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11/05/2023 às 03h33min - Atualizada em 11/04/2023 às 12h27min

''Quiet Quitting'': a insatisfação silenciosa da geração Z e a redefinição do sucesso profissional

Como entender esse movimento de fazer apenas o necessário, e os desafios das empresas para evitar demissões em massa

Carolina GuiRe - Editado por Fernando Azevêdo
Foto: Reprodução
As gerações X e Y - nascidos de 1960 a 1994, incluindo esta nobre redatora que vos escreve - foram influenciadas por uma cultura organizacional que valorizava a hierarquia, a disciplina e a glamourização do trabalho duro. Eles tendiam a buscar empregos que oferecessem segurança, estabilidade e benefícios, como plano de saúde e aposentadoria. Muitos trabalhavam na mesma empresa por décadas e valorizavam a ideia de subir na carreira.

Por outro lado, um alto custo foi cobrado em suas vidas pessoais: ausência de vida pessoal, sacrifícios familiares e, por fim, a saúde mental acabou por ser a maior afetada.

Uma pesquisa inédita, feita pela empresa 
Gattaz Health & Results, revela que um em cada cinco profissionais brasileiros, ou 20%, sofre com a síndrome do burnout, um distúrbio emocional com sintomas de exaustão extrema, estresse e esgotamento físico resultante de situações de trabalho desgastante que, em muitas vezes, não acompanham de forma justa as suas remunerações, e demandam muita competitividade ou responsabilidade. Outros 43% relataram sintomas depressivos. Destes, 13% foram diagnosticados com a doença. Com queixas relacionadas à ansiedade foram 24%, mas somente 5% foram diagnosticados com o transtorno. A maioria, mulheres.

A pesquisa, liderada pelo presidente do conselho diretor do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (IPq-USP), Wagner Gattaz, teve início em 2015 e contou com ajuda de inteligência artificial para identificar trabalhadores de grandes empresas brasileiras, que receberam um questionário sobre os aspectos de saúde mental. Os resultados foram apresentados no Congresso Brasileiro de Psiquiatria, no início de outubro, em Fortaleza (CE).

O Brasil é o segundo país em número de casos de burnout, ficando atrás apenas do Japão, onde 70% da população apresenta a doença. 


A Geração Z (nascidos entre 1995 a 2010) surgiu em um mundo conectado e em constante mudança. Essa geração valoriza mais a flexibilidade e a realização pessoal. Eles estão dispostos a sacrificar a estabilidade em busca de oportunidades que lhes permitam trabalhar com mais liberdade e criatividade. Muitos jovens buscam empreender ou trabalhar como freelancers, o que lhes permite ter mais autonomia e controle sobre seu tempo e suas tarefas.

Há exatos nove meses, o que pareciam inocentes vídeos na rede social Tik Tok, tornaram-se um movimento revolucionário e silencioso, que está moldando uma nova formato de trabalho: Quiet
Quitting. Encerrar suas tarefas pontualmente às 18h, fazer somente o que foi solicitado na contratação e passar mais tempo com a família.

O viral foi publicado pelo perfil 
@zaidleppelin. No vídeo, o usuário afirma: “Quiet quitting não é sobre deixar seu trabalho. É sobre deixar de fazer mais no trabalho. Você ainda faz as suas tarefas, mas você não se submete à mentalidade de que o trabalho precisa ser a sua vida. A realidade é que ele não é, e o seu valor como pessoa não é definido pelo seu esforço.''

Além disso, a pandemia de Covid-19 acelerou ainda mais essa tendência, uma vez que muitos jovens perceberam que é possível trabalhar remotamente, sem a necessidade de estar presencialmente no escritório todos os dias. Essa mudança de paradigma abriu novas possibilidades para a Geração Z, que agora busca trabalhos que lhes permitam trabalhar de forma remota, com horários flexíveis e que valorizem sua qualidade de vida.

É o caso da Milena, 31 anos, biomédica e professora. A área da saúde foi a mais impactada nos últimos anos: ''Precisei de terapia para lidar com o que não posso controlar no ambiente de trabalho. Hoje, busco ser assertiva no ambiente de trabalho e não assumir responsabilidades que não são minhas. Às vezes preciso me isolar, tomar um chá e desfocar para não deixar que isso afete as relações familiares em casa.''


SÍNDROME DE BURNOUT – PROVE

SÍNDROME DE BURNOUT – PROVE



Na 22ª edição do Índice de Confiança Robert Half, nos últimos seis meses, 52% dos executivos identificaram colaboradores da sua empresa aderindo ao "quiet quitting", e 57% acreditam ser uma tendência que vai perdurar no médio-longo prazo. No entanto, 77% dos profissionais disseram nunca ter praticado a filosofia.
O que motivaria os profissionais a aderir ao “quiet quitting”
O que as empresas poderiam fazer para minimizar os impactos
Falta de reconhecimento/oportunidades de crescimento (62%)
Comunicação clara e direta entre líderes e liderados (69%)
Construir uma relação mais saudável com o trabalho (57%)
Promoção de oportunidades de crescimento profissional (49%)
Insatisfação com o superior imediato (43%)
Estabelecimento de limites saudáveis de carga horária (48%)
 
 

''A falta de reconhecimento e valorização afetam justamente esse ponto dos valores. Então, gera uma percepção de falta de propósito, e assim torna extremamente difícil o colaborador ter o interesse de fazer qualquer função que seja com um alto esforço. Acredito que ideias nesse sentido, de esclarecer como é a prática cotidiana de determinada função, explicando também como ela pode se conectar com os valores do funcionário, podem ajudar. Porém, cada colaborador sempre tem seus motivadores e suas próprias frustrações, então as razões do "quiet quitting" podem ser bastante individuais", explica Gabriel Jesus, psicólogo especializado em Terapaia Cognitva Comportamental. 

 

''Permanecendo muito tempo em uma empresa e tendo essa postura, a pessoa pode entrar num quadro de estafa mental, piorando a qualidade das relações dentro de fora do trabalho, a dificuldade de querer se lançar a novas oportunidades de emprego (também prejudicando o próprio sustento) a motivação para perseguir projetos de vida, diminuição do ânimo para fazer outras atividades que melhoram a saúde física e mental, dentre diversos efeitos", ressalta o psicólogo.

 
Gabrielle Sampaio, 22, estagiária, fala sobre os reflexos de seu trabalho, muitas vezes em seu emocional: ''Dentro do trabalho tento abster de situações bobas, mas, quando necessário, sempre tentamos uma abordagem amigável para resolver problemas de funcionários. Para aliviar o estresse do trabalho eu treino e as vezes escrevo no meu diário. Quando não consigo resolver no diálogo e a situação acaba virando uma bola de neve, eu choro. E depois que boto pra fora tento resolver ou então deixo ir. Acredito que dinâmicas e debates para quebra de crenças atuais, mas em primeiro lugar, colocar estas pessoas que entedem essa situação nos cargos de liderança."

Como consultora de Recursos Humanos, acredito que será necessário uma nova visão por parte das empresas. É uma posição e transformação inevitáveis, e adiar isso, só acelerará um outro movimento chamado 'great resignation', que nada mais é que as demissões voluntárias em massa, sem necessariamente o colaborador tenha outro emprego à vista. Portanto, um caminho possível para frear a onda de quiet quitting e dar melhores condições laborais seria este: investir na flexibilização,
oferecer mais flexibilidade, oportunidades de desenvolvimento pessoal e profissional, e um ambiente de trabalho inclusivo e colaborativo.

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