Caso alguém viesse até mim a meses atrás e falasse que eu estaria bem aqui: no palco do teatro da minha cidade, uma plateia lotada, as luzes apagadas e as mãos suando frio aguardando a batida inicial da melodia para dançar, eu diria que ela estava delirando, mas aqui estou... Como cheguei até aqui?
Prazer, me chamo Katherina Simas, estudante de jornalismo e agora, aluna de dança do ventre — quem imaginaria? Certamente não eu — e tudo começou com uma apuração para a matéria semanal.
Crônicas narradas por Katherina:
O luto não se restringe a morte de uma pessoa amada
A comunicação se torna prática, mas também fria
Crônica — Dependência Emocional: parece romântico, mas não é
Da apuração jornalística a dança
Em uma factual manhã de segunda-feira, meu editor diz que precisa que alguém cubra a inauguração de uma nova escola de dança na cidade — como boa novata que deseja mostrar serviço, logo me ofereci — e assim peguei a pauta e era básica: conversar com professores, alunos e a dona da academia de dança.
E tudo estava nos conformes, até que ao filmar uma roda da turma de dança do ventre a professora vem sorridente me puxar para dançar: naquele momento comecei a rir de nervoso, pois como recusar?
Mas algo ocorreu enquanto ela me ensinava os passos básicos — além da minha falta de coordenação e noção rítmica — a música me contagiou, meu coração passou a acompanhar as batidas da música que era alta ao ponto de senti-la no chão e fui preenchida por uma alegria sem precedentes.
Acredito que a professora tenha notado, pois, ao me despedir à caminho da redação, ela olhou no fundo dos meus olhos e disse:
Eu ri sem jeito e disse que pensaria no assunto, e realmente, este era o único pensamento que rodeava minha mente. Até mesmo ao finalizar a matéria, a música estava em minha mente e ao deitar na minha cama pensei que realmente, deveria voltar.
O início de uma jornada
Me direcionei até a academia para uma aula experimental e devo admitir que durante o percurso eu só me questionava se estava fazendo a escolha certa, se aquilo era para mim.
Todos foram muito receptivos e a professora abriu um sorriso ao me ver — quase como se ela tivesse certeza do meu retorno — e começamos a aula: ela me deu um xale rosa com “moedas” penduradas, para por na cintura, disse que ajudaria a analisar os passos.
Eu poderia vir aqui e falar que ao ouvir a música encontrei meu lugar e dancei como se estivesse destinada a isso, mas seria uma grande mentira: não conseguia me equilibrar na ponta dos pés, confundia a direita com a esquerda e parecia um robô enferrujado perto da graciosidade das outras alunas.
Ali mesmo conclui haver me iludido e nunca voltaria a fazer aquele papel de burra novamente, mas havia um problema: mesmo com todos os erros, gostei de como me senti, feliz e livre. Ao retornar a casa só pensava: “Isso é para mim? O que pensariam?!”
Quando tudo mudou
Por algum motivo que não sei explicar continuei indo às aulas, ainda sem jeito e me sentindo um peixe fora d'água, quase como se uma força interna me puxasse igual a um ímã, mas um dia, tudo mudou.
Era um sábado chuvoso e nublado, quase não levantei da cama, pois na mesma semana uma amiga de longa data falecera e eu perdi meu emprego, até aquele dia não sabia que a tristeza de um coração quebrado poderia se aliar a uma ira sem tamanho.
Meus olhos estavam vermelhos e a cabeça doendo de tanto chorar e gritar e quando acordei senti meu coração bater tão desesperadamente e fora do compasso como eu ficava nas aulas de dança, tudo o que eu queria era ficar na cama até o mundo parar de cair na minha cabeça.
Todavia, aquela força inexplicável me fez levantar da cama, tirar o pijama, lavar o rosto e ir para a aula de dança enquanto pensava: “basta ficar lá, no fundo, seja invisível".
Mas ao chegar na sala e encarar meu rosto inchado no grande espelho, sabia que não deveria estar ali. Me direcionei ao fundo da sala, coloquei meu xale e comecei a dançar, e não sei explicar o que ocorreu.
Fechei os olhos e deixei a música guiar meu corpo, enquanto lembrava dos bons momentos com minha amiga e a fala “desligada da empresa por motivos de…” em união. Eu dançava com força, ira eterna, meus passos tinham firmeza e confiança como jamais estiveram, meu coração disparava junto ao ritmo e ao cessar me joguei no chão sem forças e chorei como uma criança indefesa.
Todos na sala me olhavam, mas não me importava se era por errar a coreografia mais uma vez ou pela minha cena de criança desolada. Minha professora veio até mim no chão, me abraçou e disse:
Todos os alunos vieram me abraçar e eu chorava: pela perda e raiva, mas agora em simultâneo, eu me sentia salva, pois estava sendo coberta por amor.
Meus pés doíam tanto quanto minha cabeça, mas meu coração batia com mais calma e descobri que a dança não fazia bem somente ao meu corpo — que ganhou mais força e equilíbrio — mas ao meu emocional, fazendo extravasar toda a ansiedade e tristeza e com isso soube que dançaria para sempre.
E aqui estou: um ano depois no palco com os pés descalços sentindo o frio do palco, ouvindo a respiração da plateia e aguardando as luzes aliada a música para dançar com todo meu coração.