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24/02/2023 às 08h00min - Atualizada em 24/02/2023 às 07h28min

O saber ancestral: as narrativas dos povo originários começaram antes de 1.500

Produção de livros e pesquisas acadêmicas contribuem para a amplificação da literatura indígena no Brasil

Valéria Soares - Editado por Nicole Bueno

274 línguas indígenas existem e resistem no Brasil. São repassadas e preservadas pelos povos originários para contar sobre a diversidade de uma nação, suas lutas, crenças e tradições. As narrativas orais das aldeias, histórias contadas pelos avós, a conversa do cotidiano, chegaram aos livros de forma mais consolidada na década de 1990. Embora, Eliane Potiguara tenha demarcado o território literário em 1975 com o poema Identidade Indígena.

 

Nós, povos indígenas,

Queremos brilhar no cenário da História 

Resgatar nossa memória 

E ver os frutos de nosso país, sendo divididos 

Radicalmente 

Entre milhares de aldeados e “desplazados” 

Como nós

 

Contar a trajetória indígena para a sociedade pelo olhar de seus ancestrais, foi o que moveu os escritores pioneiros na literatura indígena. Em 1994, Kaká Werá publicou “Todas as vezes que dizemos adeus”, para relatar suas experiências de vida e culturais dos seus antepassados. O autor de mais de 60 livros, Daniel Munduruku, publicou sua primeira obra “Histórias de Índio” em 1996, que traz crônicas e depoimentos da vida de um munduruku “no mundo dos brancos” e a vivência dos povos indígenas com suas tradições.

 

O contador de história é uma figura de grande importância nas aldeias. Os saberes que foram sendo repassados entre os povos indígenas, através da contação de histórias, músicas, ritos, grafismo, ajudam a construir a Literatura Indígena. Os relatos dão às narrativas dos livros, uma contribuição para que pessoas não indígenas conheçam a riqueza cultural dos guardiões da floresta.

 

Alíria Wiuiria é professora de Português e Literatura. Indígena da etnia Guajajara, começou a realizar pesquisas no mestrado e doutorado, pela Universidade federal de Juiz de Fora sob orientação da Profª Drª Silvina Carrizo, sobre as narrativas e cantos da sua comunidade, quando percebeu que havia um silenciamento na literatura sobre os escritores indígenas.

“Na literatura brasileira a temática indígena, por muito tempo, foi cultivada por escritores não indígenas. Muitas vezes, os povos originários eram descritos equivocadamente como figuras lendárias ou romantizadas e, assim, as vozes indígenas, que expressam seus pensamentos e riquezas culturais eram silenciadas”, afirma. 

 

Os anos de estudo na universidade, desde a graduação na Universidade Estadual do Piauí, são usados como uma ferramenta de luta e resistência. O seu objetivo é trazer para o campo literário a ancestralidade, as vozes da aldeia, romper as barreiras na academia e do círculo pequeno de estudiosos sobre os povos indígenass.  

 

“Através da Literatura é possível conhecer a respeito de fatos históricos e culturais presentes na construção do país; conhecer o passado e o presente indígena, incluindo os aspectos importantes desses povos para a cultura brasileira”, aponta.A pesquisadora  acrescenta que os escritos indígenas partem principalmente das heranças ancestrais. Escritores já citados nesta matéria e outros como Márcia Kambeba, Ailton Krenak, Julie Dorrico, Graça Grauna, Olívio Jekupé, Aline Pachamama, dão forma à literatura indígena com obras que narram a vida  e suas perspectivas sobre o mundo dos povos originário. 

 

Fazer as histórias indígenas chegarem até as pessoas e estimular mais escritores é um dos desafios de Daniel Munduruku. Ele realiza desde de 2004, com apoio da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ), os concursos literário: Curumim e Tamoio. Através de eventos, palestras, lançamentos de livros, Munduruku e outros os autores percorrem o país e contribuem com a educação nas aldeais para amplificar as narrativas. 

 

Em 2008, as produções indígenas chegaram a formação inicial escolar através da lei 11.645 que obriga o estudo da história e cultura indígena e afro-brasileira nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio. A docente Alíria acompanhou a inclusão nos currrículos escolares. “Presenciei, em algumas escolas, o cumprimento superficial da lei, mas, também, as dificuldades que algumas tinham em realizar práticas pedagógicas que dessem conta de preencher as lacunas a respeito das culturas indígenas, antes tapadas com atividades descontextualizadas ou superficiais, que apagava ainda mais a realidade cultural indígena e ampliava preconceitos e estereótipos”, relata. 

 

Como pesquisadora, acredita que os professores devem ter o preparo ainda da graduação e que a temática seja trabalhada de forma interdisciplinar nas escolas e fundamentada nos conhecimentos e vozes ancestrais. Além disso, reforça que a realização de cursos, formação continuada, palestras, seminários sejam feitas com bases teóricas e práticas fundamentadas nos conhecimentos indígenas.

 

Ler autores indígenas fomentará na melhoria do processo educacional e em um país ciente da sua história. São 305 etnias indígenas no Brasil, com seus costumes, modos e tradições. Aliria relembra que os povos indígenas começaram a contar sua história antes mesmo de 22 de abril de 1.500.

“Nossos ancestrais já poetavam e cantavam neste território”. 



REFERÊNCIAS

ALMEIRA, Clara. 
Literatura indígena brasileira: origens, desenvolvimento e importância. Multirio, 2019. Disponível em: https://www.multirio.rj.gov.br/index.php/reportagens/15026-literatura-ind%C3%ADgena-brasileira-origens,-desenvolvimento-e-import%C3%A2ncia. 
Acesso: 22 de fevereiro de 2023.
DIEL, Victor. Panorama da literatura indígena brasileira: entrevista com Julie Dorrico. Literatura RS,2019.Disponivel em:https://literaturars.com.br/2019/07/01/panorama-da-literatura-indigena-brasileira-entrevista-com-julie-dorrico/
Acesso: 22 de fevereiro de 2023.
COMUNICAÇÃO SOCIAL. Censo 2010: população indígena é de 896,9 mil, tem 305 etnias e fala 274 idiomas. IBGE, 2010. Disponível em:https://censo2010.ibge.gov.br/noticias-censo.html?busca=1&id=3&idnoticia=2194&t=censo-2010-populacao-indigena-896-9-mil-tem-305-etnias-fala-274&view=noticia.Acesso: 22 de fevereiro de 2023.
FRANCA, Aline.MUNDURUKU, Daniel. GOMES, Thulio Dias. BIBLIOGRAFIA DAS PUBLICAÇÕES INDÍGENAS DO BRASIL. Wikilivros,2019. Dispinível:https://pt.wikibooks.org/wiki/Bibliografia_das_publica%C3%A7%C3%B5es_ind%C3%ADgenas_do_Brasil. Acesso: 22 de fevereiro de 2023.
VIVO, Fundação telefonica. 8 obras para trabalhar a literatura indígena em sala de aula.fundacaotelefonicavivo.org.br, 2021.
Disponível:https://www.fundacaotelefonicavivo.org.br/noticias/8-obras-para-trabalhar-a-literatura-indigena-em-sala-de-aula/. Acesso: 22 de fevereiro de 2023.

 
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