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01/08/2020 às 17h58min - Atualizada em 01/08/2020 às 15h24min

PL 2630: A criação de um tribunal na internet

De acordo com a nova lei, plataformas serão juiz, juri promotoras e executoras

Isabella Ferreira - Editado por Barbara Honorato

Tempo de leitura: 7 min e 40 seg.
 

Na sessão deliberativa do dia 2 de junho, que estava direcionada para o debate sobre a suspensão de reajustes de remédios e planos de saúde, a pauta da PL 2630 é introduzida através da convocação do presidente do Senado, Davi Alcolumbre, ao relator da PL, o senador Alessandro Vieira. Naquele dia, a nova pauta resultou em várias críticas da atual relação do Brasil com o combate da desinformação nas redes.

Quando o assunto é fake news, na hora de julgar ou conduzir algum caso, o Brasil tem atualmente como base a lei de nº 12.965, mais conhecida como Marco Civil da Internet (MCI). A PL 2630 tem como proposta modificar tanto o modo de investigação tradicional presente no marco, quanto quem irá poder julgar o que é conteúdo desinformativo ou não.
 

O que mudaria de acordo com a PL?

Uma série de fatores. A começar com o fato de que não seria mais necessário um pedido vindo do judiciário para que medidas de exclusão de postagens fossem feitas pelas redes sociais. Uma simples denúncia de qualquer usuário seria o bastante para iniciar uma investigação e julgamento feitos pelo próprio provedor.
O projeto afirma ser necessária a guarda de todo o caminho que a imagem percorreu e dos usuários pelos quais passou, caso ela ultrapasse o limite de mil usuários. De acordo com Raquel Saraiva, presidenta do Instituto de Pesquisa em Direito e Tecnologia do Recife (IP.rec), “esse dispositivo tem como objetivo enquadrar quem primeiro encaminhou um determinado conteúdo que viralizou no whatsapp”, por exemplo. 
Para facilitar o reconhecimento, o artigo 7 da lei faz com que o usuário tenha que se identificar, apresentando um documento de identidade válido caso a investigação gerada pela plataforma o aponte como cúmplice ou até o mandante da desinformação.

 

Qual o problema então?

 

Aos olhos desta lei, todos são possíveis culpados. Ainda de acordo com Raquel, é impossível ter uma noção se um conteúdo irá tomar grandes proporções ou não, isso faz com que se torne necessário o recolhimento de forma prévia dos dados. O que era para ser uma coleta em apenas determinada ocasião de denúncia, se tornará um constante e massiva colheita de informação desnecessariamente.
Conseguir rastrear a rota traçada pela mensagem falsa até seria um ponto eficiente se não fosse pelo fato que com um simples print, uma nova cadeia de encaminhamento é criada. O conteúdo seria o mesmo, mas como as criptografias usadas nas mensagens seriam diferentes, o sistema estaria compreendendo duas cadeias diferentes.
 A pessoa que tirou o print passa então a ser a primeira pessoa do encaminhamento da imagem falsa e um alvo de investigação, mesmo sem ter tido a intenção ou o controle sobre a viralização do que repassou. 

 

Proporciona um conflito de legislações. Plataformas como Facebook e Twitter são considerados atores transnacionais, que de acordo com o doutor em ciência política e mestre em Relações Internacionais, Thales Cavalcanti, são aqueles que “tem uma sede fixa num determinado estado soberano, mas tem abrangência global, que transcende as fronteiras nacionais” do país de origem. 

Como se trata de uma empresa estrangeira atuando em outros países, o respeito às leis e os princípios de privacidade do local em que se firmaram deve ser contínuo e feito por ambas as partes. Mas, nas palavras de Thales, a PL é um processo “complexo e inovador pelo fato que coloca as legislações dos países em choque”, principalmente quando se trata de uma ordem do estado em cima dessas empresas .

 O doutor em Relações Internacionais, Lucas Amaral, fala que temos um problema justamente no quesito da internacionalidade. Porque os “países são independentes, autônomos, e tem soberania dentro do seu território em relação a suas leis e sua população, mas isso não quer dizer que ele pode mandar e desmandar e fazer tudo o que ele quer quando ele quiser.”     

Ambos especialistas concordam que por conta dessa desconstrução da territorialidade, o limbo jurídico, que neste caso é quando não se sabe qual critério regulador será aplicado no problema, estaria causando toda a confusão. No fim, pode até nem ser uma figura jurídica a decidir, como é o caso do atual embate entre a decisão de manter os perfis bolsonaristas feita pelo Facebook no dia 31 de julho, contestando assim o pedido do STF para a retirada.
 
Por que dessa PL então?

  O senador Ângelo Coronel em seu discurso na sessão deliberativa do dia 2 de junho, faz uma crítica ao relacionamento entre o Brasil e as plataformas digitais, porque "quando você pede a plataforma, [...] os requerimentos de quebra, as plataformas dizem que estão sujeitas as leis americanas", e se recusam a ceder as informações.
Ele se refere também ao tratado de assistência jurídica mútua (MLAT), que é um acordo bilateral entre Brasil e Estados Unidos no qual os países são obrigados a prestar ajuda em investigações. Só que problemas já foram relatados sobre esse tratado em fevereiro deste ano, na audiência pública feita no STF sobre a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC-51).
Foi apontado o percentual de rejeição de 77% dos pedidos de cooperação feitos. Essa
rejeição, de acordo com o DRCI, Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional tem mais a ver com a falta de indícios para embasar as investigações do que com uma má vontade dos Estados Unidos. "Então, uma das respostas que os legisladores do Brasil encontraram nesse momento, foi a de tentar entender e evitar que tivéssemos problemas novamente voltados as questões eleitorais principalmente", afirma Lucas.
Gustavo fala que "se a gente disser coisas que dentro do espaço jurídico norte americano, não for possível, a gente vai ter uma lei inútil, porque não vai haver a colaboração do judiciário americano se for incompatível com o que já se conhece de proteção de dados por lá". Ele também afirma que não é uma ideia estranha à internet a moderação proposta na PL, já que "a ideia é mais ou menos essa, de fazer com que na moderação, as redes sociais tenham responsabilidade quanto à desinformação". Sua ressalva esta no fato de que elas deveriam ser transparentes ao fazerem isso.

 


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