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11/12/2021 às 20h42min - Atualizada em 11/12/2021 às 14h20min

O agronegócio e a agricultura como práticas irresponsáveis no cenário ambiental

De um lado a viabilização do alimento, do outro uma crise ambiental severa, e o agronegócio colocando em pauta a relação entre o ser humano e a natureza.

Gabriela Ukracheski - labdicasjornalismo.com
Fonte: Blog FieldView/ Reprodução: Google

Desmatamentos, perda da biodiversidade,degradação do solo,desertificação, contaminação do solo, ar e água, produção de resíduos tóxicos, emissão exacerbada de CO2 na atmosfera,temperaturas desreguladas, catástrofes naturais. Tudo isso leva a sociedade a despontar para uma crise ambiental severa, onde se coloca em pauta a relação entre o ser humano e a natureza.

 

Será mesmo que é necessário colocar em risco a destruição da natureza a troco de fornecimento de recursos para os seres humanos? 

Será que oque se tem de recursos naturais disponíveis não é suficiente para atender às necessidades da sociedade humana ?

 

A globalização e as inovações tecnológicas têm fornecido um crescimento significativo para o setor industrial e para a população, através dele benefícios são gerados para a sociedade interferindo no dia a dia do consumidor,questões essas que são ligadas a qualidade de vida do indivíduo. Apesar dos benefícios que atendem parte das necessidades humanas, esse setor vai na contramão do meio ambiente sendo responsável por grande parte dos impactos e catástrofes ambientais que ocorrem de forma irresponsável pelas mãos humanas e que contraditoriamente afetam essa qualidade de vida.

 

Grande parcela desses impactos está ligada aos elos ou atividades ligadas ao agronegócio. O agronegócio é um conceito relativamente novo no contexto brasileiro surgiu por volta da década de 1990 para os dias atuais, e ele vem derivado/ traduzido do termo agrobusiness criado na Universidade de Harvard, que busca conceituar uma abordagem científica que se encarrega de analisar as questões relacionadas ao campo, mas levando em conta não apenas o campo em si, mas uma visão sistêmica da cadeia produtiva.Ou seja, analisa todos os processos que levaram para que aquele determinado produto chegasse nas mãos do consumidor.



 

O conceito de agronegócio se popularizou de certa forma no contexto brasileiro que muitas distorções foram criadas para explicá-lo, por exemplo muitas pessoas associam o agronegócio como qualquer produto comerciável como explica o professor da UENP e Doutor em Agronomia(Desenvolvimento Rural Sustentável) UFPR , Rogério Macedo,“Passou a entender agronegócio como qualquer produto agrícola comerciável,mas não considera um pequeno agricultor como um integrante do agronegócio, segmenta mais ainda o agronegócio está relacionado aquele produto agrícola comercial desde que seja de um grande produtor, por exemplo uma commodity, um grande fazendeiro de soja.”

 

Os números gerados pelo agronegócio são consideráveis para a economia brasileira, o PIB do agronegócio, calculado pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) em parceria com a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), avançou importantes 24,3% no ano de 2020, atingindo uma participação considerável de 26,1% do PIB brasileiro.

 

Do ponto de vista precisamente econômico, o agronegócio no Brasil é fundamental para garantir o balanço de pagamentos que temos na balança brasileira, esse balanço é feito a partir de duas contas fundamentais a balança de serviços( que por questões de estrutura econômica o saldo sempre fica negativo)e a balança comercial, essa segunda abrange as importações e exportações de coisas físicas, o Brasil importa muito, mas a partir do agronegócio exporta muito mais, ou seja, mesmo que o resultado da balança de serviços fique negativo quando associado ao resultado positivo da balança comercial, o saldo final dessa conta fica positivo, daí a importância do agronegócio para a economia brasileira.

 

No entanto, a importância do agronegócio vai além da economia, abrange questões essenciais para a vida humana como a alimentação, o agronegócio tem como base viabilizar o acesso ao alimento:“Se você não gosta de carne de porco, mas curte um salame, alguém vai ter que fazer esse salame. Aí entra em questão as agroindústrias, elas são as mais importantes do agronegócio porque sem ela você não tem uma quantidade gigantesca de alimentos, os quais hoje a gente depende na nossa alimentação” explica o professor. “Além de gerar cadeia de valor tanto para a indústria quanto para o agricultor, ainda alavanca o desenvolvimento tecnológico que pautado no ato de atender as demandas de alimentação precisava criar novos alimentos ou melhorá-los.” enfatiza o professor Rogério.



 

Vinculado a essa necessidade de sempre inovar, aperfeiçoar seus sistemas de processamentos e de atender às exigências do mercado utilizando cada vez mais tecnologias sofisticadas e não ambientalmente corretas, que as Agroindústrias contribuem de forma efetiva para aos impactos ambientais, como contaminação das águas, poluição atmosférica,utilização de insumos químicos, aumento de resíduos industriais e domiciliares.Mas não são só as grandes indústrias responsáveis por causar tamanhos impactos, num ato de hierarquizar essas culpabilidades as atividades e atitudes utilizadas para a produção de alimentos no campo começam a partir da prática agrícola, muito embora a mais nociva das práticas rurais seja a pecuária, a agricultura tem seu nível de culpa.

 

O termo agricultura faz referência a “arte de cultivar”, resultando então no conjunto de técnicas utilizadas para o cultivo da terra a fim de obter produtos dela, e quando se diz produto não quer dizer apenas o alimentício, pois através dos avanços tecnológicos e da biotecnologia a agricultura tem sido um banquete de fornecimento para produções de fibras, geração de energia, matéria prima na fabricação de roupas, combustível, medicamentos entre outros.A importância dessa atividade também é ligada à viabilização de alimentos, cadeia de valor, renda para famílias, entre outras.

 

O ponto é que para dar conta de atender toda a demanda das agroindústrias e do agronegócio que é extremamente forte, o elo agrícola e a agropecuária são "forçados" a adotarem um modelo tecnológico de produção que possa dar conta dessa pressão, ou seja, é preciso adotar um modelo fundiário que é o da monocultura pois ela possibilita uma grande produção em escala associada a tecnologia e biotecnologia, daí a necessidade do uso de sementes transgênicas, fertilizantes químicos e agrotóxicos que num efeito dominó a curto ou a longo prazo causam através das necessidades de atender às pressões comerciais o desmatamento para o plantio, uso da água, contaminação das águas e solos com fertilizantes e agrotóxicos e muito mais.O professor acrescenta um apontamento importante: "E aí nos últimos anos,nos anos Bolsonaro, soma-se a isso a insistente invasão e ocupação de terras indígenas e áreas de floresta na Amazônia para expandir o elo agrícola do agronegócio para atender essa demanda crescente do agronegócio.”

 

Esse contexto permissivo vindo dos representantes também pode ser validado como uma desculpa para as organizações justificarem seus atos apelando para a necessidade de atendimento de alimentação para a população: “Com o'que a gente tem de recurso natural hoje já disponível para agricultura, a gente já poderia produzir muito mais do que produzimos hoje(...) Se formos além do grande produtor de commodity e lembrar que existem milhares de agricultores que não produzem commodity, mas que produzem comida,esses a gente já tem tecnologia suficiente não é pra suavizar ambientalmente é pra produzir ecologicamente mesmo.” afirma o professor.

 

Há uma grande dificuldade pautada na resistência dos agricultores, que é convencer esse público em fazer uma mudança tão grande pois eles trabalham com escala e dependem dos resultados da escala para obter seus lucros, a adicionar que o valor investido por esses agricultores é muito elevado e eles não podem perder: “Hoje nós temos cinco milhões e setecentos mil agricultores no Brasil(...) Em termos de estabelecimentos nos temos 3,9 milhões de agricultores familiares e 1,2 milhões de agricultores do agronegócio, ou seja, o agronegócio representa em número de propriedade rural 23%, esses outros 77% que resta produzem comida, uma pauta de comidas que comemos está aqui nesses 77%” afirma o professor Rogério. 




 

Apesar de cada vez mais haver um aumento nos problemas relacionados ao meio ambiente, também há cada vez mais o surgimento de movimentos ambientalistas que lutam pela redução desses impactos por parte das organizações e trazendo em pauta a necessidade da indústria de repensar as práticas adotadas diminuindo a agressão à natureza. Esses modelos apresentam desafios para as organizações, logo que prescrevem o uso mais ambientalmente correto de seus insumos e processamentos, pautando a produção mais limpa e com responsabilidade.

 

Dentre esses modelos, uma prática sustentável que tem se destacado é o da Agrofloresta, definida pelo Engenheiro Agrônomo Felipe Spagnollo como “Um sistema complexo com várias nuances, mas em suma é um composto de vários consórcios de diferentes complexidades e espécies dependendo do sistema do agricultor, que inclui plantas herbáceas, perenes, frutíferas em geral”. 

 

Esse modelo de produção foi trazido ao Brasil pelo suíço Ernst Göstch.Ernst nasceu em 1948 na Suíça, onde cresceu e mais tarde trabalhou com pesquisas em melhoramento genético no Ministério Federal da Agricultura e Floresta da Suíça. Ao longo de sua pesquisa,questionou se haveria alguma possibilidade do ser humano obter melhores resultados caso optasse por adotar métodos de cultivo que trouxessem condições favoráveis às plantas e consequentemente ao meio ambiente, em palavras mais simples trabalhar com a natureza e não contra ela.Através de suas pesquisas, Ernst chegou à conclusão de que, a dinâmica da natureza quando associada à agricultura, proporciona um ecossistema mais equilibrado e com maior produtividade, alcançando assim a sustentabilidade.

 

O grande diferencial dessa prática sustentável em relação a todas as outras é que se baseia numa forma de produção usando os princípios da natureza, sem usar insumos do lado de fora, apenas com o próprio manejo do ecossistema. É a arte de levar a floresta ate a produção de alimentos ou vice-versa.

Essa técnica tem como objetivo a conservação ambiental, se trata de uma agricultura mais conservacionista e regeneradora, onde é interessante aplicá-la em áreas degradadas ou cultivadas para conservar esses locais e proporcionar produtos mais ambientalmente corretos, quanto mais trabalhar com a natureza mais recursos naturais são adquiridos e o retorno de muito deles também.




 

Um exemplo de regeneração proporcionada pela prática da Agrofloresta foi o caso da fazenda Santa Rosa de Sabáudia PR que hoje é sede do Projeto Terra Planta Orgânicos, como explica Eduardo Carriça esposo de Gabriela Oliveira Scolari,filha do atual dono da terra e que são os fundadores do projeto “A família da minha esposa sempre teve fazenda(…) Então na década de 50 o bisavô dela iniciou o trabalho com café no Brasil, naquela época ganhou muito dinheiro e comprou muita terra. Então depois passou para o avô, que trabalhou com gado, e depois o pai e os tios que trabalharam com o cultivo de grãos.” Ou seja, o terreno era resultado de uma série de práticas agrícolas irresponsáveis e para produzir oque eles desejavam era indispensável a recuperação daquele solo.

 

Entre erros e acertos descobriram a técnica agroflorestal e ela recuperou grande parte da fazenda, o sonho do casal é ver o local transformado em floresta:“ A agrofloresta é nossa vida(…)Vivemos pensando em como levar isso para as pessoas para que elas tenham consciência e seja possível melhorar um pouco e mudar a realidade do ambiente." explica Eduardo. Resultado dessa paixão pela agrofloresta, o projeto desenvolve cursos e mentorias  sobre a prática sustentável ensinando princípios agroflorestais.


Muito embora a técnica esteja em ascensão nos anos atuais e muitas pessoas ainda não tenham ciência da sua importância ou até de sua existência, a professora do Departamento de Ciências Florestais na UFPR, Rozimery G.Bezerra Gaspar, relata que a agrofloresta sempre fez parte de sua vida “A minha origem é rural, do interior de Mato Grosso, onde o cultivo em consórcio de espécies agrícolas e também o cultivo com espécies arbóreas e arbustivas sempre existiu, os Sistemas Agroflorestais, também conhecido como agrofloresta, é uma forma antiga de cultivo”

 

A professora faz um apontamento importante em relação a agrofloresta, os princípios dessa prática não se limitam apenas na recuperação de uma grande fazenda degradada, pode ser aplicada no dia a dia “Temos trabalhado em áreas urbanas e rurais, para mostrar que é possível ter a agrofloresta produtiva em quintais urbanos e rurais buscando a soberania e segurança alimentar, fator muito importante neste momento de crise econômica que estamos passando no Brasil.”

 

Outro fruto da agrofloresta é o projeto PronobisAgroflorestal da cidade de Campo Largo Pr pioneiro na prática agroflorestal aliada ao cultivo de shiitake(cogumelo comestível), também sem muitas experiências, o casal Karina e Thales decidiram abandonar a vida monótona na cidade e ir arriscar tudo no campo,entre erros e acertos, depois de 8 anos a iniciativa é referência no ramo, além de realizarem mentorias e uma feira e delivery de produtos orgânicos. Karina explica o'que ela na prática acredita ser os fatores que impedem que ainda muitos agricultores não adotem a técnica “Falta de acesso ao conhecimento, pois as pessoas ficam com medo de arriscar sem ter certeza de como fazer, o passo a passo, o quanto de dinheiro tem que investir o retorno.Tanto o conhecimento técnico quanto a viabilidade econômica, a gente poderia ter mais respostas assim como o sistema convencional tem.’’



 

O medo, a insegurança, o não saber se daria certo, não impediram Eduardo e Gabriela, ou Karina e Thales de arriscarem suas expectativas em fazer diferente do convencional, e através dessa persistência colhem bons frutos de iniciativas que tinham tudo para dar errado, mas que deram muito certo e hoje são repassadas e cada dia mais fazem parte de uma parcela significativa da população.

 

A agrofloresta parece ser uma utopia, já que não somos otimistas quando o assunto é reverter à situação ambiental catastrófica em que estamos vivendo, mas olhando para a essência e mecanismos que envolvem a prática agroflorestal é fácil compreender como ela pode ser a única saída quanto a continuar produzindo alimentos, porém de uma forma em que não seja preciso destruir tudo para construir novamente.

 

“Em aspectos ambientais é uma prática perfeita, ela segue todos os parâmetros de uma floresta natural. Em outras palavras, quanto mais assemelhar o nosso ambiente agrícola ao de uma floresta natural, os serviços ambientais que a gente vai colher vão ser os ideais” finaliza Felipe Spagnollo.

 

Por enquanto, esses movimentos ambientais sustentáveis ainda são relativamente poucos, mas no momento em que o mercado externo e interno exigirem produtos ambientalmente corretos sera nesse instante necessário uma transformação do agronegócio e de seus elos: “Algumas notícias dão conta de que alguns países importadores de soja brasileira estão devolvendo o produto por terem muitos resíduos de agrotóxico(...)Então já existe uma pressão de demanda inversa do mercado consumidor moderno da Europa, Ásia, Estados Unidos(...) A hora que for uma coisa muito forte os representantes do agronegócio brasileiro e os grandes produtores vão ter que se virar porque senão eles vão perder mercado.”enfatiza o professor Rogério.


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