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28/08/2020 às 13h04min - Atualizada em 28/08/2020 às 12h46min

Caso Carrefour e a banalização da vida

Franciele Rodrigues - Editado por Bruna Araújo
Foto: Renato Barbosa
Moisés Santos, representante comercial, 53 anos, sofreu um mal súbito e morreu em uma das unidades da rede de hipermercados Carrefour no Recife. O caso ocorreu na sexta-feira, 14 de agosto de 2020, mas repercutiu nas redes sociais a partir da semana seguinte, terça-feira, dia 18. A polêmica ocorreu por que a empresa manteve o atendimento ao público mesmo com o corpo do funcionário no local. De acordo com fotos divulgadas, três guarda-sóis foram improvisados para tapar o cadáver por mais de três horas, antes dele ser levado pelo Instituto Médico Legal (IML).

O episódio nos direciona para diversas discussões necessárias como a constante precarização do trabalho. Muitas violências cabem neste conceito estudado por pesquisadores de diversas áreas, a exemplo do sociólogo Ricardo Antunes. Nesta reportagem, trouxemos o relato de 
Maria*, 21 anos. Ela possui ensino superior incompleto, reside no norte do Paraná e trabalha há cerca de um mês como caixa em uma grande rede de supermercados. A funcionária nos relata como tem sido a experiência ao longo desses primeiros dias:

Apesar de pouco tempo de empresa já estou exausta. Quando me contrataram assinei um acordo de experiência de 45+45 dias, mas pedi pra que encerrassem meu contrato logo nos primeiros 45 que estou a cumprir. O motivo é que as condições de trabalho são péssimas. Recebemos um salário e nada mais. Não há qualquer vale alimentação/refeição ou cesta básica, nosso transporte é descontado do salário (6%) e qualquer problema com as mercadorias, mal entendidos e quebra de caixa são logo descontados do nosso salário.

A jovem conta também que os funcionários dispõem de 1h10min de intervalo durante a jornada de trabalho diária, porém o espaço utilizado para que possam descansar e fazer as refeições é muito precário. Além disso, o local não tem tomado fiscalizado se os clientes têm respeitado as medidas de combate à pandemia da Covid-19, orientadas pelos órgãos oficias, a exemplo da Organização Mundial da Saúde. 
 

Com a pandemia, o mercado tem tomado as medidas básicas como espaçamento entre os cliente na fila, álcool na entrada, proibição de menores de 12 anos e dia ou outro resolvem fazer o controle de quantas pessoas estão no mercado. Apesar de não cobrarem o uso correto da máscara e 90% dos clientes que atendo estão com o nariz pra fora. Estou totalmente exposta, as medidas são fracas. Nesses dias que passaram de muita chuva não havia onde sentarmos almocei com chuva nas costas. Apesar de coberto, o lugar está cheio de goteiras e chove nas mesas, nas cadeiras, nas microondas, nas escadas e todos tem que ficar amontoados em plena pandemia no cubículo que encontrarmos livre de goteiras. Devido ao pouco tempo de intervalo, muitos funcionários não conseguem retornar para suas casas e são obrigados a passar seu pouco tempo de descanso nessas condições. A insatisfação é nítida e unânime. Entre os funcionários, na hora do almoço é possível notar o descontentamento, frases como: "preferia nem ter horário de intervalo"; "era melhor ter ficado trabalhando".

Ela também aponta que setores administrativos e a gerência não frequentam o espaço, não circulam entre os demais trabalhadores e nem ouvem as suas reclamações. As queixas também são raras já que, apesar do descontentamento geral, os trabalhadores têm medo de perder a vaga e aumentar a fila de desempregados que, atualmente, é formada por mais de 12 milhões de pessoas no Brasil.
 

Sabemos que assim que reclamarmos vamos ser substituídos por alguém que trabalhe calado. Devido a tamanha taxa de desemprego quem tem um emprego é rei e deve ser muito grato por isso. Somos silenciados o dia inteiro com ameaças de advertência, com olhares e comentários sarcásticos. Nos cobram coisas fora do nosso alcance.  No meu caso, quando recebo de um cliente e ele não tem trocado e eu preciso da fiscal para trocar, ela nos adverte dizendo que temos que arrancar trocados do cliente, que não terá muitos trocados para nós. E os trocados de todos os outros dias? Por que não facilitam nosso trabalho?


Maria também comenta o caso de Moisés: 
 

Querem que sejamos uma máquina, sem qualquer perspectiva de vida ou condição de trabalho. Não temos tempo para as nossas famílias, estamos sempre cansados, porque os nossos dias de folga não são para descanso, são para que limpemos nossas casas e lavemos nossas roupas. Sua vida é tomada diariamente em prol de conquistar o dinheiro de quem não trabalha, damos duro.

 *Mantemos a identidade da entrevistada preservada. 


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