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10/03/2021 às 13h35min - Atualizada em 10/03/2021 às 13h20min

Um ano de pandemia: histórias de como é viver em uma crise sanitária

Maria Mendes - Editado por Maria Paula Ramos
Na imagem: o mundo está temporariamente fechado. | Fonte: Edwin Hooper / Reprodução: Unsplash

Começo de um novo ano, aquela sensação de recomeço, vários novos planos para botar em prática e encher a agenda nova com esses projetos. Dessa forma, o ano de 2020 teve seu início para Isaque Souza, 21, acompanhado de seu novo planner, até que chegou algo que não estava nem perto dos planos e alterou tudo bruscamente, uma pandemia. Isaque estuda enfermagem na UFRJ e primeiro nem imaginava que chegaria ao Brasil e quando chegou, imaginou que logo passaria. Mas agora, depois de um ano, consegue identificar as várias fases pelas quais passou desde a chegada do vírus no país.

 

"A gente foi lidando. A pandemia foi esse soco e a gente foi lidando, até agora a gente tá lidando", disse Isaque.

   

"Estou morando em um lugar que não esperava morar, com a família que não esperava estar, fora de contato com amigos e com pessoas que estava vendo e que não posso ver, fiquei separado da minha namorada por muitos meses, sem certeza do que vai acontecer no mundo." Assim, Alejandro H., 34, descreve as muitas mudanças que aconteceram na sua vida com a chegada da pandemia. Na época, ele morava no Rio de Janeiro, era oficial consular no Consulado dos EUA na cidade e há um ano pegou um voo para Dallas, no Texas, para ficar próximo de seus pais.

 

Isaque optou por continuar a morar na cidade que estuda, Macaé, no Rio de Janeiro, e não voltar para a casa de seus pais em outro município no interior fluminense. Ele divide uma casa com duas pessoas e, no momento, apenas uma permaneceu morando lá, o Lucas. Nos primeiros meses de pandemia, as aulas foram suspensas, então a rotina dos dois estudantes de enfermagem ficou ociosa, o que afetou os horários de sono e a qualidade da alimentação, repleta de pipoca com calabresa e palha italiana, que eram os vícios alimentícios de pandemia de Isaque. Depois, com o ensino remoto, por mais que seja cansativo, ele dise que sua rotina melhorou.

 

"Chegou um momento da pandemia que viramos o pessoal do 'do it yourself' (faça você mesmo, em tradução livre), pintamos parede, fizemos uma horta lá atrás, fizemos várias coisas, arrumamos a casa, porque a gente tinha se mudado naquele ano, então não tinha muita coisa", disse Isaque.

 

O trabalho de Alejandro se tornou virtual mesmo para as pessoas que ficaram no Brasil, o que não aconteceria se não houvesse a pandemia e o que fazia no emprego mudou completamente. Ele contou que em casa não foi apenas sua vida que sofreu com mudanças, a de seus pais também. Sua mãe, que dava aulas de pilates, precisou fechar o negócio e seu pai, engenheiro químico, saiu do emprego. Além disso, Alejandro saiu do trabalho no Consulado no final de 2020 e iniciou sua própria empresa.

 

"Eu também não teria considerado começar o meu escritório de advocacia, provavelmente não teria feito isso sem a pandemia. Até porque eu nem sei se vai funcionar, eu não sei quando vou ter dinheiro para ter o meu apartamento de novo, próprio. No Brasil, eu não estava preocupado com isso. Eu acho que não teria saído do governo também não. Provavelmente minha mãe nunca teria fechado a empresa dela, o meu pai nunca teria saído do trabalho, eu nunca teria saído do Brasil", disse Alejandro.

 

A decisão do então diplomata de não voltar ao Brasil teve muito a ver com como o país está gerando a pandemia e no quanto isso mudou a perspectiva de qualidade de vida se ele voltasse. "Antes da pandemia acontecer, eu provavelmente compartilharia da visão de que o SUS, no geral, falando de sistemas públicos, era muito bom. Eu pensava que se uma pandemia acontecesse, o Brasil não seria tão afetado quanto outros países porque o SUS ia responder de um jeito muito competente. E aí, evidentemente isso não aconteceu e ainda acho que não tem acontecido", disse.

 

Para Isaque, o que mais influenciou na vida foi em foi em relação à formação profissional por não poder cursar as disciplinas práticas, essenciais para sua graduação. "Mais tempo vou passar na faculdade, mais tarde vou entrar no mercado de trabalho. E eu penso: 'poxa, será que vale a pena? Caramba, não aguento mais'. A gente estuda à beça e daqui a pouco vai ter que trabalhar, mas atrasou ainda mais a entrada no mercado de trabalho e depender dos pais é uma coisa que a gente não gosta", disse o estudante que, por precisar se manter mais tempo, busca bolsas.

 

"Quando eu escolhi um curso na área de saúde, eu penso que é meu dever atuar com os cuidados de saúde. Para mim, a pandemia é uma coisa que é única, eu espero, mas é uma oportunidade única de conhecimento. Não que eu queira ir para a UTI covid, mas e o atuar na saúde em um ambiente de pandemia na atenção básica? Qual é a necessidade daquela população no entorno? A gente não vai só para o hospital, tem outras demandas. Por mais que a gente dependa de professores, a gente pode ajudar de alguma forma", disse Isaque. 

 

Alejandro sente muita falta da vida social. O advogado contou que ao longo deste um ano que está no Texas, apenas viu pessoalmente dois amigos. Na vida antes da pandemia, ele teria saído com os colegas da época do ensino médio, passado tempo em cafeterias, além de estar o tempo todo em casa, apenas trabalhando sozinho. Ele disse que em tempos normais gostaria de trabalhar virtualmente em alguns dias da semana, mas que a mudança que aconteceu não foi uma mudança intencional. "Se só o trabalho fosse virtual e o mundo ainda estivesse aberto, você pudesse sair e ver pessoas. Se só o trabalho tivesse mudado seria muito diferente", disse. 

 

"E essa é a parte que é difícil do espectro social, que é toda a sua vida social. Não é só da vida social no trabalho, da vida social fora do trabalho, é como que uma mudança total de quem você está vendo, falando, conversando o tempo todo", disse Alejandro.

 

O estudante de enfermagem contou que no início da pandemia não conversava muito com ninguém além das pessoas que moram com ele, pois não gosta de chamadas de vídeo e ligações pelo celular. "Eu me sentia sozinho, mas eu não queria falar com ninguém”, disse. Ele contou que fez muitos cursos, participou de eventos internacionais e chegou em momentos que assistia três eventos ao mesmo tempo, mas que agora já desacelerou esse ritmo.

 

A pandemia trouxe reflexões para Isaque sobre a carreira que escolheu, apesar de não pensar em fazer outra coisa. O contexto da pandemia exibiu a desvalorização que a enfermagem sofre, além do negacionismo. 

 

"É muito desestimulador saber que não é valorizada. A gente é que lida com epidemiologia, a gente está lá, no posto de saúde fazendo registros, somos nós. E a gente não aparece na televisão, quem aparece são os médicos e às vezes a gente aparece em uma notícia da enfermeira atravessando o rio para aplicar a vacina. Para eles, isso é o auge da enfermagem.  É uma coisa triste, eu não posso dizer 'nossa, olha que lindo ela fazendo isso' , não. Ela precisava ter condições para que ela pudesse ir até a casa", disse Isaque.

 

Para Alejandro, apesar de ser um momento muito difícil, a decisão de voltar aos Estados Unidos era a única possível naquele momento. Quando recebeu uma mensagem do trabalho dizendo que quem escolhesse ficar no Brasil teria que ficar por tempo indeterminado, logo pensou na possibilidade dos seus pais adoecerem e ele, que é filho único, não poder ir até lá para ajudá-los. Em um país que, em suas palavras, o sistema de saúde é bom, mas não estava respondendo bem e com um problema político também de liderança. 

 

Alejandro e Isaque vivem duas histórias que ilustram como é ter a vida atravessada por pandemia que já dura um ano e afeta todo o mundo. Além disso, Isaque também perdeu um tio próximo que entrou para a triste estatística dos mais de 260 mil mortos pela covid-19 no Brasil.

 

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