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28/11/2021 às 18h50min - Atualizada em 24/11/2021 às 10h48min

Ataques aos jornalistas: recorde de violência gera necessidade de defesa para profissionais da comunicação

Além de possuir conhecimentos básicos do jornalismo, os profissionais se veem na necessidade de buscar meios de defesa diante de ataques físicos e estudantes enxergam a profissão com receio

Sthefany Macedo e Karla Thyale Mota - Editado por Ana Gonçalves
Foto: Reprodução/Portal dos Jornalistas

Apesar de se desdobrar para trazer informações de qualidade e denunciar casos de interesse público, no ano de 2020, os ataques contra jornalistas e a liberdade de expressão se intensificaram. De acordo com o Relatório “Violência Contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa no Brasil”, elaborado pela Federação Nacional dos Jornalistas - FENAJ, foram registrados 428 episódios, 105,77% a mais do que em 2019. É um recorde desde o início desse levantamento, em 1990.

 

Se tornou comum ver episódios em que jornalistas são descredibilizados e alvos de ofensas durante o exercício de sua profissão. Um caso a ser lembrado é do jornalista da CNN, Pedro Duran, que em maio foi hostilizado e alvo de xingamentos durante a cobertura de uma manifestação pró-Bolsonaro. O profissional precisou ser escoltado pela polícia para sair do local.

 

O trabalho do jornalista é dar voz a quem não tem condições de se manifestar, é investigar a fundo todas as denúncias que ferem os princípios da democracia e garantir que medidas sejam tomadas. As agressões contra essa categoria acontecem em um momento de muitos conflitos. 

 

Para Maria José Braga, presidenta da FENAJ, essa explosão de ataques está associada “à quebra da democracia e ao não funcionamento das instituições democráticas. Nós  atribuímos essencialmente essa explosão à ascensão da extrema direita no poder e o representante máximo que é o presidente Jair Bolsonaro que, sozinho, é responsável por um grande número de ataques.” Maria José Braga ainda comentou sobre o presidente que “o preconceito, o machismo, o sexismo, uma série de características”, são brechas para que as pessoas atuem de maneira igual contra os jornalistas.

 

Os ataques também tem se alastrado pelas redes. Em um estudo realizado no twitter, pelo Repórteres sem Fronteiras (RSF) e o Instituto Tecnologia e Sociedade do Rio (ITS-Rio), entre os meses de março e junho, foram registrados meio milhão de tweets contendo hashtags com ataques à imprensa.

 

De acordo com o levantamento da FENAJ, outras três categorias de ataques que não foram identificadas em 2019, se apresentaram no relatório de 2020: Ataques cibernéticos, Atentado e Sequestro/Cárcere privado.

 

Arte: Sthefany Macedo

 

Dentre os agressores, além do presidente Jair Bolsonaro, servidores públicos, incluindo dirigentes ocupantes de cargos de livre nomeação, foram os que mais atentaram contra a liberdade de imprensa. Em 2018, os políticos deixaram de ser os principais agressores aos jornalistas, para dar espaço aos cidadãos comuns que se destacaram, principalmente, em ataques durante a cobertura de manifestações. Também figura nesta lista: juízes, procuradores, promotores e hackers (com ataques cibernéticos).

Segundo os dados disponíveis no Relatório da Violência Contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa no Brasil, disponibilizado pela Fenaj, a maior parte dos ataques em 2020 partiram do atual presidente, Jair Bolsonaro, que sozinho foi responsável por 175 casos, cerca de 40,89% do total de ataques destinados a profissionais e veículos de comunicação.

Ao visitar a cidade interiorana Guaratinguetá, no estado de São Paulo, em junho de 2021, Bolsonaro demonstrou irritação ao ser questionado quanto à falta do uso da máscara pela jornalista Laurene Santos, repórter da Tv Vanguarda, afiliada a Rede Globo. Em resposta, o presidente afirma que tem liberdade para agir como bem entender e, visivelmente irritado, esbraveja palavrões contra a emissora Globo e contra o trabalho da repórter Laurene “você tinha que ter vergonha na cara de prestar um serviço porco que você faz na rede Globo”, diz o presidente.

Fonte: Tv O Povo

Após a repercussão do ocorrido, o presidente não mostrou arrependimento, mas alguns dias depois, durante uma live, admite que perdeu a paciência, “eu estou indo e vocês da imprensa estão indo atrás, aí quando faz uma pergunta idiota, esse pessoal da imprensa, da Globo em especial, tem uma resposta à altura, fica cheio de 'mimimi, 'ah fui ofendido', 'tá agredindo a imprensa'", afirma.

A organização não governamental independente Repórteres Sem Fronteiras (RSF) incluiu o presidente Jair Bolsonaro na lista de predadores da liberdade de imprensa em 2021 junto com outros 36 dirigentes, entre eles Vladimir Putin, presidente da Rússia e Kim Jong-un, da Coreia do Norte.  

Segundo a RSF, desde a sua posse à cadeira presidencial, Bolsonaro tem tornado o trabalho da imprensa extremamente complexo. Com insultos e humilhações aos profissionais da imprensa, tenta a todo instante descredibilizar o trabalho dos mesmos, “Para ele, a imprensa ‘é inútil’ e não passa de ‘rumores e mentiras constantes''', diz o perfil do presidente na lista divulgada pela RSF.

De acordo com o relatório, no primeiro semestre de 2021, o presidente e sua família foram responsáveis por 87 ataques aos profissionais de comunicação. Os ataques explícitos a jornalistas e veículos de comunicação não são casos isolados. Diversos políticos utilizam o poder para lançar ataques e ameaças a profissionais. As atitudes cometidas pelos dirigentes incentivam os apoiadores e seguidores a terem liberdade em repetirem os atos.

Em agosto de 2020, a jornalista Andréa Giovanni teve seu número de WhatsApp exposto ao tentar produzir matéria referente a participação do prefeito da cidade de Ibicoara, região da Chapada Diamantina na Bahia, Haroldo Aguiar (PSD). O número foi divulgado nas redes sociais do próprio prefeito e acabou gerando uma onda de comentários desqualificando o trabalho da jornalista.

 

Arte: Sthefany Macedo

 

Também é possível mensurar a violência por região. De acordo com o relatório da FENAJ, O Centro-Oeste foi a região brasileira com maior número de atentados à liberdade de imprensa no de ano de 2020, sendo o Distrito Federal  com 120 ocorrências. A região sudeste é a segunda mais violenta, e o estado de São Paulo foi o mais violento da região e o segundo em nível nacional. 

 

No sul, o Paraná foi o estado com maior ocorrências. Já no Nordeste ocorreram 19 casos, e o Ceará continuou sendo o mais violento para a categoria. O Norte continuou com o menor número de ataques contra jornalistas.

 

Arte: Sthefany Macedo

 

Os ataques também se diferenciam na questão de gênero. Segundo o relatório da FENAJ, os jornalistas do sexo masculino ainda são a maioria das vítimas de violência. Dentre o  total de ataques registrados, 147 eram do sexo masculino, entre as mulheres, 64 foram vítimas de algum tipo de agressão. Em 14 casos, não foi possível identificar os profissionais.

 

Mesmo possuindo um menor número de ataques, as agressões contra mulheres possuem algumas particularidades, como elenca Maria José Braga, Presidenta da FENAJ, “Em termos quantitativos, os homens são as vítimas mais frequentes da violência contra jornalistas, mas a violência contra a mulher, ela adquire características próprias, estão sempre permeadas pelo machismo, pelo preconceito, pela misoginia mesmo.”
 

 

MOTIVAÇÃO DOS ATAQUES AOS JORNALISTAS 

 

Os ataques contra jornalistas não são uma novidade. A categoria sempre viveu rodeada por ameaças, ofensas e atos agressivos em virtude do descontentamento de determinado público sobre o fato transmitido pelo jornalista. E nota-se um aumento expressivo dessas agressões, que se tornam cada vez mais repugnantes.

 

“O descontentamento, a crítica, não pode ser justificativa para os atos de violência”, disse Maria José Braga durante a entrevista para o Lab Dicas Jornalismo. A presidenta da FENAJ ainda apontou que:
 

“O objetivo é sempre calar o profissional, calar a imprensa para que determinados fatos não cheguem ao conhecimento da sociedade, então o objetivo é sempre esse, o jornalista não é agredido pelo que ele faz de errado, ele é agredido pelo que ele faz corretamente, que é levar ao conjunto da sociedade, informações de interesse público.” 

 

A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), está realizando um monitoramento - que deve ser publicado até o final do ano - para identificar as motivações de ataques contra mulheres jornalistas e com viés de gênero direcionados a profissionais de imprensa. De acordo com Letícia Kleim, assistente jurídica da Abraji, “Em 54,4% dos casos, a vítima cobria ou comentava temas relacionados ao campo político”, mas o dado ainda é preliminar.

 

De acordo com o relatório da FENAJ, em 2020 foram registrados 32 ataques físicos contra jornalistas e duas mortes: Léo Veras, na cidade paraguaia de Pedro Juan Caballero, divisa com Ponta Porã, onde o jornalista mantinha o site Porã News, e Edney Antunes, assassinado na cidade de Peixoto de Azevedo, no Mato Grosso, que atuava como assessor.

 

A assistente Jurídica da Abraji, Letícia Kleim, relata que “as denúncias que chegam pra gente são muito variadas, são dos jornalistas relatando ameaças, perseguições, processos judiciais, agressões físicas, são casos muito variados de ataques, que esse jornalista sofre no exercício da profissão.”

 

O jornalista Vinícius Lourenço, de Magé-RJ, fundador do site de notícias Portal Impacto News, foi alvo de uma tentativa de homicídio no dia 17 de agosto deste ano. O atentado aconteceu quando o jornalista dirigia entre Piabetá e Magé - cidades do Rio de Janeiro - e o veículo em que estava foi alvo de tiros. Vinícius conseguiu escapar pelo fato do carro ser blindado.

 

Trecho de entrevista com o jornalista Vinícius Lourenço
 

Vinícius conta que comprou o veículo à prestação e porque era necessário: “Eu sempre andei em carro blindado, porque o município de Magé é um município que tem um histórico muito ruim, nós tivemos aí em 30 anos mais de 20 mortes políticas na nossa cidade, quando eu falo em mortes políticas eu falo de personagens políticos na cidade, assessores, vereadores, jornalistas.”

 

O caso de Vinícius está sendo acompanhado pela 65ª Delegacia de Polícia de Magé-RJ, e o jornalista não descarta que o ataque tenha acontecido por motivos políticos. A minha linha sempre foi uma linha denunciativa, eu sempre fiz um jornalismo trazendo denúncias, pautando assuntos que a comunidade, a população, os moradores denunciassem, tipo falta de médicos e muito mais, essa sempre foi a minha linha”, explicou.

 

O local em que o atentado aconteceu é de difícil visibilidade, não havia câmeras, “a pessoa que esperou conhecia bem o local. Tudo leva a crer que a pessoa estava me esperando, porque as câmeras da rodovia não registraram ninguém me seguindo”, relata o jornalista.

 

Assim como Vinícius, outros jornalistas já passaram por situações parecidas. Para Maria José, presidenta da Fenaj, o enfrentamento de determinada violência deve se dar diante da preparação da categoria e suas entidades federativas. Os jornalistas precisam denunciar os casos, pois também são ataques à liberdade de imprensa no país. “Nós temos instrumentos legais para denunciar esses agressores e para buscar que eles sejam efetivamente punidos”. finaliza.

 

Também é fundamental que a sociedade não cause um estado de brutalidade como sustenta Maria José Braga, violência não é civilizatório, não resolve conflitos, não faz a sociedade melhor, isso tem que estar claro.”

 

Outras entidades que precisam se preocupar com medidas de segurança são as empresas empregadoras. É necessário criar protocolos para garantir a segurança dos profissionais. A presidenta reitera que o estado brasileiro também não pode esquecer seu papel com a agilidade na apuração e julgamento dos casos, pois a impunidade se torna um apoio para outros ataques.

Para Tiago Fernandes, repórter esportivo do Portal Internacional e do Jornal O Tempo de Belo Horizonte, situações desse tipo desanimam o jornalista a continuar no exercício da sua profissão:
 

“Nós como jornalistas quando sofremos esses tipos de ataques, acabamos descredibilizados porque as pessoas não querem saber se é verdade ou se é mentira hoje, não querem acreditar nas instituições jornalísticas, escutam só o que as fazem bem”. 

Os ataques direcionados a Tiago começaram no final de 2017 após publicação de matéria que acusava os jogadores do cruzeiro de receberem uma mala branca para conseguir a vitória no final do Campeonato Brasileiro “chegaram a vazar o número do meu WhatsApp, me colocaram em diversos grupos de torcedores para me xingar e me atacar”. Em seguida, a diretoria do Cruzeiro publicou duas notas repudiando a matéria feita por Thiago que influenciaram os torcedores a enviarem mensagens para o jornalista “essas duas notas publicadas pelo Cruzeiro e que citaram meu nome, notas de repúdio da diretoria, foram preponderantes para os ataques que eu recebi nas redes sociais”.

Apesar da repercussão, o jornalista não chegou a registrar um boletim de ocorrência. No entanto, afirma que se arrepende de não ter procurado as autoridades na época “Eu deveria ter processado as pessoas que vazaram meu telefone, que fizeram de alguma forma ou tentaram me prejudicar e me atacar, mas não o fiz, então me arrependo”.

A falta de ânimo em continuar na profissão após os ataques relatados por Guilherme e Tiago é uma realidade para os profissionais da comunicação. Atitudes como essa podem ser tomadas como uma forma de censurar o trabalho do jornalista ou, como já alertado por Letícia Kleim, pode até servir como uma maneira do jornalista “autocensurar” seu próprio trabalho. 

Para o jornalista Vinicius Lourenço, isso entristece o profissional que procura apenas exercer sua profissão, levando com seriedade e verdade a notícia à população e quando o profissional “vê a política do nacional tentando cercear o nosso direito a nossa fala, a nossa liberdade de falar, isso deixa a gente muito triste”. No entanto, apesar das dificuldades, o jornalista deixa claro que luta diariamente para que essas atitudes não interfiram no seu trabalho:

“Isso não me intimida, eu vou continuar colocando, eu vou continuar fazendo o que eu nasci para fazer o que eu vivo para fazer, não vou deixar de fazer de maneira nenhuma.”


ESTUDANTES DE JORNALISMO DIANTE AOS ATAQUES A PROFISSÃO

 

O auge dos ataques aos profissionais dessa categoria também leva os futuros jornalistas a se preocuparem com a profissão. Heloisa Barbosa, 18 anos, estudante na Universidade Presbiteriana Mackenzie, Campus Higienópolis (SP), relata, “até mesmo duvidei de mim pensando se realmente deveria continuar naquele curso por medo de passar pelas mesmas situações deploráveis e absurdas que eu costumava a ver, pelas redes sociais, vários jornalistas passando. Ver os vídeos e/ou relatos chegava a me dar arrepio e agonia de desespero pensando, ‘será que um dia eu vou passar por isso’?”

 

A presidenta da FENAJ, Maria José Braga, reitera que o jornalismo não é uma profissão de risco, mas que a fissura das democracias, a falha no funcionamento das instituições democráticas, as crises políticas e institucionais, levam os indivíduos a buscar a violência como forma de expressão da insatisfação, o que já sabemos ser uma maneira equivocada para resolução dos problemas.

 

Para Ynara Mattos, graduanda do 5° período de jornalismo na Uninter (Rio de Janeiro-RJ), não há melhor forma de lidar com essas notícias e, mesmo sabendo que no futuro não estará imune à essas situações, ela nunca cogitou em mudar de profissão:
 

“Já pensei em mudar a área de atuação no jornalismo, migrar de uma área ‘mais perigosa’ para uma relativamente ‘mais tranquila’ em questão de segurança, mas nunca em trocar de profissão, amo o jornalismo, amo a estrada que estou percorrendo para me tornar uma futura jornalista e isso não me faz querer anular minha decisão.”

 

A credibilidade do jornalismo também tem sido questionada e as chamadas, fake news, são as principais responsáveis por essa falta de confiança. A estudante, Heloisa Barbosa, também expressa seu ponto de vista dizendo que a relação entre imprensa e política gera diversos conflitos, dividindo a opinião de pessoas em relação a coisas óbvias. No grupo do whatsapp da família da estudante, por exemplo, alguns integrantes deixam bem claro que não confiam nos veículos mais reconhecidos nacionalmente, e ela relata que matérias falsas também percorrem essa rede social. Fala que também se confirma com o depoimento da graduanda Ynara: 

 

Na atual conjuntura em que estamos, as informações são disseminadas em tempo real, viralizam e alcançam a população em massa muito rapidamente.” 

 

Como sabemos, a checagem de um conteúdo falso tem menor repercussão nessas situações, mas, apesar dos intensos ataques contra a imprensa, a categoria tem se apoiado com outros profissionais da área. Além das denúncias e iniciativas sustentadas pelos sindicatos e pelas federações, a busca por trazer a verdade e as informações com credibilidade continuarão sendo a principal pauta do real jornalismo.

Os jornalistas ainda lidam com as questões de censura e ataques mais graves que chegam a levá-los a tomar medidas drásticas, como mudar de endereço, além de traumas que afetam seu psicológico e desempenho profissional, acarretando, em alguns casos,  na desistência da carreira. Mas, medidas têm sido criadas para dar suporte a esses jornalistas.

 

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