“Um macacão não fica um macacão em mim. Fica curto ou justo demais na virilha, é muito complicado”, relata a criadora de conteúdo Juliana Oliveira sobre sua experiência com roupas sendo uma mulher de 1,80m de altura.
Essa fala é a realidade de milhares de mulheres brasileiras, que diariamente se vêem em situações de dificuldade na procura de roupas de tamanhos “fora do padrão” social. Em 2021, a Associação Brasileira de Normas Técnicas aprovou uma norma para as tabelas de medidas, a NBR 16933, que vai do tamanho 34 ao 62 e contempla dois biótipos femininos, colher e retangular. Conduzida pelo Comitê Brasileiro de Têxteis e Vestuário da ABNT, a norma se tornou fruto de um diálogo extenso com muitas instituições e setores da indústria da moda.
Desde os anos 60, o corpo magro é rotulado como padrão de beleza ideal para mulheres. Com o tempo, isso foi se intensificando mais, e no início dos anos 2000, o culto à magreza foi tão grande, que se tornou uma preocupação pública mundial. A expressão “size 0”, isto é “tamanho 0” - se referindo aos tamanhos de roupas tão pequenas que não possuem numerações - começou a aparecer em manchetes de jornais da época, muitas vezes expressando o crescimento do número de distúrbios alimentares.
Bombardeadas por imagens de modelos magras na passarela e em todo lugar, a onda de preocupação que se seguiu foi concreta o suficiente para ter consequências reais, produzindo debates, mudanças e até leis para proteger jovens mulheres desse culto à magreza. Mas, vinte anos depois, parece que toda a preocupação em torno do “size 0”, foi por água abaixo, e hoje estamos vivendo um retorno dessa estética tão perigosa para nossos corpos e saúde.
Os últimos anos foram de muito progresso e aceitação em relação aos corpos das mulheres na moda, graças a movimentos como o body positive e nomes como Ashley Graham e Paloma Elsesser. “A indústria passou a ideia de que todos tinham uma chance e que a moda era sim para todos os corpos. Porém, apesar de todo o progresso feito quando se trata da inclusão, há sinais reais e preocupantes de que as coisas podem estar regredindo”, diz a psicóloga Marina Guedes.
Um exemplo atual da volta da valorização do corpo magro alinhado com as tendências dos anos 2000, foi a febre do polêmico conjunto da Miu Miu que circulou nas passarelas no ano passado e foi usado por todas as fashionistas, de Nicole Kidman até Zendaya, Hailey Bieber, Bella Hadid e Emily Ratajkowski. O modelo é nitidamente feito para chamar a atenção para o corpo, principalmente pernas e a barriga. É claro que não há necessidade de essas pernas e estômago serem magros e alongados, mas para a grande maioria das pessoas, o look da Miu Miu se tornou uma roupa usada para emoldurar seus corpos magros, até porque, se você possui um corpo maior, é muito provável que você não encontre seu tamanho nas marcas de luxo, o que levanta o questionamento: “será mesmo que essa roupa é feita para todo mundo?”.
A modelo plus size, Paloma Elsesser chegou a estampar capas de revista usando a minissaia do conjunto da Miu Miu, porém a saia só serviu porque foi feita sob medida para ela, ou seja, mulheres com corpos parecidos com o da modelo não encontrariam a peça de roupa na loja da grife. Na época, a autora da matéria de capa da i-D escreveu: “As passarelas não refletem as conversas que uma geração empoderada está tendo sobre corpos e positividade sexual, mas celebram um único padrão de beleza”. Infelizmente, pode-se observar um retorno da indústria a um lugar onde a magreza é valorizada e há pouco que se possa fazer a respeito porque, de acordo com Marina, “As grifes que ditam as tendências que vão perdurar por todo o ano. A partir do momento que as pessoas com poder de influência apoiadas por essas marcas ainda são magras, tal estética só é reafirmada”.
A diversidade e inclusão de corpos no mundo da moda ainda é algo apenas simbólico. Por mais que as modelos plus size tenham conquistado mais espaço nas passarelas e nos editoriais de moda, elas ainda são uma exceção. É quase como uma cota. E quando se observa quem está vestindo e quem está na primeira fila dos desfiles, conclui-se que em sua maioria, ainda são pessoas magras. No fim, levam-se anos para que padrões de beleza sejam restabelecidos. Assim, o culto à magreza deve continuar existindo por muito tempo.
Não se trata de criticar quem é magra ou colocar mulheres com tal característica no centro do problema, porque elas não são o cerne, são apenas o sintoma. O problema é quando um tipo de corpo se torna trend e esvazia o que a existência de alguém, as conversas identitárias e a evolução de discurso que ocorreu exigem. “Com ciclos de tendências tão rápidos, a pressão para você alcançar esses corpos, seja ele qual for o do momento, dificilmente vai mudar”, argumenta Marina.