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03/05/2020 às 11h57min - Atualizada em 03/05/2020 às 11h57min

Entrevistas, Clarice Lispector

O livro para os amantes do Jornalismo Literário.

Talita Farias
O livro intitulado “Entrevistas” é uma coletânea com 42 entrevistas feitas por Clarice: 19 inéditas e 23 foram publicadas em "De corpo inteiro". É organizado por Claire Willians e editado pela Rocco. Com figuras conhecidas na música, artes cênicas, artes plásticas e esporte, as peculiaridades s da entrevistada e seus entrevistados são expostas de forma a despertar no leitor curiosidades além da esperada. A escritora também possuía uma seção na Revista Manchete chamada “Diálogos Possíveis com Clarice Lispector”, com entrevistas relacionadas a pílula anticoncepcional, manifestações dos estudantes, economia brasileira, etc.

Dona de uma timidez ousada, de acordo com a própria escritora, Clarice demonstra uma arte no ato de entrevistar diferenciada das demais. O leitor é levado ao encantamento da vida pessoal da entrevistada e dos entrevistados, no qual diversos diálogos revelavam inquietações da existência humana. Perguntas mais profundas, abstratas, estranhas e filosóficas era comuns em suas entrevistas, como: "O que é o amor?" "Qual a coisa mais importante do mundo?" "Qual é a coisa mais importante para uma pessoa como indivíduo?". A escritora consegue transformar sentimentos dos quais são por vezes inexplicáveis para nós, em palavras simples ou mais perturbadores ainda, aliás, nem tudo é digno de uma explicação, ainda mais quando se trata da vida humana.

“Jornal sem liberdade é uma tristeza sem remédio”

Clarice é considerada um dos maiores nomes da literatura brasileira, escreveu contos, crônicas, novela, romance e até literatura infantil. Além disso teve uma vasta atuação como jornalista no qual somou em torno de 5 mil textos e mais de 100 entrevistas.

O Novo Jornalismo

O New Journalism surgiu na década de 60 nos Estados Unidos, têm como principais expoentes Tom Wolfe, Gay Talese, Norman Mailer e Truman Capote. Classificado como romance de não-ficção, sua principal característica é misturar a narrativa jornalística com a literária.

New Journalism chegou abusando da utilização de recursos literários, subjetividade autoral como forma de apreensão da realidade e, principalmente, admitindo o relato da realidade na forma de interpretação, além de questionar o método tradicional de reportagem. Segundo Tom Wolfe, o New Journalism, se tornou “tão absorvente e fascinante quanto o romance e o conto”.

O jornalista que consegue trabalhar a convivência harmoniosa entre jornalismo e literatura, aproveitando o melhor que cada um tem a oferecer, consegue ser um profissional completo. E se a literatura é uma esperança para a comunicação, é importante que se eduque tanto o jornalista quanto o leitor. Para isso, “a literatura, especialmente, deverá ser o fermento para desobstruir a imaginação jornalística e um meio de evitar que ela se transforme em mero exercício retórico do cotidiano.”

Trecho da entrevista com Lygia Fagundes Telles:

Clarice - Antes de começar a entrevista, quero lembrar que na língua portuguesa, ao contrário de muitas outras línguas, usam-se poetas e poetisas, autor e autora. Poetisa, por exemplo, ridiculariza a mulher-poeta. Com Lygia, há o hábito de se escrever que ela é uma das melhores contistas do Brasil. Mas do jeitinho que escrevem parece que é só entre as mulheres que ela é boa. Erro. Lygia é também entre os homens escritores um dos escritores maiores. Sabe-se também que recebeu na França um prêmio. De modo que falemos dela como ótimo autor. Lygia ainda por cima é bonita.

Clarice - Para mim a arte é uma busca, você concorda?

Lygia - Sim, a arte é uma busca e a marca constante dessa busca é a insatisfação. Na hora que o artista botar a coroa de louros na cabeça e disser, estou satisfeito, nessa hora mesmo ele morreu como artista. Ou já estava morto antes. É preciso pesquisar, se aventurar por novos caminhos, desconfiar da facilidade com que as palavras se oferecem. Aos jovens que desprezam o estilo, que não trabalham em cima do texto porque acham que logo no primeiro rascunho já está ótimo, tudo bem - a esses recomendo a lição maior que está inteira resumida nesses versos de Carlos Drummond de Andrade:

Chega mais perto e contempla as palavras
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta
pobre ou terrível que lhe deres
Trouxeste a chave?

Você, Clarice, que é dona de um dos mais belos estilos da nossa língua, você sabe perfeitamente que apoderar-se dessa chave não é assim simples. Nem fácil, há tantas chaves falsas. E essa é uma fechadura toda cheia de segredos. De ambiguidades.

Trecho da entrevista com Djanira:

Clarice - Espere um pouco, quero ver você. E vi - eu vi mesmo - que ela ia ser minha amiga. Ela tem qualquer coisa nos olhos que dá a ideia de que o mistério é simples. Djanira, você é uma criatura fechada. E eu também. Como vamos fazer? O jeito é falar a verdade. A verdade é mais simples que a mentira.

Ela me olhou profundamente. E eu continuei, com esse tipo de timidez que sempre foi a minha. Eu quero saber tudo a seu respeito. E cabe a você selecionar o seu tudo, pois não quero invadir sua alma. Quero saber por que você pinta e quero saber por que as pessoas pintam. Quero saber que é que você faria em matéria de arte se não fosse pintura. Quero saber como é que você foi andando a ponto de se chamar Djanira. E quero a verdade, quanto você possa dar sem ferir-se a si própria. Se você quiser me enganar, me engane, pois não quero que nenhuma pergunta minha faça você sofrer. Se você sabe cozinhar, diga, porque tudo o que vier de você eu quero.

Djanira - A gente pinta como quem ama, ninguém sabe por que ama, a gente não sabe por que pinta.
Clarice - Eu também não sei por que escrevo.
Djanira - A gente não sabe.

Clarice - Conte um pouco de sua infância.
Djanira - Foi muito sofrida, não vale a pena falar, não vale a pena relembrar.

Clarice - Mas você sabe que é só relembrando de uma vez, com toda a violência, é que a gente termina o que a infância sofrida nos deu?
Djanira - De certa maneira acho que é verdade.

Trecho da entrevista com Tônia Carrero:

Clarice - O que é amor para você, que é um ser tão amado?
Tônia - Você se acha um ser muito amado, Clarice?
Clarice - Fui amada por alguns e conheço a paixão.
Tônia - Eu também, Clarice. E com muita avidez de amor por pessoas que me interessam. Exijo muito porque me dou muito. Isso todos sabem: alguns amigos, meu filho, César e a babá que me criou. Só acredito num mundo feito de amor. Talvez por isso é que meu mundo foi pequeno e sou uma atriz que não ganhou fronteira.

Trecho da entrevista com Marly Oliveira:

Clarice - Marly, para você, qual é a coisa mais importante do mundo?
Marly - Seria viver - e morrer - sem ter medo.

Clarice - E qual a coisa mais importante para uma pessoa como indivíduo?
Marly - Para mim, essa pergunta tem uma resposta que me parece definitiva e foi dada por você mesma em A Paixão segundo G.H., quando começam as reflexões sobre a despersonalização.

Trecho da entrevista com Elis Regina:
 
Clarice - Por que você canta, Elis? Só porque tem voz magnífica? Conheço pessoas de ótima voz que não cantam nem no banheiro.
Elis - Sei lá, Clarice, acho que comecei a cantar por uma absoluta e total necessidade de afirmação. Eu me achava um lixo completo, sabia que tinha uma voz boa, como sei, e então essa foi a maneira para a qual fugi do meu complexo de inferioridade. Foi o modo de me fazer notar.

Clarice - O que é que você sente antes de enfrentar o público: segurança ou inquietação?
Elis - Inquietação. Sou segura em relação ao que eu vou fazer, mas profundamente inquieta quanto a reação das pessoas que me ouvirão.

Clarice - Se você não cantasse, seria uma pessoa triste?
Elis - Seria uma pessoa profundamente frustrada e que estaria buscando uma outra forma de afirmação.

Clarice - Qual seria essa outra forma de afirmação?
Elis - Não tenho realmente a menor ideia, porque eu me encontrei tanto nessa coisa de cantar que nunca pensei nisso.

Clarice - Você já esteve apaixonada? Se esteve, suas interpretações mudaram nesse período?
Elis - A pessoa apaixonada se comporta completamente em relação a tudo, principalmente sendo sensível como eu sou.

Clarice - É bom estar apaixonada?
Elis - Bem melhor do que não sentir nada!

Referências: http://lounge.obviousmag.org/dois_senhores/2014/11/novo-jor.html.
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