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06/06/2022 às 21h59min - Atualizada em 03/06/2022 às 12h38min

Infâncias lidas em prosa

Relatos mostram que as leituras marcam toda uma vida

Fernando Azevêdo - Editado por Larissa Bispo
Foto: Unsplash

Talvez o pequeno príncipe, iluminado pela criatividade de Saint-Exupéry, tivesse um belo pensamento sobre a leitura, se ele visitasse o país de um leitor. Ele sairia de lá com a reflexão de que os livros cativam, criando necessidade deles. Necessidades das histórias, das experiências, do cuidado que a boa narrativa inspira. Que abraça, afaga, acalenta. Talvez até dissesse que leitores tendem a chorar por estar tão cativados.

 

O pequenino morador do asteroide B-612 diria que as histórias contagiam mais que: o número de livros lidos, qual livro vendeu mais cópias ou quanto ele custa. Quem liga para os números são as pessoas grandes. O afeto sempre conta mais. Se a ligação entre páginas de um livro e coração de um leitor é invisível aos olhos, então ela é essencial, certo?

    

Esta reportagem inicia com paráfrases a “O Pequeno Príncipe” porque muitas crianças seguramente já leram este livro, que é um dos mais vendidos em todo o mundo, e porque se debruça exatamente sobre isto: o que crianças leem e as marcam, precisamente o que pessoas grandes leram quando crianças eram. O que ficou? Sempre permanece algo vindo de uma boa leitura. A experiência que traz nostalgia, que desperta um sentimento bom. O começo de uma formação abrilhantada pelos amigos literários, os cenários de fantasias e a linguagem leve e agradável.

 

Ouvimos três pessoas grandes que um dia foram crianças, e que lembram o que liam e por que liam isso. São relatos de crianças imaginativas, leitoras ávidas por mundos que se distanciavam do real, mas as aproximavam ao mesmo tempo. Mas, antes, um lembrete: a leitura eterniza afetos.

 

A afeição por livros e lembranças

 

A leitura eterniza afetos.  Como o amor pelos gibis da Turma da Mônica. Que Maurício de Sousa eternizou no coração das crianças brasileiras desde meados dos anos 60. Que despertou na Gleyce Rauanny de sete ou oito anos a paixão que carrega até hoje: conhecer histórias por meio de livros. Hoje, Gleyce tem 22 anos e estuda Enfermagem. Falando em estudar, foi na escola, cujas paredes continham frases de literatura, que surgiu a sede da futura enfermeira por livros; sua motivação para ler.

 

O amor pela Turma da Mônica é nítido no look da pequena Gleyce

O amor pela Turma da Mônica é nítido no look da pequena Gleyce

Foto: Arquivo Pessoal/Gleyce Rauanny

 

A infância de Gleyce foi acompanhada de gibis, principalmente aqueles da Mônica e de sua turma, mas ela também era dada à poesia e à literatura de cordel. “Uma lembrança muito boa pra mim, porque meu avô - já falecido - era quem comprava os gibis e me dava de presente”, a emoção é expressa.

 

“Essas leituras me marcaram pelas lembranças de lugares e pessoas que estão ligadas a elas. Através delas eu pude escrever e ler melhor, aprender novas palavras e exercitar a imaginação. E, por ler desde cedo, tenho esse hábito até hoje, que se tornou um hobby meu e ponto de escape da realidade” - Gleyce Rauanny

 

O amor por Harry Potter

 

A saga do bruxinho de Hogwarts conquistou a Gleyce de 10 anos, uma memória que traz saudade e nostalgia a este relato: “lembro de ler Harry Potter e o Cálice de Fogo sentada no cantinho da biblioteca”. Reler o livro anos após esse primeiro contato é inigualável, e a estudante diz que as sensações são outras, apesar de o amor estar sempre presente nas lembranças. “Sempre que eu pego no livro de Harry Potter, quando sinto o cheirinho de livro novo, quando vejo algum gibi da Turma da Mônica…  sempre me faz lembrar dos momentos”, declara.

    

    Outra fã do bruxinho é Camila Lustosa, 24, que estuda Jornalismo e começou a ler com quatro anos. O que não impedia que Camila, aos três anos, já folheasse os gibis da Turma da Mônica e imaginasse histórias.

 

A história de Camila com o universo Hogwarts começou quando ela viu o filme pela primeira vez, aos seis anos. Na sequência, veio a curiosidade para ler os livros. Com sete, foi ao cinema assistir ao quarto filme da saga. Aos nove anos, a futura jornalista presenciou a estreia do quinto filme.

 

“Comprei o sétimo também quanto estreou, acho que tinha nove anos. Eu fui na livraria, tinha toda aquela emoção. Todo mundo na livraria, uma fila enorme, só pra comprar HP, véi… Eu comprei, li o sétimo, e aí eu soube como acabava”, diz maravilhada.

 Agasalhada e leitora, Camila sempre estava acompanhada de um livro

Agasalhada e leitora, Camila sempre estava acompanhada de um livro

Foto: Imagem cedida/Arquivo Pessoal

Com 10 ou 11 anos - a emoção de falar sobre Harry Potter supera a vigilância pela exatidão -, Camila comprou desde o primeiro livro e maratonou toda a coleção. Agora, 18 anos após assistir o primeiro filme, ela ainda relê Harry Potter, “sim! Inclusive, tô relendo em inglês”.

A pequena Camila também devorava The Witcher

A pequena Camila também devorava The Witcher

Foto: Arquivo Pessoal/Camila Lustosa

  “Eu acho que a leitura sempre fez parte da minha vida, por causa dos meus pais em primeiro lugar, porque eles me incentivavam muito a ler. Agora, eu sinto que eu perdi um pouco dessa coisa de leitura, sabe? Com o celular, hoje em dia. Eu acho isso um saco, porque eu adorava ler. Eu ainda adoro ler, mas, tipo, tô lendo menos” - Camila Lustosa

 

Em busca de mais uma leitura 

 

Bruno Barreto, 23, aluno de Contabilidade, é o terceiro fã de Harry Potter ouvido pela reportagem. Pode até parecer, mas ter sido uma criança fã do Potter não estava previsto na pauta. Ah, e o Bruno é mais uma pessoa que cita a Turma da Mônica… Mais precisamente, sua versão Turma da Mônica Jovem, mangás pelos quais se deixou cativar em 2008, aos nove anos. “Sempre fui uma criança tímida - como uma criança gay eu me retraí bastante - e o conteúdo dos mangás era exatamente sobre este início da adolescência”.

 

O pequenino Bruno era fã, sobretudo, do

O pequenino Bruno era fã, sobretudo, do

Foto: Arquivo Pessoal/Bruno Barreto

A edição mensal fazia a alegria do quase pré-adolescente que logo passaria por todos os processos que os personagens estavam passando, enquanto lidavam com a adolescência e os conflitos dela. Isso instigava Bruno a ler os mangás. 

 

Contudo, estes eram devorados rápido demais, “então surgiu essa necessidade de procurar outras coisas para preencher essa sede por leitura que eu tinha”. Depois do fascínio pela Turma da Mônica Jovem, foi a vez da revista Mundo Estranho conquistar Bruno com diversas histórias, informações e curiosidades. Mas, não para por aí.

 

“Com o tempo, fui amadurecendo e o meu interesse foi evoluindo também. Só mangás e revistas não me saciavam mais. Queria uma história completa e grande que pudesse me envolver durante semanas. Foi neste momento que entrei no mundo das sagas e comecei a ser fã de Harry Potter. Li todos os livros”, diz.

 

“Eu diria que, se você se sente sozinho às vezes e tem uma vontade enorme de explorar mundos novos, não haverá universo que melhor lhe abrace como o universo da literatura. Lá você recebe conselhos, você faz amigos, aprende muita coisa e ninguém irá lhe julgar por você ser quem é” - Bruno Barreto

 

Ler também é ser ensinado

 

Ao longo dos três relatos, é evidente que a infância é palco para o casamento entre duas formações essenciais: a leitora e a pessoal. O crescimento pessoal que advém do conhecimento desses novos mundos.

 

    Para Gleyce Rauanny, as leituras foram um incentivo ao hábito da escrita, especialmente em diários. Para Camila Lustosa ser uma boa aluna e ganhar habilidades de escrita, a literatura foi essencial. Bruno Barreto leu e escreveu muito, o que lhe conferiu um 940 na redação do Enem e ensinamentos inesquecíveis.

 

O estudante de Ciências Contábeis acredita “que a literatura transforma qualquer pessoa, fazendo ela ter um convívio melhor entre a sociedade, seja ao falar ou interpretar algo que foi dito. O que falta muito hoje em dia. Pessoas que pensem nas outras, analisem um momento vivido e saibam falar e não apenas escutar também, mas interpretar”.

 


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