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04/05/2019 às 18h41min - Atualizada em 04/05/2019 às 18h41min

Resenha: Descasos, por Alexandra Lebelson Szafir

Uma advogada às voltas com o direito dos excluídos

Socorro Moura - Editado por: Leonardo Benedito
Internet.
Alexandra imprimiu a sua carreira o que de melhor alguém pode carregar dentro de si: humanidade. Em um sistema carcerário como o brasileiro, não se devem criar expectativas que o devido processo legal será aplicado em sua totalidade e portanto, não será o maior exemplo de justiça. Então, aí onde entra a personagem - também escritora da obra - Alexadra Szafir nesse compilado de histórias as quais ela protagoniza juntos com seus clientes enredos reais, sofridos, porém um sopro de dignidade onde parecia não ter mais saídas.

As histórias são relatos de casos reais vivenciamos pela autora no exercício de sua profissão estigmatizada por apenas alcançar a uma camada mais abastada da população. O interessante é que ela estabeleceu limites para essa atuação voluntária, afinal todos merecem uma segunda chance, porém entender isso como algo raro e que deve ser valorizado é pertinente. A seguir um trecho de um dos casos:
" Voltando ao caso concreto, aquele réu não tinha advogado - naquela época ainda não era obrigatória a presença de defensor no interrogatório, que se entendia ser tão privativo do juiz - , o que, provavelmente, explicava o fato de estar preso havia mais de dois meses até finalmente ser levado à presença de um juiz, embora a acusação fosse de crime inafiançável. Mas, para quem não tem condição financeira para contratar advogado, o Estado só nomeia defensor quando o processo chega a juízo, o que leva tempo. Já se ele pudesse pagar um advogado, que pedisse a liberdade provisória no dia da prisão, possivelmente não teria passado mais que uma noite na cadeia".

Segundos dados coletados pelo portal G1, após ligeira diminuição, prisões estão quase 70% acima da capacidade e o percentual dos detentos sem julgamento é maior (35, 9% do total), mostra o levantamento feito nos 26 estados e Distrito Federal , dentro do Monitor da Violência. Esses foram dados colhidos em abril de 2019 e comprova que a superlotação inflacionada por prisões provisórias ainda é uma realidade nos país de Alexandra. Também mostra a necessidade de políticas voltadas para mutirões, para que casos como o mencionado acima sejam cada vez menos existentes. 

Esse é apenas um dos tipos de caso que ilustram a história. Entre machismos, preconceitos de classe, soberba de magistrados e má vontade dos advogados, a vida da autora é de certa forma um incentivo para quem é taxativo ao afirmar que as pessoas não olham mais umas para as outras. Em certo momento de sua vida, não bastasse enfrentar todos os dias as dores das injustiças e o ser humano em sua pequenez, uma doença a acomete: a esclerose lateral amiotrófica. A Doença é rara, neurodegenerativa, progressiva, ocasiona paralisia motora irreversível, e acabou por encerrar precocemente a atuação da advogada.

É um enredo tocante porque conjuga uma atuação sensível e determinada com a história triste e pessoal da autora.Triste, porém não foi ofuscada, pois Szafir incutiu uma determinação e amor à sua atuação profissional que há tempos, não vejo por aí. Existem outros anjos como ela? Certamente. Só não nos alcançam. Mas sair da bolha e saber que há atitudes ousadas, corajosas e diferentes já dão aquela sacudida para mortais anestesiados de que a realidade é como é. E não é. Afinal como a mesma citou em seu livro:
" O mal triunfa quando os homens bons não fazem nada."
" Ninguém comete erro maior do que não fazer nada porque só pode fazer um pouco."
Edmund Burke, século XVIII.

Uma história sobretudo de coragem e fé. Recomendo.
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