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27/11/2020 às 12h15min - Atualizada em 27/11/2020 às 12h06min

Morre Maradona: o último comunista (pero no mucho) do futebol

O maior jogador de futebol da Argentina e ícone da esquerda latino-americana morreu no mesmo dia que seu ídolo, o ditador cubano Fidel Castro. Políticos de toda a região lamentaram a morte do jogador, que também era próximo de líderes de direita

Cesar Fontenelle - Editado por Ana Paula Cardoso
Maradona fuma charuto no mar em Havana (Cuba), em 2000 - Reuters
 
O rei do futebol argentino, Diego Maradona, morreu aos 60 anos na última quarta-feira (25), em Tigre, no extremo norte de Buenos Aires, de parada cardiorrespiratória. A informação foi confirmada por seu advogado, Matias Morla, no início da tarde. Ele se encontrava em repouso numa casa alugada após realizar uma cirurgia no cérebro.

O campeão da Copa do Mundo de 1986 foi internado no dia dois de novembro com um quadro de anemia e passou por uma bateria de exames, que identificaram o hematoma do lado esquerdo da cabeça. Este teria se formado devido a uma queda que sofreu em casa. Três dias antes, ele comemorou seus 60 anos com muitas homenagens por todo o país.

No fim da tarde e início da noite da quarta-feira, as ruas argentinas, principalmente em Buenos Aires e Rosário, começaram a encher de fãs que saíram para homenagear o gênio do futebol. Mesmo durante a maior pandemia do século, milhares de pessoas foram para à Avenida nove de julho, para o Obelisco; ponto turístico da capital portenha, e também para a frente do estádio do Argentinos Juniors, onde Maradona jogou pela primeira vez profissionalmente, desrespeitando as regras de distanciamento social, para homenagear o ídolo.

Às 22h, horário de Buenos Aires, aplausos, gritos, fogos e cornetas foram ouvidas por toda a cidade. Nas ruas, telões projetavam mensagens como “Gracias 10”, “Gracias Dios” e “Gracias Diego”. Crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos saíram para os principais pontos de aglomeração para demonstrar seu amor por Dieguito, como era chamado carinhosamente pelos torcedores.

Diego Armando Maradona Franco, como qualquer argentino, era muito passional. Ele era apaixonado pelo futebol, tanto que em sua última partida como jogador no estádio de La Bombonera, em 2001, disse que “foi o esporte que me deu mais alegria e liberdade”. Essa paixão foi claramente vista no dia de sua morte, no velório e funeral por todo o país. A paixão sentida pela nação é como uma canção de tango: sofrida e dramática.


Homenagens também foram feitas em Nápoles, cidade do sul da Itália, onde Maradona jogou nos anos 80 e 90 e é venerado por todos. Centenas de pessoas foram para à porta do estádio do Napoli. No mesmo dia, o prefeito Luigi de Magistris anunciou em rede social que mudará nome do estádio San Paolo para Diego Armando Maradona, maior ídolo da história do clube italiano. Diego Maradona Junior, seu filho com a italiana Cristina Sinagra, despediu de seu pai pelo Instagram com uma emotiva mensagem. “O capitão do meu coração não morrerá jamais”, postou a mensagem como uma imagem do estádio de Napoli, que agora será rebatizado.

Essa paixão de Maradona foi percebida em suas inúmeras facetas, uma delas é bem conhecida por todos: a política. O povo argentino é conhecido por ser politizado, por ter passado firmemente pelos anos de Perón, pela ditadura militar, pelo governo do general Leopoldo Galtieri e, claro, pela guerra das Malvinas em 1982. Politicamente, ele é conhecido como ícone da esquerda latino-americana, mas deve-se salientar suas contradições quanto a seus posicionamentos.

Por ironia do destino ou por pura coincidência, o maior jogador de futebol argentino da história recente morreu no dia em que a morte do seu ídolo, o cubano Fidel Castro, completou exatos quatro anos. Sua admiração por Fidel era pública, tanto que Maradona tinha o rosto do ditador tatuado na perna esquerda. Já no braço direito, o rosto do guerrilheiro Che Guevara. Maradona também dedicou a Castro sua autobiografia, "Yo soy El Diego"

Uma hora após a confirmação da morte do jogador pelo jornal Clarín, a chancelaria de Cubana publicou em sua conta no Twitter que a história quis que eles partissem no mesmo dia. O Ministério das Relações Exteriores de Cuba ainda relembrou as palavras de Maradona sobre Fidel: “para mim, ele foi como um segundo pai, porque me aconselhou e me abriu as portas de Cuba quando, na Argentina, havia clínicas que fecharam para mim. Fidel não queria a morte de Maradona. Fidel as abriu para mim de coração”.

O esquerda mais famoso do futebol também foi próximo do líder da Venezuela Hugo Chávez e do atual ditador da Venezuela, Nicolas Maduro. Uma das imagens mais icónicas é a do jogador vestido a uma camiseta com a imagem do ex-presidente americano Jorge W. Bush e com a mensagem “Guerra Criminal” abraçado a Chávez. “Muita tristeza, nos deixou a lenda do futebol, um irmão e amigo incondicional da Venezuela. Querido e irreverente ‘Pelusa’, sempre estarás em meu coração e nos meus pensamentos. Não tenho palavras neste momento para expressar o que sinto”, publicou em sua conta no Twitter Maduro.


O ex-presidente da Bolívia Evo Morales também escreveu sobre o amigo. “Com uma dor na alma eu soube da morte de meu irmão, Diego Maradona. Uma pessoa que sentia e lutava pelos humildes, o melhor jogador de futebol do mundo”, escreveu Morales. Em 2008, um dia depois de criticar a Fifa e apoiar a realização de jogos em locais cuja altitude seja superior 2.750m, uma partida amistosa foi realizada na capital La Paz. O evento visava arrecadar alimentos em prol das vítimas afetadas com as inundações ocasionadas pelo fenômeno climático "La Niña".

Ano passado, quando a reeleição de Morales foi negada pela OEA, o jogador protestou. Na época, ele escreveu na sua conta no Instagram: “Lamento o golpe de Estado orquestrado na Bolívia. Principalmente para o povo boliviano e para Evo Morales, uma pessoa boa que sempre trabalhou para os mais humildes. #EvoElMundoEstaContigo”.

Maradona também teve a mesma atitude com os ex-presidentes brasileiros Lula e Dilma Rousseff. O jogador foi próximo do governo petista, os defendiam e se dizia “soldado de Lula e Dilma”. Na Copa de 2014, no Rio de Janeiro, Maradona se recusou a assistir aos jogos no estádio depois da presidente Dilma ser vaiada na abertura do evento. “Absurdo! Absurdo!", disse.

Nas suas redes sociais, o presidente Lula lamentou a perda. “No campo, foi um dos maiores adversários, talvez o maior, que a seleção brasileira já enfrentou. Fora da rivalidade esportiva, foi um grande amigo do Brasil. Só posso agradecer toda sua solidariedade com as causas populares e com o povo brasileiro. Maradona jamais será esquecido”.

Já a presidente Dilma Rousseff, impetimada em 2016, declarou em nota que lamenta com imensa tristeza e dor no coração sua morte. “Um gênio do futebol, ídolo da Argentina e amigo querido do Brasil e de todos nós que lutamos por um mundo mais solidário e menos desigual. Maradona também merece ser admirado pela defesa dos direitos dos povos da América Latina e do Caribe à soberania, à democracia e à justiça social”.


Não foram apenas políticos dos países da América Latina que prestaram suas condolências. O presidente francês Emmanuel Macron, publicou um longo texto em homenagem a Diego Maradona. Macron recordou o 2x1 da Argentina sobre a Inglaterra, nas quartas de final da Copa do Mundo de 1986, no México. "A mão de Deus tinha depositado um gênio do futebol na Terra. Agora, acaba de nos tirar", escreveu.

Macron chamou a partida de "o mais geopolítico da história do futebol" e colocou como adversário de Maradona e da Argentina "a Inglaterra de Margaret Thatcher". Quatro anos antes, a primeira-ministra Thatcher comandou o conflito armado entre a Argentina e o Reino Unido ocorrido nas Ilhas Malvinas. O saldo final da guerra foi a recuperação do arquipélago pelo Reino Unido e a morte de 649 soldados argentinos, 255 britânicos e 3 civis das ilhas.

Apesar de Diego ser conhecido como ícone da esquerda latina, ele jamais deixou de jogar do lado da direita também. Conhecido por suas contradições, talvez aqui elas fiquem mais acentuadas. Homofóbico, machista e misógino, se aproximou de ditadores durante a Ditadura Militar não para defender seus colegas jogadores que estavam presos e sendo torturados, mas sim para pedir um grande favor, ser eximido do serviço militar.

No pós-Guerra Fria, durante o governo do neoliberal Carlos Menem, o jogador foi bem próximo do presidente e defendeu as privatizações feitas pelo governo. Menem foi um dos convidados do programa de TV "Maradona Show" e recebeu a dedicatória da primeira autobiografia de Diego.

Mais recente, Dieguito se aproximou de regimes autoritários de direita no Oriente Médio. Em 2012, ele recebeu o título de Embaixador Honorário do Esporte de Dubai menos de dois meses após ser demitido do clube Al Wasl, dos Emirados Árabes Unidos. Nesse período, o argentino posou para fotos com xeques como o xeque Said bin Hareb.

Em 2008, Maradona esteve a favor dos fazendeiros que protestavam contra o governo de Cristina Kirchner. Um ano depois, quando a presidente o designou para ser técnico da seleção argentina, Maradona virou um kirchnerista. Em 2018, ele chegou a anunciar que poderia ser o vice-presidente numa chapa formada por ele e a ex-presidente. 'Muita tristeza! Muita. Foi ótimo. Adeus Diego, nós te amamos muito. Um grande abraço aos seus familiares e entes queridos", postou Kirchner no Twitter.

Na quinta-feira (26), em seu velório na Casa Rosada (sede do governo argentino), o presidente Alberto Fernández e a vice-presidente Cristina Kirchner estiveram presentes e prestaram sua solidariedade aos filhos do jogador. Fernández escreveu que Maradona levou o povo argentino ao topo do mundo. "Você nos fez imensamente felizes. Você foi o maior de todos. Obrigado por ter existido, Diego", completou. Nem o ícone Perón, morto em 1974, foi velado na Casa Rosada, e sim no Congresso, e as homenagens duraram dias.

O direitista, ex-presidente Mauricio Macre, também prestou sua pesar pelas redes sociais. "Um dia muito triste para todos do mundo do futebol, especiamente aos argentinos. São inapagáveis as enormes alegrias que Diego nos deu", publicou. O Papa Francisco, argentino e um apaixonado por futebol, enviou um terço e uma carta de condolências à família do ex-jogador. O diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé afirmou que o “Papa foi informado sobre a morte de Diego Maradona e que relembra com afeto as ocasiões de encontro desses anos e o recorda na oração, como fez nos dias passados desde que tomou conhecimento de suas condições de saúde.”

O presidente brasileiro Jair Bolsonaro, de extrema direita, até o fechamento desta matéria, não prestou suas condolências para o povo argentino. Bolsonaro é conhecido por gostar de futebol, ele já apareceu em público vestido com camisetas de diferentes clubes brasileiros, e até mesmo levou ministros do primeiro escalão para estádio de futebol. No entanto, ainda não se manifestou sobre a morte do maior jogador do século 20 da Argentina e amigo do Brasil.

No final do dia, o corpo de Diego Armando Maradona foi enterrado no cemitério Jardim da Paz, na Bella Vista, periferia de Buenos Aires, ao lado de sua mãe, Dalma, de quem sentia muita saudade, e de seu pai, Don Diego. A cerimônia foi fechada apenas para familiares e amigos próximos.

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