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02/05/2019 às 09h47min - Atualizada em 02/05/2019 às 09h47min

Resenha: A guerra não tem rosto de mulher, de Svetlana Alexievitch

A escritora ucraniana Svetlana narra, em seu livro, os papeis das mulheres nos períodos de guerra.

Aline Goulart - Editado por: Leonardo Benedito
Divulgação
Svetlana Alexievitch nasceu na Ucrânia, em 1948. Jornalista e escritora, ganhou o prêmio Nobel de literatura em 2015. Crescida na Bielorussia, Svetlana encontrou suas primeiras palavras ainda na infância, era muito observadora e ouvinte. Brincava com as crianças e dizia que seu primeiro contato com o mundo foi os olhares dos adultos que por vezes não contavam tudo para as crianças. Perdeu muitos parentes para a guerra e a partir daí nasceu a curiosidade de ouvir as muitas opiniões sobre os fatos. Svetlana acredita que a vida parte de ouvir o outro, de buscar no outro as respostas para as perguntas de si mesmo. Qual o limite das nossas forças? Do que somos capazes? O livro de Svetlana é o trabalho de uma vida.

Svetlana é reconhecida pelo seu trabalho documental e as longas entrevistas que teve para conceber a narrativa da guerra sob o ponto de vista das mulheres. Seu ponto forte no texto é a oralidade. O livro é como uma conversa na qual ela é uma “orelha humana”, o seu livro é tido como um “romance de vezes”. Estima-se que um milhão de mulheres trabalharam na guerra. A participação das mulheres em guerras não é exclusividade da Segunda Guerra Mundial. A União Soviética (URSS) foi o único país, a partir de 1942, a permitir o alistamento oficial de mulheres.
 
O livro expõe o papel da mulher na sociedade soviética e as contradições de gênero da época. Os homens iam para a guerra e cabia à elas o sustento do lar, a fome assolava a comunidade, os poucos recursos eram mantidos para quem estava na guerra. As contribuições das mulheres foram muitas, elas eram detalhistas e muito resistentes, enganavam pelo corpo miúdo, mas eram fortes. Entretanto, os desafios foram enormes, não tinham lingeries femininas, elas mesmas costuravam suas roupas. Sofriam por elas mesmas, pelos filhos, maridos, e as amigas. Eram unidas e compartilhavam o sofrimento. Eram mães e sofrem pelos filhos.
 
No livro, Svetlana desconstrói o mito da guerra sofrida pelos homens e percebemos na leitura que o sofrimento das mulheres foi muito maior, mais intenso e mais triste. A complexidade do ser humano esteve presente na construção dos personagens. O jornalismo literário como conhecemos é unir os diferentes olhares da vida com a literatura, é ligar a rua com a literatura, é juntar o fazer literário no cotidiano. Para isso, precisamos ter um pouco de poesia nas palavras. No decorrer da leitura, um relato que começa com ternura, docilidade, descrevendo o chá na mesa e as formas como a mão pega na alça da xícara, termina com  uma história triste e desesperadora pela luta da sobrevivência.
 
Alguém nos entregou…Os alemães descobriram onde ficava o acampamento dos partisans. Cercaram a floresta e fecharam as passagens por todos os lados. Nos escondemos em um matagal fechado, fomos salvos pelos pântanos onde a tropa punitiva não entrava. Um lodaçal. Ele encobria muito bem tanto as pessoas quanto os equipamentos. Passamos alguns dias, semanas, com água na altura do pescoço. Havia conosco uma operadora de rádio que tivera um filho havia pouco tempo. A criança estava com fome… Pedia o peito. Mas a própria mãe estava passando fome, não tinha leite, e a criança chorava. Os soldados da tropa punitiva estavam por perto… Tinham cachorros… Se os cachorros escutassem, todos nós morreríamos. Todo o grupo, umas trinta pessoas. Entende? O comandante tomou a decisão… Ninguém se animava a transmitir a ordem para a mãe, mas ela mesma adivinhou. Foi baixando a criança enroladinha para a água e segurou ali por um longo tempo… A criança não gritou mais… Nenhum som… E nós não conseguíamos levantar os olhos. Nem para a mãe, nem uns para os outros…” (p.32)

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