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07/10/2023 às 22h40min - Atualizada em 07/10/2023 às 22h37min

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Pela inclusão de pessoas com deficiência no mundo dos videogames, AbleGamers tem representação no Brasil

Paulo Firmo - Editado por Letícia Nunes
Fonte e Reprodução: AbleGamers Brasil


Evento beneficente anual e campanha de financiamento coletivo realizados recentemente pela organização não governamental AbleGamers Brasil chamam a atenção para a importância do reconhecimento e inclusão social de pessoas com deficiência através dos jogos eletrônicos.


 

Ciência e Lei

 

Medicina e Direito apoiam-se em seus saberes a fim de acolher e assegurar garantias às pessoas com deficiência. Dessa maneira, na contemporaneidade, o Conselho Federal de Medicina une o saber jurídico ao biopsicossocial e pontua que as chamadas PCD (pessoas com deficiência), “são aquelas que manifestam impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas(Grifo meu).

 

No destaque mais minucioso das contribuições da seara do Direito, temos a Lei nº 13.146/2015, Lei Brasileira de Inclusão (LBI); também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência1. Em seu primeiro artigo, há clareza: Art. 1º É instituída a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania (Grifo meu)

 

Caminhando em direção ao ambiente da Psicologia, identifica-se o quanto o isolamento social é um comportamento recorrente em pessoas que apresentam alguma deficiência - em decorrência de padrões culturais que têm dificuldades em abraçar a pluralidade de corpos e modos de expressão. Ao ponto de serem estabelecidas diretrizes de ação específicas. Assim, de acordo com Nota Técnica de Orientação sobre a atuação das(os) Psicólogas(os) no atendimento de pessoas com deficiência, elaborada pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) em 2019, o Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (6ª Região) orienta: 

 

“As(Os) psicóloga(os), em seu trabalho, devem visar à garantia dos direitos das pessoas com deficiência, de modo a romper com práticas do isolamento, seja em ambientes segregados dentro de instituições comuns, seja em instituições exclusivas, ou mesmo na própria família. Além disso, no que se refere a inserção familiar, comunitária e social da pessoa com deficiência, é fundamental que o trabalho da(o) psicóloga(o) tenha como objetivo a articulação com as famílias e os serviços, a fim de favorecer a autonomia, a liberdade de ir e vir, a participação em decisões e espaços frequentados pela pessoa com deficiência.(Grifos meus).
 

 

Começo de jogo (ambientação inicial)

 

De acordo com o Cientista da Computação, Josué Luiz Leite Silva, em sua tese de Mestrado Medidas de acessibilidade em jogos eletrônicos: Técnicas que auxiliam pessoas com deficiência visual ou motora (2021), a NBR 9050 (Norma Técnica 9050), da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) estipula que “acessibilidade é definida como a possibilidade e posição de alcance, percepção e entendimento para a utilização com segurança e autonomia de edificações, espaços, mobiliários, equipamentos e elementos”

 

Ao lado, segundo dados do módulo Pessoas com Deficiência, da PNAD Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, foram identificadas por volta de 18,6 milhões de pessoas (com dois anos ou mais de idade) com algum tipo de deficiência. O nível de ocupação destas pessoas é de 26,6% e o seu rendimento médio real é R$1.860.

 

Ainda, na Pesquisa Game Brasil2 2023, quando perguntado aos 14.825 pessoas entrevistadas no Brasil, em 26 estados, “Você tem algum tipo de deficiência (motora, visual, genética, cognitiva, auditiva, etc.) que limita o seu consumo de jogos?” As respostas “Sim, e limita o meu consumo de jogos” representou 9,9% e “Sim, mas não limita o meu consumo de jogos”, 10,9%. 

 

Os recursos de acessibilidade nos jogos digitais, não são uma novidade. Na pesquisa realizada em 2022 por Raquel Paoliello e Viviane Garcia, da Câmara Paulista para Inclusão da Pessoa com Deficiência, “Há 10 anos, o máximo que se via de acessibilidade em alguns jogos eram legendas e o próprio áudio do jogo em diálogos (quando existiam), para guiar jogadores com deficiência visual, por exemplo. Atualmente tem se falado sobre recursos de acessibilidade no Gameplay, que é um aplicativo de jogos online e, inclusive, há equipes dedicadas para aperfeiçoar esses sistemas – dependendo do orçamento dedicado ao projeto desses games”.

 

Uma percepção reforçada por Yago Gonçalves, colunista do site Voxel e apresentador do Cultlab Podcast, em uma matéria de sua autoria intitulada Precisamos falar sobre acessibilidade no mundo dos games. Para ele, a temática da acessibilidade gamer vem ganhando notoriedade recentemente. E uma parcela desta “nova atenção” ele credita ao trabalho realizado no prestigiado jogo The Last of Us Parte 2 (Naughty Dog, Playstation), que apresenta ao jogador PCD mais de 70 opções diferentes.
 

 

Igualando o jogo (literalmente)

 

E é exatamente a fim de romper com práticas de isolamento, fomentar  a inserção comunitária e social da pessoa com deficiência, que a AbleGamers Brasil se posiciona e opera. Em seu site oficial informa-se: “Nosso objetivo é criar oportunidades que viabilizem a diversão nos jogos para combater o isolamento social, fomentar comunidades inclusivas e melhorar a qualidade de vida das pessoas com deficiência”.

 

Atuando no Brasil desde o ano de 2017, a AbleGamers Brasil é uma Organização Não Governamental2 (ONG) sem fins lucrativos; sendo a primeira focada na inclusão e acessibilidade de pessoas com deficiência em videogames no país. Em 2020 tornou-se oficialmente afiliada (a primeira fora dos EUA) à The AbleGamers Charity (em uma tradução livre, algo como A Organização de Jogadores Capazes), uma organização estadunidense criada em 2004 por Mark Barlet e Stephanie Walker, a partir da crença de que todos devem ter a oportunidade de usufruir do mundo dos jogos eletrônicos independentemente das suas capacidades físicas ou cognitivas.

 

A relevância da proposta, posta em jogo (sem trocadilhos) pela AbleGamers Brasil, é corroborada pelas pesquisadoras e pesquisador norte-rio-grandenses Luana M. Souza, Francisco C. Souza Junior, João Victor P. Silva e Daniel E. R. Cavalcanti Macedo no artigo científico Plataforma de jogos digitais adaptada para pessoas com deficiência nos membros superiores, apresentado no XIX Simpósio Brasileiro de Games e Entretenimento Digital (2020). 

 

Na produção, eles assinalam que embora os videogames estejam intrinsecamente voltados à diversão, podem ser uma verdadeira “ferramenta pedagógica, principalmente quando direcionados a pessoas com algum tipo de deficiência por além da aprendizagem, proporcionarem a inclusão social e digital desse grupo”. As autoras e o autor enfatizam que os jogos digitais estabelecem um ambiente rico e estimulante para quem joga. Portanto, é relevante e necessário empenhar-se na “tarefa de tornar os jogos digitais mais inclusivos, para ampliar a diversidade do público a se beneficiar com seu uso”.

 

Para tanto, três pilares guiam as ações da AbleGamers Brasil: Consultoria de Controles, Desenvolvimento da Comunidade e Desenvolvimento Profissional. No que diz respeito aos controles, a ONG realiza uma verdadeira prestação de serviço junto a desenvolvedores e fabricantes do ramo. Afinal, as necessidades dos jogadores PCD são únicas, diferindo-se significativamente umas das outras. E assim, em uma seara de conhecimentos específicos, e ainda pouco produzidos e difundidos, são raros também os meios e as fontes especialistas para se obter tais informações. 

 

Em paralelo, está o oferecimento do chamado curso APX (Accessible  Player Experience by AbleGamers). É o que materializa particularmente o desenvolvimento (do) profissional, disponibilizado aos desenvolvedores de jogos, capacitando-os a elaborarem produtos mais acessíveis. Aqui, abrem-se novas perspetivas, inclusive motivações práticas (incluindo as econômicas, sem qualquer demérito às ações) para a ampliação de horizontes (e consequentemente do mercado de videogames) em direção à acessibilidade. 

 

Com relação à promoção de comunidades, o Presidente da AbleGamers Brasil, Christian R. Bernauer, informou em entrevista ao Lab Dicas Jornalismo, que o canal no Discord e o espaço organizacional na Twitch atualmente geram pouco engajamento. Desta maneira, a fim de efetivamente estimular a constituição de uma comunidade robusta de acessibilidade gamer, os esforços da organização estão voltados ao Instagram, Twitter e Linkedin. Nestes ambientes virtuais, existe uma significativa base de seguidores. 
 

 

Promovendo XP (experiências)

 

Esta verdadeira força motriz que é o fortalecimento de comunidades em torno do tema da acessibilidade para aqueles que jogam videogames, apresenta outras ramificações. Desde que iniciou as suas atividade atuando de forma voluntária, a partir de 2017, a AbleGamers Brasil produz eventos anuais beneficentes com o objetivo de arrecadar fundos. Em 2023, portanto, ocorreu o 7º Evento AbleGamers Brasil; uma extensa live realizada no dia 23 de setembro, das 13:00 às 21:00, no seu canal oficial na plataforma Twich.
 

Em paralelo aos eventos anuais, desde 2020 campanhas de financiamento coletivo são realizadas na plataforma Catarse a mais recente foi encerrada com sucesso no último dia 1 de outubro. Bernauer arremata: “Além do nosso evento anual, que é muito importante, a gente participa de lives, podcasts… hoje eu estou indo na Reatech, que é uma feira de reabilitação voltada para equipamentos de reabilitação e acessibilidade. Vou ministrar duas palestra lá. Já ministramos palestras no Big Festival3, já recebemos prêmios no Prêmio eSports Brasil […] É como a gente consegue alcançar a comunidade para divulgar as questões de acessibilidade e desmistificar pessoas com deficiência jogando […] e encontrar soluções para que elas possam voltar a jogar”. 

 

A AbleGamers Brasil conta hoje com o apoio de marcas como Ubsoft, DXC Technology, Theogames e w7mgaming. Possui uma relação bastante estreita com a gigante Microsoft, tanto no Brasil quanto nos EUA (no caso da The AbleGamers Charity), uma boa relação com a Sony, Nintendo e outras publicadoras e desenvolvedoras de jogos eletrônicos mundo afora. Nos EUA ainda há um forte ligação com a Dell, Logitech e Activision Blizzard King Nesta conexão, o pilar Desenvolvimento Profissional, ou seja, o treinamento de desenvolvedores para a elaboração de jogos com acessibilidade, encontra-se bem consolidado. 

 

No site oficial e nas mídias sociais, são inúmeros os relatos de pessoas que materializaram o sonho de jogar videogame, integrar comunidades de entusiastas da mídia e se sentirem mais vivos, com o auxílio da AbleGamers Brasil. Dados levantados pela ONG, identificam que 46 milhões de pessoas com deficiência, em todo o mundo, conseguem jogar videogame. Assim, a aplicação das experiências e a utilização dos recursos obtidos para a execução dos três pilares da organização, busca promover uma realidade mais abrangente a todos no universo de diversão e aprendizado dos jogos digitais. 
 

 

Passando de fase

 

Como divulgado em seu site, recentemente a AbleGamers Brasil propôs, através do Deputado (Republicanos-SP) Vinicius Carvalho, o Projeto de Lei 2299/2023 (atualmente tramitando na Câmara dos Deputados) que concede isenção do Imposto de Importação (II), do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), do Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) para jogos eletrônicos construídos ou adaptados destinados à utilização por pessoa com deficiência. Objetiva-se, portanto, que esses produtos custem menos e se tornem mais acessíveis. 

 

A tarefa é árdua. Até 2021, a AbleGamers Brasil arrecadou  cerca de R$ 18.000,00. E a título de curiosidade, um controle adaptado tem um custo médio que varia entre R$ 2.500,00 e R$ 7.500,00. Sem falar nos próprios jogos digitais e seus equipamentos base (consoles de videogame e computadores pessoais) que já carregam em si um valor elevado de aquisição.

 

Nos EUA, com quase 20 anos de atuação, a The AbleGamers Charity já projetou e construiu cerca de 50 controles personalizados (adaptados às necessidades de cada pessoa assistida), treinaram mais 400 desenvolvedores de jogos para que estes possam criar soluções de acessibilidade para os seus produtos e estabeleceu pontes entre mais de 220 jogadores com deficiências e 15 grandes organizações da indústria de jogos eletrônicos. Até então são cerca de $ 200.000 em equipamentos 

 

Inclusão e acessibilidade. Estas duas palavrinhas-chaves cada vez mais se fazem presentes no mundo dos jogos eletrônicos. Em um mundo que repetidamente flerta com uma concepção retrograda da vida, a abertura para a pluralidade não para de ganhar força. Neste universo de diversidade, e em plena era digital, pessoas com corpos desprovidos de membros ou que manifestam cognições aquém do esperado (PCD), encontram hoje nos videogames espaço de relação e integração social. Proporcionar meios e ferramentas para que esses gamers possam se entreter, sair do isolamento e estarem plenamente em comunidades sociais, é o que faz a AbleGamers Brasil. 
 

 

Notas: 
 

1. Estatuto da Pessoa com Deficiência foi aprovada pelo Congresso Nacional no ano de 2015, durante o governo da então Presidenta Dilma Rousseff. Tendo entrado em vigor em 2016, estabelece os direitos e as garantias às pessoas com deficiência. 

2. A Pesquisa Game Brasil é realizada desde o ano de 2013. É desenvolvida pelo Sioux Group e Go Gamers, em parceria com a Blend New Research e ESPM. A coleta de dados desta 10ª Edição foi realizada entre os dias 27 de janeiro e 2 de fevereiro de 2023.

3. O Best International Games Festival ou BIG Festival é o mais importante festival de jogos eletrônicos independentes da América Latina.


 

REFERÊNCIAS:

FOGGETTI, Fernanda. Estatuto da Pessoa com Deficiência: o que é e qual a importância. Blog. Acessibilidade digital. hand talk. 2 mar. 2023. Disponível em: < https://www.handtalk.me/br/blog/estatuto-da-pessoa-com-deficiencia/ >. Acesso em: 27 set. 2023.

 

GONÇALVES, Yago. Precisamos falar sobre acessibilidade no mundo dos games. Voxel. 23 out. 2021. Disponível em: < https://www.tecmundo.com.br/voxel/227277-precisamos-falar-acessibilidade-mundo-games-coluna.htm >. Acesso em: 5 out. 2023.

 

MACEDO, Daniel E. R. Cavalcanti., SILVA, João Victor P., SOUZA JUNIOR., Francisco C., SOUZA, Luana M. Plataforma de jogos digitais adaptada para pessoas com deficiência nos membros superiores. In: Simpósio Brasileiro de Games e Entretenimento Digital, XIX, 2020, virtual. Anais. Página 1221-1221. Disponível em: < https://www.sbgames.org/proceedings2020/WorkshopG2/209506.pdf >. Acesso em: 29 set. 2023.

 

NOTA TÉCNICA DE ORIENTAÇÃO SOBRE A ATUAÇÃO DAS(OS) PSICÓLOGAS(OS) NO ATENDIMENTO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA. Conselho Regional de Psicologia SP. 1 mar. 2019. Disponível em: < https://www.crpsp.org/uploads/legislacao/1620/WBHY4Om6mQvksJRf3tSARinJVdl2wCpt.pdf?fbclid=IwAR2eBQRYOa-ILOZXOFe1DLEDC0ZZz94-9N6oNPuOpyqQBc8fKyva4s-JRGE >. Acesso em: 29 set. 2023.

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