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17/12/2023 às 22h32min - Atualizada em 17/12/2023 às 22h24min

Consumismo: a linha tênue entre a insatisfação humana e a indústria

Elaine S. Lima - Editado por Fernando Azevêdo
Reprodução/Freepik

Roupas de marca, carros caros, mansões luxuosas: tudo aquilo que muitas pessoas sonham em conseguir um dia. Tal desejo nos leva ao questionamento: nos rendemos a pequenos prazeres momentâneos pela recompensa ou pelo status que aquilo pode nos proporcionar?

 

Há muito tempo estamos nos sentindo insatisfeitos e muito se fala sobre os motivos por trás dessa constante insatisfação coletiva que nos motiva a comprar tudo que vemos pela frente. As explicações são muitas; na maioria das vezes, compramos para esquecer algo que nos aflige, compramos porque aquilo estava extremamente barato e não podíamos perder aquela oportunidade, compramos porque tal coisa pode ser útil em algum momento, ou, compramos porque comprar nos move. O ato de gastar se tornou inelutável. Ansiamos pela black friday e criamos necessidades quando sabemos que não há nada de que precisamos naquele momento. 

 

De um ponto de vista sociológico, a explicação para o motivo de querermos sempre além do necessário está relacionada a um padrão de comportamento social que entende a aquisição de bens como uma forma de identidade, diferenciação social e prazer. O selo de sucesso nos é dado de acordo com nossos bens materiais. Se temos o carro do ano, uma casa em um bairro nobre, um celular recém-lançado e esbanjamos dinheiro em viagens, deduzem que somos felizes e realizados, mas a realização não se aloja em uma só ideia, já que estamos sempre em busca de mais. 

 

Desde a Revolução Industrial, em que ocorreu um grande investimento na produção industrial, até o momento atual, é comum nos depararmos com índices cada vez mais elevados de consumo em excesso. As pessoas se tornaram adeptas ao consumo exacerbado, que logo se tornou uma obsessão. Desde então, nossa vida é automática e andamos em esferas, sempre voltando ao objetivo inicial.

 

O consumismo desenfreado que atinge a massa pode ser visto como um problema fácil de se resolver, já que, aparentemente, trata-se de um problema individual. Mas é aí que se encontra o problema. Existe algo muito maior por trás da constante insatisfação humana acerca de bens materiais: a indústria. 

 

A indústria é aquela que lança um celular por ano com mínimas diferenças e invade a sua mente com a ideia de que este que você está comprando é diferente daquele que você adquiriu ano passado. É aquela que vende uma vida perfeita nas redes sociais e esquece de avisar que tal padrão é inalcançável. A indústria vende, independente se os valores morais ou éticos vão ser violados durante o processo. Ela lança uma tendência e lucra com o desespero humano para adquirir a moda do momento.

 

A indústria age de maneira sutil. Sabe aquele anúncio inofensivo e atraente demais do mais novo lançamento de uma marca super famosa? Ou aquele outdoor que você encontra em cada esquina e que exibe diversas promoções? Isso é a indústria querendo te vender. É inofensivo por ser apenas uma propaganda, mas extremamente nocivo por te fazer acessar o app de compras na mesma hora e parcelar o mais novo lançamento no seu cartão de crédito. 

 

A indústria nos vendeu a ideia de que, para ser feliz, você precisa ter tudo aquilo que ela divulga, e, assim, sensações boas como felicidade, satisfação e realização pessoal, foram atreladas ao consumo. Fomos programados a estar sempre insatisfeitos e encorajados a nutrir esse vício onde estamos sempre tentando nos encaixar na tendência do momento para não ficar para trás, então a busca incessante por realização pessoal e felicidade nos torna cansados e infelizes. 

 

Apesar de atingir grande parte da população, é de senso comum pensar que ser consumista é uma escolha. Existe um grande contexto por trás dessas compras desnecessárias e em excesso. A indústria de produção e a de propaganda contribuem para que isso aconteça, as redes sociais nos iludem para uma vida perfeita e sem dificuldades, e as pessoas nos julgam se não nos encaixamos na moda. Além disso, fazer compras pode ser um refúgio ou um conforto para muitas pessoas. 

 

Consumir em excesso é um comportamento destrutivo. Em um dia, você está feliz com suas novas aquisições, no outro, quebra a cabeça, pensando como vai pagar por aquelas coisas, como aconteceu com a pesquisadora freelancer e estudante de Jornalismo Valeska Ariana.

 

“Eu cresci em um lar onde via constantemente minha mãe sendo cobrada por pressionistas, que vendiam produtos por valores superfaturados. Ela sempre foi de comprar em grandes quantidades e por impulso. Por conta do comportamento consumista dela, nós passamos por muitas dificuldades. Quando ela recebia o dinheiro que deveria ser destinado à nossa alimentação, ela tinha que pagar as prestações desses pressionistas; as necessidades básicas ficavam sempre em segundo plano. Eu pensava muito a respeito, repudiava esse comportamento e sempre tive para mim que nunca faria isso. Mas tudo que a gente vive, da infância até a vida adulta, fica impregnado na nossa cabeça, a gente vira o reflexo do que vivemos sem nos darmos conta. Quando percebi que estava me tornando uma pessoa consumista, eu e meu esposo estávamos cheios de dívidas e com dificuldades financeiras. Me coloquei em um lugar onde pensei que tinha controle. É por períodos. Às vezes, eu estou obcecada por bolsas, então eu compro várias; uma hora aquela obsessão passa, eu enjoo das bolsas e começo a doar para, depois, começar a comprar de novo. Eu me questionava sempre sobre o sentido daquilo, mas é exatamente como um ciclo vicioso. Hoje em dia, eu consigo me controlar, mas as consequências do meu comportamento compulsivo continuam aqui. Esse descontrole me trouxe muito prejuízo, eu sempre tentei me conscientizar e fazer diferente, mas acabo caindo sempre na mesma armadilha. Se tornou algo patológico. As pessoas dizem que é uma escolha, mas existe algo por trás. Quando estou triste, quero comprar algo, pois sei que aquilo me trará uma felicidade momentânea. Então eu puxo a minha razão de dentro de mim e tento colocar na minha cabeça que eu não posso continuar agindo dessa forma. Isso desgasta relações, existe a cobrança das pessoas que estão em volta e a minha cobrança interna”, conta Valeska. 

 

A indústria visa o capital acima do nosso bem-estar e da nossa saúde mental. A comparação e a busca incessante pela felicidade que bens materiais podem nos proporcionar não é colocada na balança quando a indústria age. Infelizmente, a realidade da Valeska é como a de muitas pessoas;estamos tão absortos em uma bolha isolatória onde aquilo que possuímos nos define como pessoas, que despertar para o real parece impossível. Pensamos que temos o controle da situação quando a indústria nos manipula constantemente para servi-la. O consumismo é o mal do século e a indústria contribui para que a conscientização permaneça no inconsciente. 


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