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01/06/2022 às 18h31min - Atualizada em 01/06/2022 às 18h18min

As consequências do desengajamento de jovens eleitores no Brasil

Dentre os fatores como a desconfiança e o descrédito nas ações políticas, os jovens não se sentem motivados a atuarem no campo político brasileiro

Maria Eduarda Carvalho - Editado por Giovana Rodrigues
Fonte: Reprodução/Tribunal Superior Eleitoral

De acordo com a pesquisa “Democracy Index 2021”, o Brasil decaiu sua pontuação no ranking das democracias mundiais, ficando em 47º, indo de 6.92, em 2020, para 6.86, em 2021. Dentre os critérios, “Processo eleitoral e pluralismo” obtém a maior nota, 9,58, mas “Participação política” é a terceira menor nota, com 6,11 pontos. A falta de engajamento político, no entanto, não é uma pauta recente e vem gerando discussões, sobretudo acerca da participação do público jovem em contextos eleitorais.

            De forma a definir o conceito de juventude no Brasil, bem como seus direitos, o Estatuto da Juventude foi instituído, a partir da Lei nº 12.852, de 05 de agosto de 2013. Nele afirma-se que:

§ 1º Para os efeitos desta Lei, são consideradas jovens as pessoas com idade entre 15 (quinze) e 29 (vinte e nove) anos de idade.
§ 2º Aos adolescentes com idade entre 15 (quinze) e 18 (dezoito) anos aplica-se a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente, e, excepcionalmente, este Estatuto, quando não conflitar com as normas de proteção integral do adolescente.

     Diante disso, são assegurados aos jovens os direitos à Cidadania, à Educação, à Saúde, à Sustentabilidade, à Mobilidade e à Liberdade de Expressão, por exemplo, mas também certos princípios, como a promoção do bem-estar, respeito à identidade e promoção da participação social e política, além da autonomia.

            Apesar do incentivo legal à participação política, o desinteresse dos jovens ganha força num ambiente de desigualdades sociais, em que nem todos são incentivados a debater sobre questões políticas, e também deixam de ter acesso às informações sobre o exercício da cidadania, formando jovens afastados do campo político, incluindo o espaço partidário eleitoral.

 

Os espaços que formam o perfil dos jovens eleitores 

Numa pesquisa realizada pelo Observatório da Juventude na Ibero-América, intitulada “Pesquisa Juventudes no Brasil”, também foram analisadas questões sociopolíticas desse público em 2021, no que diz respeito ao nível de confiança em instituições políticas ou de que forma se dá a participação dos jovens, por exemplo. Nessa pesquisa, têm-se que a instituição de maior confiança do público jovem são as organizações religiosas (36%), seguido pelas Forças Armadas (32%). Já as que apresentaram nenhuma confiança foram os partidos políticos (50%), seguidos do Congresso Nacional (43%).

Além disso, quando perguntados sobre quais ações são feitas visando o engajamento político, 61% das respostas pontuaram sobre a participação nas eleições. A pesquisa mostra que os jovens veem a importância das discussões para construção de um espaço democrático, no entanto, 72% dos entrevistados não possuem o hábito de conversar sobre temas políticos em seus grupos sociais.

Dessa forma, em meio à desconfiança das instituições governamentais e à falta de engajamento nas discussões políticas, a pesquisa pontua sobre como essas questões, somadas à recente consolidação da democracia brasileira, são passíveis de permitir que discursos autoritários ganhem força no cenário político.

Já numa perspectiva de engajamento dos jovens, Érica Anita, Doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), comenta que a baixa participação no cenário eleitoral é reflexo desse baixo interesse pelas discussões políticas.

"Os jovens já crescem com essa noção de que a política é algo que não devemos discutir, que não funciona e que, quando se trata de eleição, a política é uma coisa distante da gente, [...] eles ficam completamente desengajados”

 Dentre os motivos, ela aborda sobre o desconhecimento como consequência de um problema na formação escolar, visto que faltam disciplinas que tratam sobre questões políticas e como se opera o exercício da cidadania, por exemplo. Ademais, essa é uma temática que não está presente nas discussões do ambiente familiar.
     De forma a complementar o argumento, no artigo intitulado "Atitudes, cognição e participação política: padrões de influência dos ambientes de socialização sobre o perfil político dos jovens", Mário Fuks aborda sobre como o perfil político dos jovens é fortemente influenciado pelas instituições familiares e escolares. Na pesquisa feita, os resultados mostram como o conhecimento sobre política é maior por jovens cujos pais possuem maior escolaridade e, por isso, conseguem oferecer maior estrutura para aquisição do conhecimento.

Ainda que a classe não tenha sido um fator impactante para o trabalho de Fuks, ele aborda sobre como ela influencia nas escolhas do ambiente familiar, mas também no acesso às informações sobre política. Já acerca da participação dos jovens, fatores que podem indicar maior engajamento na vida adulta são "o interesse por assuntos políticos, o sentimento de ser capaz de entender o mundo da política, a atitude crítica e ativa em relação a atos praticados por autoridades, na escola, e a disposição para participar, ativamente, de debate realizado na escola" (FUKS, 2012). Essas ações, além disso, devem ser estimuladas e debatidas no ambiente escolar, de modo a consolidarem nas experiências dos jovens. 

Tendo em vista a relevância de espaços formadores da visão crítica dos jovens e da passagem de conhecimento sobre questões políticas, como a escola e o ambiente familiar, o desengajamento também está associado a essas estruturas, a partir do momento que elas não estimulam o exercício da cidadania por parte desses jovens. Em entrevista com Érica Anita, ela pontua as consequências desse problema estrutural.  

“Uma vez que isso não é combatido, [...] se desenvolve uma geração de jovens com total aversão à política, com uma visão negativa, com uma sensação de que aquilo é feita para os outros e não para ele”

 

A digitalização da participação política

Com a ascensão da internet nas últimas décadas, seu uso massivo por parte dos usuários possibilita maior acessibilidade para o consumo de informações variadas, como também aumenta as formas de interação e socialização desses usuários pelas redes sociais. Pensando na mudança de comportamento dos públicos ao longo dos anos, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que representa o órgão máximo da Justiça Eleitoral e integra o Poder Judiciário, disponibiliza algum dos serviços de maneira online e gratuita no próprio site, de forma a manter a participação política dos cidadãos.

Conforme presente na Carta de serviços ao eleitor, desenvolvida pelo TSE, os principais atendimentos realizados são sobre o título eleitoral, como emissão, revisão, local de votação, além de um canal de ouvidoria, a exemplo, contendo a descrição dos serviços prestados na carta, com objetivo de informar os cidadãos e manter a qualidade dos atendimentos prestados.

Tendo em vista as Eleições de 2022, outro processo que ganhou força no ambiente digital diz respeito às campanhas de incentivo à emissão ou revisão do título de eleitor. Em entrevista, Diogo Cruvinel, cientista político e analista do TSE, traz um panorama sobre as campanhas desenvolvidas neste ano, para tornar mais acessível o conhecimento sobre o exercício da cidadania para os eleitores, em especial para o engajamento dos jovens.

“Neste ano, agora em 2022, fizemos a Semana do Jovem Eleitor, que foi do dia 14 a 20 de março, [...] e no dia 16 de março teve um tuitaço, Rolê das Eleições. Então, a Justiça Eleitoral promoveu essa hashtag no Twitter e houve um engajamento de várias celebridades, vários artistas que, espontaneamente, resolveram tuitar também”

Além disso, ele aborda sobre matérias feitas nesse período, que trouxeram importância da participação política, em especial dos jovens, mas também sobre campanhas previstas para acontecerem ao longo de 2022, que instruam os eleitores sobre o exercício do voto.

De acordo com pesquisas do TSE, o número de novos eleitores com idades entre 16 e 18 anos foi de 2.042.817, representando um recorde em comparação com outros anos eleitorais, sendo um aumento de 47,2% de jovens eleitores, quando comparado com 2018. Ao ser questionado sobre o desempenho das campanhas feitas e a percepção de engajamento dos jovens, Diogo Cruvinel aborda sobre a mudança de perfil a partir do histórico do cadastro de eleitores na Justiça Eleitoral.

Ele pontua sobre a diminuição do número de jovens eleitores ao longo dos anos, como reflexo da inversão da pirâmide etária e, com isso, envelhecimento da população. No entanto, 2022 representou um marco importante 

“Embora o número total tenha diminuído, o número de novos eleitores nessa faixa etária, de 16 a 18 anos, para qual o voto é facultativo, aumentou significativamente. E a gente atribui isso como consequência dessas campanhas que a gente tem feito e, também, do engajamento espontâneo de algumas celebridades”.

            Inclusive, Diogo aborda sobre como esse engajamento de pessoas influentes no Brasil não estava previsto na campanha, mas que foi algo fundamental para maior adesão do público jovem. 

     Já no âmbito das discussões políticas, alguns estudos já pontuam sobre as mudanças de comportamento dos cidadãos diante da democracia digital, a partir de plataformas que permitem maior transparência e prestação de contas do Estado, além de consultas públicas à população e disponibilização de serviços de maneira online, por exemplo.

No entanto, esses espaços, que fomentam maior discussão sobre temas políticos, também promovem a polarização dessas discussões, concentrando-se em grupos com valores ideológicos semelhantes, de forma a evitar conflitos com opiniões contrárias. Conforme pontuado no artigo “Jovens eleitores e novas tecnologias: percepção, participação e comportamento”, as condutas que os eleitores têm nas redes sociais refletem nas ações do ambiente off-line. Assim, é importante que o público jovem entenda a importância do engajamento político, para além do viés eleitoral, como forma de obter maior participação política no espaço digital.  

 

Iniciativas para engajamento político eleitoral

Diante de um contexto de baixo engajamento político por parte dos cidadãos, em virtude da descrença e da desconfiança sobre as ações do Estado, o movimento “Eu Amo Minha Quebrada", Projeto Social de atuação no Morro do Papagaio, em Belo Horizonte, desenvolveu a campanha de incentivo à emissão do título ou revisão, pelos jovens eleitores.

Em entrevista, Júlio Fessô, criador do projeto, questiona se há estruturas que incluam os jovens de periferia nos espaços de discussões políticas, de forma a construir espaços democráticos. Dessa forma, as ações da campanha, que aconteceu em maio, contaram com o apoio de instituições como Greenpeace, Politize!, Engajamundo e Global Shapers, como também do apoio do Centro de Defesa Coletiva.

Além da produção de panfletos informativos, que instruíam os jovens sobre o processo de emissão ou revisão, foram realizadas rodas de conversa sobre a participação política, e disponibilizados os espaços físicos, para que os jovens conseguissem fazer o processo de maneira virtual. Sobre os resultados da campanha, Júlio comenta de como foi o engajamento.

“Tiveram várias discussões, antes mesmo de fazer o título.[...] E teve o engajamento da comunidade, alguns vieram com os pais e foi muito legal. Também, veio gente maior de idade, que estava com problema e não sabia como resolver. [...] E um problema que a gente identificou, era que muitos adolescentes, que tinham entre 18 e 19 anos, ainda não tinham feito o alistamento no exército. Então, orientamos a fazer o procedimento para dar continuidade no título.

Por fim, Júlio Fessô pontua que há expectativas para outras campanhas ao longo do ano, incluindo pelas redes sociais, para incentivar os jovens a votarem, reforçando a importância da atuação política dos cidadãos, a partir do voto, para além de questões populares. Além disso, é importante garantir que o jovem seja integrado no processo de atuação política, nas discussões, frentes de atuação, de forma que os direitos do Estatuto da Juventude sejam cumpridos, mas que os jovens também entendam seu papel na construção de ambientes democráticos.

 

Relatos dos jovens sobre a atuação política

Em entrevistas, alguns jovens pontuaram sobre sua participação na política, apresentando a relevância dessa atuação, mas também os empecilhos enfrentados.

 

“Acredito que todo ser é um ser político, então é fundamental, para mim, estar engajada, envolvida com política. [...] Infelizmente, para pessoas da minha idade, é muito difícil saber sobre, [...] pelo fato de ser uma idade em que você acredita que não é necessário ter posicionamento, ou você vincular a política com a corrupção. E isso se torna um estigma, que faz com que pessoas se afastem” (Alana Rively, 16 anos, estudante. Salvador - BA)

 

“É um assunto que eu não entendo muito, para aprofundar mais sobre o conhecimento da política. Aí eu acabo não exercendo nenhuma atividade ou alguma outra forma de [...] dar exemplo sobre como melhorar nosso país” (Carlos Henrique, 20 anos, ajudante de pedreiro. Caetité - BA)

 

“Na política, eu me avalio como ativa. Faço parte da URJ (União da Juventude Rebelião), que é uma organização de jovens que luta pelo poder popular. Por mês, temos reuniões onde discutimos as questões políticas. [...] Nunca tive nenhum problema para ter um engajamento político [e] creio que, também, a oportunidade de ter uma boa base educativa me ajudou nesses quesitos  (Júlia Bomfim, 18 anos, ajudante geral. São Paulo - SP)

 

Referências

CARRANO, Paulo. Pesquisa Juventudes no Brasil 2021.São Paulo: Fundação SM, 2021

CRUZ, Isabela. A mobilização nas redes para que jovens tirem título de eleitor. Nexo Jornal, 2022. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2022/03/22/A-mobiliza%C3%A7%C3%A3o-nas-redes-para-que-jovens-tirem-t%C3%ADtulo-de-eleitor Acesso em 05 de maio de 2022

ELEIÇÕES 2022: crise econômica leva mais jovens às urnas do que o engajamento político. G1, 2022. Disponível em: https://g1.globo.com/podcast/o-assunto/noticia/2022/04/04/eleicoes-2022-crise-economica-leva-mais-jovens-as-urnas-do-que-o-engajamento-politico.ghtml Acesso em 05 de maio de 2022

 

LOPES, Léo; COELHO, Gabriela. Brasil ganhou mais de 2 milhões de eleitores de 16 a 18 anos entre janeiro e abril. CNN Brasil, 2022. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/brasil-ganhou-mais-de-2-milhoes-de-eleitores-de-16-a-18-anos-entre-janeiro-e-abril/. Acesso em 05 de maio de 2022

 

SEMANA do Jovem Eleitor mobiliza TSE e TREs para incentivar a juventude a tirar o primeiro título. Tribunal Superior Eleitoral, 2022. Disponível em: https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2022/Marco/semana-do-jovem-eleitor-mobiliza-tse-e-tres-para-incentivar-a-juventude-a-tirar-o-primeiro-titulo. Acesso em 05 de maio de 2022 

 

TSE comemora marca histórica de jovens eleitores nas Eleições 2022. Tribunal Superior Eleitoral, 2022. Disponível em: https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2022/Maio/tse-comemora-marca-historica-de-jovens-eleitores-nas-eleicoes-2022. Acesso em 27 de maio de 2022

 

UNIT, Economist Intelligence. Democracy Index 2021: The China challenge. The Economist Group. https://www. eiu. com/n/campaigns/democracy-index-2021, 2021.

 
 
 
 

 

 

 

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