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31/12/2023 às 17h32min - Atualizada em 31/12/2023 às 17h01min

Seu palco é a rua

Uma reportagem-perfil sobre o músico Ale Rinaldi

Nathália Aguiar - Editado por Fernando Azevêdo
Ale Rinaldi (Foto: Nathália Aguiar)

Lembro com perfeição de detalhes a primeira vez que encontrei Ale Rinaldi. Foi em uma segunda-feira, ao final da tarde. Eu estava no ônibus indo para casa quando ele chegou, pedindo licença e um momento de atenção dos passageiros. Usava camisa creme, short jeans e sandálias - um homem comum naquela linha de ônibus, não fosse seu sotaque estrangeiro e o instrumento que carregava consigo - pequeno, parecido com um ukulele, o qual depois descobri se chamar charango (instrumento boliviano).

 

No balançar do ônibus pelas ruas de Campina Grande (PB), sem precisar de um grande palco, fez seu show. Ali, soube que precisava conhecê-lo. Ele terminou sua apresentação e foi aplaudido, por mim e por aqueles que conseguiram colher, na música de Ale, felicidade e gratidão pelos momentos. Já perto da minha casa e com pouco tempo disponível, chamei sua atenção, entreguei-lhe as moedas que tinha e falei “eu adorei sua apresentação. Sou estudante de jornalismo e gostaria muito de saber mais sobre você. Poderia me dar seu número?” Assim, tive a chance de hoje contar a quem estiver interessado até aonde a música pode nos levar - e até aonde levou Leandro Alejo, ou, simplesmente, Ale. 

 

Após nos esbarrarmos algumas vezes, meses se passaram até nosso segundo encontro, de fato, acontecer. E mais alguns até que eu conseguisse descrevê-lo da forma que parecesse ideal. 
 

Ale tem 46 anos, nasceu em Mendoza, na Argentina, e conheceu a música a partir da influência do seu pai. É formado em música - ou formado por ela - e chegou a dar aulas para crianças em uma escola do seu país natal, mas não gostou da rotina da sala de aula e mudou de rumo. A banda de rock mestiço “Aerobola” foi seu próximo passo. Com mais quatro amigos, ficou até 2008 tocando em shows e em festivais na sua cidade. “Eu gostava da banda, mas era muito difícil porque não dava pra viver da música, cobrar bem.” Os integrantes que também formavam o grupo se casaram e começaram a formar suas famílias em outros lugares, desintegrando a banda.

 

Depois disso, trabalhou um tempo com seu pai, pondo sistema de aquecimento em casas, antes de dividir seus anos entre viagens de Mendoza a Buenos Aires, trabalhando como músico de rua em centros culturais da capital argentina. Foi lá que conheceu uma moça de Recife (PE), a que hoje chama de companheira. Rindo, brinca: “Ela é o que me amarra no sistema. Se não fosse por ela, eu estava no mundo”. 

 

Alejo conta que não sofreu nenhum tipo de preconceito por ser estrangeiro no Brasil, além de brincadeiras pela rivalidade entre os dois países no futebol. “Um povo muito generoso”, comenta. Aqui, continuou como músico de rua. Carregando nos braços o charango, leva ritmo e melodia para o centro e para os ônibus da cidade. “Fico feliz quando vejo que gostaram, mesmo sem às vezes não receber 1 real”, conta. 
 

Se pedissem para que ele escolhesse novamente entre os palcos e a rua, escolheria a rua sem dúvidas. “É uma surpresa, você não sabe o que vai acontecer. Se para alguém, você fica feliz, mas às vezes você volta cansado, estressado e triste para casa, porque tem coisa dura na rua também. Na Argentina, falamos que a rua é a universidade da vida, tem o bom e o mal”, diz. Ainda assim, prefere a incerteza das surpresas diárias, conseguindo se manter hoje por meio da música - e da culinária, a partir da venda de doces.

 

Apesar de toda sua experiência, afirma ainda não ter coragem para tocar as músicas brasileiras sem estudar. Para ele, os ritmos mais difíceis são o samba e a bossa nova. “Aqui é muito rico, a Argentina também, mas aqui há muita habilidade. Tenho muito respeito”, comenta. Fora a música, destaca o clima como uma das principais diferenças. “Aqui nunca uso calça, nunca faz frio. É bermuda e chinelo o dia todo”, brinca. 

 

Mesmo com as diferenças de clima, costumes e idiomas, Ale encontrou uma língua comum a todos: a música. Com ela, não há regras gramaticais, apenas sentimentos em uma mistura de melodia, ritmo e harmonia. E, no caso de Leandro Alejo, garanto: sentimentos expressos com muito dom e amor. 


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