaços; mas quais são essas mulheres? Quase nunca são mulheres pretas. Foi designado para nós uma posição social que não se encaixa no jornalismo, e podemos ver isso também em outras profissões”, expõe. 

 

Durante décadas, as profissionais foram instruídas a ficarem caladas perante situações de assédio ou violência no ambiente de trabalho. Hoje, isso está sendo combatido e tomou forma com a amplitude de campanhas de conscientização. Um grande exemplo de proporção global é a #HeForShe, uma campanha iniciada pela ONU Mulheres em 2014, e que propõe uma mudança de pensamento voltado aos direitos das mulheres, tendo a igualdade no ambiente de trabalho como um de seus focos. 


Carina Seles comenta que é urgente que a cultura de respeito e oportunidades às mulheres saia dos manuais de conduta das organizações e realmente aconteça nos locais de trabalho. “Que mais mulheres - e inclusive mães - estejam em situações de liderança para conduzir esta mudança”.

 


Link
Notícias Relacionadas »
Comentários »