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06/10/2023 às 11h13min - Atualizada em 06/10/2023 às 10h28min

A desvalorização da literatura nas escolas

Complementar a outras disciplinas, as aulas de literatura nas instituições de ensino têm desmotivado ainda mais os estudantes

Ana Beatriz da Silva Mariano - Edição por Mayane Humeniuk
Foto de MChe Lee na Unsplash

Em seu livro “A literatura em perigo”, Tzvetan Todorov diz que a literatura tem funcionado como uma espécie de ferramenta ou apoio. No Brasil, até a década de 1970, a literatura era o meio de trabalhar a norma culta e os valores morais. A partir dessa década, a literatura passa a ser estudada seguindo uma abordagem cronológica e historiográfica, o que, hoje, é constantemente cobrado nas provas de vestibular. No Novo Ensino Médio, a literatura continua a ser vista como essa ferramenta de ligação entre as áreas do conhecimento e a leitura literária é vista como simples atividade escolar.

Estamos diante da falência da literatura: seu ensino nas escolas tem servido apenas para complementar as aulas de língua portuguesa. Negligenciada, hoje a literatura resume-se, quase sempre, ao exercício de ensinar a ler e a escrever e de tornar culto o indivíduo. O que importa são os dados biográficos dos autores, as características dos estilos literários e das obras a serem decorados, além dos resumos e das interpretações fechadas das obras.

A literatura transforma o homem em um cidadão mais crítico, mas como desenvolver esse senso de criticidade se nas escolas a literatura é introduzida nas salas de aula apenas para tornar as aulas menos cansativas e monótonas?

O texto literário é matéria prima indispensável aos alunos, ele nos desconcerta, incomoda, desorienta e, quando trabalhado na educação infantil, ajuda na formação de vocabulário e eloquência, além de contribuir para o desenvolvimento social, emocional e cognitivo da criança.

Antonio Candido, um dos maiores críticos literários do país, acredita que a literatura é um direito, assim como o direito à moradia e à saúde. Candido, através de uma pergunta central para saber o que seria indispensável para nós, sugere que o que é indispensável não é apenas aquilo que assegura a sobrevivência física, mas também os bens que garantem o atendimento de outras necessidades da integralidade humana, entre eles a literatura, que simboliza a reivindicação de outros direitos, já que nos torna mais críticos.

A Lei n. 13.696, de 12 de julho de 2018, instituiu a Política Nacional de Leitura e Escrita, reconhecendo-as como direito de todos, além de tratar da criação de políticas de estímulo à leitura a fim de possibilitar o exercício pleno à cidadania e promover a construção de uma sociedade mais justa. Mas, entendendo que o texto literário torna o cidadão mais crítico, será que a escola dispõe o acesso à literatura de qualidade ou permanece por segregá-la, assim como tem feito todo esse tempo? Formadores de opinião não são bem vistos e aceitos em uma sociedade monótona que não pensa com suas próprias ideias.

É perceptível hoje que não há estímulos para a formação de leitores autonômos, a leitura é trabalhada de forma superficial e os alunos não conseguem nem ao menos entender o que é a literatura e ver o mundo de uma forma que só ela proporciona.

A família pode contribuir para estimular a leitura, mas quando isso não acontece de forma adequada, a escola é o principal local de acesso aos livros e, nesse momento, os textos literários não devem atender as expectativas do sistema escolar e dos professores, mas sim as do aluno, que precisa se envolver com a literatura, e quanto mais envolvido, mais sentido, prazer e transformação o aluno encontrará na leitura.

Nem todos têm acesso aos textos literários, por isso a importância de um ensino de literatura qualificado nas escolas. A formação inicial frágil de professores contribui para um ensino de literatura mais difícil e sem incentivos. Muitos professores, assim como muitos alunos, não cultivam hábitos de leitura e, sem interesse dos docentes em melhorar as aulas de literatura, não há como ensinar com qualidade.

Incentivar a leitura de livros didáticos, como se tem visto, não é a melhor solução, uma vez que ficam de fora desses livros as narrativas longas, o teatro, as formas épicas. Segundo Rildo Cosson “seja em nome da ordem, da liberdade ou do prazer, o certo é que a literatura não está sendo ensinada para garantir a função essencial de construir e reconstruir a palavra que nos humaniza”.

Zilberman expõe que a escola precisa converter o indivíduo num leitor, sendo o texto o intermédio entre o sujeito e o mundo e sendo a leitura uma vivência da realidade. Nas instituições de ensino, como já dizia Todorov, não se aprende acerca do que falam as obras, mas sim do que falam os críticos. Entender o que foi o Romantismo, o Barroco e estudar a biografia dos autores é importante, mas entender as obras, a escrita e aprender a analisar criticamente as obras desses autores, criando afinidade com o texto, isso sim, instiga e excita o aluno.

A literatura não é e dificilmente se tornará uma disciplina autônoma. Sua relação é de subordinação a outros conteúdos e a tendência em estudar o texto literário como um pretexto para as aulas de gramática e para entender o que são as tipologias textuais e os gêneros literários continuará, espero que não por um longo período, até que se perceba que é pertinente um projeto que trabalhe apenas com literatura.

A literatura humaniza e deve ser estudada porque “oferece um meio […] de preservar e transmitir a experiência dos outros, aqueles que estão diante de nós no espaço e no tempo, ou que diferem de nós por suas condições de vida” (COMPAGNON, 2009, p. 47).

A literatura nos ajuda a viver, portanto não deveria ser renegada como é nos dias de hoje. Despertar o gosto pela leitura nos alunos, e o mais importante, saber como fazê-lo, é essencial e necessário.



Referências

LIMA, Karen F. P. LOPES, Margarete E. P. S. A importância da literatura na escola: uma proposta na formação do cidadão. ANTHESIS: Revista de Letras e Educação da Amazônia Sul-Ocidental, Cruzeiro do Sul, v. 3, n. 6, p. 1-10, jun. 2015. Disponível em: https://periodicos.ufac.br/index.php/anthesis/article/view/176.


TODOROV, Tzvetan. A literatura em perigo. Rio de Janeiro: DIFEL, 2009.

CRISTINA, L. et al. ENSINO DE LITERATURA E ESCOLA: POR QUE HISTORICIZAÇÃO. Disponível em: https://editorarealize.com.br/editora/anais/enid/2015/TRABALHO_EV043_MD1_SA9_ID1420_01072015225450.pdf.


CANDIDO. A. Vários escritos. São Paulo: Duas Cidades, 1995. 


COSSON, R. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2006.

ZILBERMAN, R. A leitura e o ensino da Literatura. São Paulo: Contexto, 1988.


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