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05/02/2023 às 22h00min - Atualizada em 05/02/2023 às 22h00min

Culto à magreza: um debate sobre a padronização de corpos

Uandyléia Dias - Editado por Pâmela Cristina
A supervalorização da magreza na moda dos anos 2000 retorna influenciando no comportamento das pessoas que buscam cada vez mais por corpos magros.

“Um macacão não fica um macacão em mim. Fica curto ou justo demais na virilha, é muito complicado”, relata a criadora de conteúdo Juliana Oliveira sobre sua experiência com roupas sendo uma mulher de 1,80m de altura.

 

Essa fala é a realidade de milhares de mulheres brasileiras, que diariamente se vêem em situações de dificuldade na procura de roupas de tamanhos “fora do padrão” social. Em 2021, a Associação Brasileira de Normas Técnicas aprovou uma norma para as tabelas de medidas, a NBR 16933, que vai do tamanho 34 ao 62 e contempla dois biótipos femininos, colher e retangular. Conduzida pelo Comitê Brasileiro de Têxteis e Vestuário da ABNT, a norma se tornou fruto de um diálogo extenso com muitas instituições e setores da indústria da moda.

 

Desde os anos 60, o corpo magro é rotulado como padrão de beleza ideal para mulheres. Com o tempo, isso foi se intensificando mais, e no início dos anos 2000, o culto à magreza foi tão grande, que se tornou uma preocupação pública mundial. A expressão “size 0”, isto é “tamanho 0” - se referindo aos tamanhos de roupas tão pequenas que não possuem numerações - começou a aparecer em manchetes de jornais da época, muitas vezes expressando o crescimento do número de distúrbios alimentares.

Bombardeadas por imagens de modelos magras na passarela e em todo lugar, a onda de preocupação que se seguiu foi concreta o suficiente para ter consequências reais, produzindo debates, mudanças e até leis para proteger jovens mulheres desse culto à magreza. Mas, vinte anos depois, parece que toda a preocupação em torno do “size 0”, foi por água abaixo, e hoje estamos vivendo um retorno dessa estética tão perigosa para nossos corpos e saúde.

 
Foto: Bella Hadid (Reprodução)

Foto: Bella Hadid (Reprodução)


 

Os últimos anos foram de muito progresso e aceitação em relação aos corpos das mulheres na moda, graças a movimentos como o body positive e nomes como Ashley Graham e Paloma Elsesser. “A indústria passou a ideia de que todos tinham uma chance e que a moda era sim para todos os corpos. Porém, apesar de todo o progresso feito quando se trata da inclusão, há sinais reais e preocupantes de que as coisas podem estar regredindo”, diz a psicóloga Marina Guedes. 

Foto: Miu Miu (Reprodução/Vogue Runaway)

Foto: Miu Miu (Reprodução/Vogue Runaway)

Um exemplo atual da volta da valorização do corpo magro alinhado com as tendências dos anos 2000, foi a febre do polêmico conjunto da Miu Miu que circulou nas passarelas no ano passado e foi usado por todas as fashionistas, de Nicole Kidman até Zendaya, Hailey Bieber, Bella Hadid e Emily Ratajkowski. O modelo é nitidamente feito para chamar a atenção para o corpo, principalmente pernas e a barriga. É claro que não há necessidade de essas pernas e estômago serem magros e alongados, mas para a grande maioria das pessoas, o look da Miu Miu se tornou uma roupa usada para emoldurar seus corpos magros, até porque, se você possui um corpo maior, é muito provável que você não encontre seu tamanho nas marcas de luxo, o que levanta o questionamento: “será mesmo que essa roupa é feita para todo mundo?”.

 

A modelo plus size, Paloma Elsesser chegou a estampar capas de revista usando a minissaia do conjunto da Miu Miu, porém a saia só serviu porque foi feita sob medida para ela, ou seja, mulheres com corpos parecidos com o da modelo não encontrariam a peça de roupa na loja da grife. Na época, a autora da matéria de capa da i-D escreveu: “As passarelas não refletem as conversas que uma geração empoderada está tendo sobre corpos e positividade sexual, mas celebram um único padrão de beleza”. Infelizmente, pode-se observar um retorno da indústria a um lugar onde a magreza é valorizada e há pouco que se possa fazer a respeito porque, de acordo com Marina, “As grifes que  ditam as tendências que vão perdurar por todo o ano. A partir do momento que as pessoas com poder de influência apoiadas por essas marcas ainda são magras, tal estética só é reafirmada”.

 

A diversidade e inclusão de corpos no mundo da moda ainda é algo apenas simbólico. Por mais que as modelos plus size tenham conquistado mais espaço nas passarelas e nos editoriais de moda, elas ainda são uma exceção. É quase como uma cota. E quando se observa quem está vestindo e quem está na primeira fila dos desfiles, conclui-se que em sua maioria, ainda são pessoas magras. No fim, levam-se anos para que padrões de beleza sejam restabelecidos. Assim, o culto à magreza deve continuar existindo por muito tempo. 

 

Não se trata de criticar quem é magra ou colocar mulheres com tal característica no centro do problema, porque elas não são o cerne, são apenas o sintoma. O problema é quando um tipo de corpo se torna trend e esvazia o que a existência de alguém, as conversas identitárias e a evolução de discurso que ocorreu exigem. “Com ciclos de tendências tão rápidos, a pressão para você alcançar esses corpos, seja ele qual for o do momento, dificilmente vai mudar”, argumenta Marina. 

 
 

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