Não é surpresa para ninguém que todas as decisões das mulheres são sempre julgadas pela sociedade em que vivemos. Porém, uma das decisões que a sociedade mais acha que tem o direito de opinar na vida de uma mulher é sobre ser mãe. Desse modo, constantemente as mulheres são bombardeadas com perguntas sobre quando pretendem construir uma família, se casar e ter filhos. Porque a maternidade é a maior conquista que uma mulher pode ter, porque as mulheres nascem com um instinto materno e ser mãe é algo sagrado - é o que dizem.
Diante desse comportamento de uma sociedade onde o machismo é predominante, é preciso entender que a maternidade é construída como uma instituição cultural e simbólica. A expressão maternidade compulsória vem do modo como Judith Butler define a maternidade: uma instituição social compulsória. A filósofa a classifica dessa maneira devido às tentativas, até então, bem-sucedidas, de naturalizar e universalizar essa instituição enquanto própria do gênero feminino.
Post que pode te ajudar na questão de ser mãe. (Instagram - @feminismoeducativo)
A abominação do aborto
A obrigação maternal é imposta pela sociedade tanto subjetivamente, com esse papel social da mulher mostrado acima, quanto objetivamente, pelos mecanismos que são ineficazes para que impeçam mulheres de engravidar.
Evitar uma gravidez é impossível, visto que a única maneira de uma mulher evitar ter filhos é usando algum método anticoncepcional, e nenhum deles é 100% seguro.
Essa possibilidade coloca todo o peso da contracepção nas costas da mulher, visto que a maior parte dos métodos foram desenvolvidos para que ela utilize e os homens não foram socializados para se preocupar com a paternidade. Isso faz com que eles se excluam completamente do processo de contracepção.
E para dificultar ainda mais a vida das mulheres, que podem vir a engravidar e não desejar o filho, a legislação é extremamente rígida em relação ao aborto, que no Brasil é considerado crime, mas com algumas exceções em que só é permitido em caso de estupro ou riscos de vida para o feto ou para a gestante.
Apesar de ser proibido, muitas mulheres ainda praticam o aborto de forma ilegal e em condições precárias. Por conta da marginalização, o procedimento é na maioria das vezes praticados em locais impróprios e sem segurança ou higiene necessárias, colocando a vida da mulher em risco. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o aborto clandestino mata milhares de mulheres por ano e o órgão ainda defende a descriminalização desse procedimento, visto que o aborto torna-se uma questão de saúde pública ao trazer danos as mulheres e ao sistema de saúde.
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Além de ser muito restrito na lei, o aborto é completamente abominado pela sociedade que se diz “pró-vida”. O principal argumento para a rejeição da ideia do aborto na visão dessas pessoas é o direito à suposta vida do embrião e as mulheres que praticam o aborto são assassinas por matarem uma vida e que o mais importante é dar a luz e deixar essa criança ter uma vida porque existem muitas famílias querendo um filho e não podem ter.
Post didático sobre a criminalização do aborto. (Instagram - @feminismoeducativo)
Mas e depois? O que acontece com essa criança rejeitada pela mãe? É deixada no meio da rua ou levada para um abrigo ou orfanato com condições de vida sub-humanas por terem orçamentos extremamente precários e não darem conta de cuidarem de tantas crianças. Isso só mostra que a vida da criança depois que nasceu não tem nenhuma importância para os pró-vida, pois o que os adeptos desse movimento querem mesmo é controlar o corpo da mulher.
E quando a mãe é estuprada e amparada pela lei?
E quando a mãe é uma criança?
E quando a mãe tem o filho e decide dar para a adoção responsável?
A resposta é sempre a mesma, ela continua sendo julgada.
Por que não importa qual seja o caso, a maternidade é sempre jogada em cima delas.
E isso pode ser visto em dois casos que aconteceram recentemente envolvendo o tema de estupro resultando em gravidez, mas também em muitos outros que estão sempre acontecendo.
Nos últimos dias, no intervalo de uma semana foram expostos na mídia dois casos e as discussões sobre o aborto e a maternidade compulsória envolveram o público. Uma criança de 10 anos, depois de ser abusada sexualmente, engravidou e teve o aborto legal negado pela justiça de Santa Catarina. O Código Penal permite o aborto em caso de estupro, sem impor qualquer limitação de semanas da gravidez e sem exigir autorização judicial. No entanto, o hospital se recusou a realizar o procedimento e foi então que o caso chegou à juíza Joana Ribeiro Zimmer.
A juíza proferiu frases absurdas à criança que corre risco de vida com essa gestação do tipo:
“Você suportaria ficar mais um pouquinho?”
“Você quer ver ele nascer?”
“Quer escolher o nome do bebê?”
“Você acha que o pai do bebê concordaria em entregar para adoção?”
A resposta da menina para todas essas perguntas foi não, e ainda assim ela está sendo mantida em um abrigo proibida de fazer o aborto que é garantido por lei.
O outro caso foi de uma atriz brasileira de 21 anos, Klara Castanho, que foi estuprada e engravidou. Como soube da gestação apenas muito tardiamente, ela teve a criança e a entregou para a adoção legal, em que o bebê saiu direto do hospital para uma família que já estava aguardando para adotar. A entrega voluntária para adoção é um dispositivo legal, previsto na Lei 13.509 de 2017, a chamada "Lei da Adoção". No entanto, a atriz, além de ter sua privacidade violada, foi atacada nas redes sociais. A apresentadora Antonia Fontenelle usou as redes sociais para comentar o caso, dizendo que era uma história monstruosa, abominou a escolha da menina de doar o bebê e classificou erroneamente como "abandono de incapaz”.
Esses dois exemplos recentes são apenas uma parcela do que acontece diariamente com as mulheres que não estão preparadas ou não querem ser mães e como a maternidade é sempre empurrada nelas, seja qual for o caso e as escolhas das mulheres nunca são aceitas.
Vídeo falando sobre os casos recentes e o julgamento da sociedade. (Instagram - @ju.infante)