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16/02/2022 às 05h37min - Atualizada em 11/02/2022 às 10h18min

Zuzu Angel: uma narrativa da moda como instrumento de expressão política

O legado da estilista mineira, passados 46 anos, aborda uma união do mercado da moda ao cenário político

Adriely Sousa - Editado por Andrieli Torres
(Reprodução/Itaú Cultural)

 

 

Zuleika Angel Jones, conhecida nacional e internacionalmente, como Zuzu Angel (1921-1976), foi uma estilista mineira, que compartilhou seus pensamentos políticos numa das épocas mais obscuras da biografia brasileira – a ditadura militar. A história dessa mulher empoderada, e de  representatividade no mundo da moda política, se passa na década de 70, os anos de chumbo, um contexto repressor, marcado pelas torturas, mortes, censura nos meios de comunicação social e falta de liberdade de expressão em discursos de oposição ao governo Médici. 
 

Com isso, o gancho dessa revolução se inicia com o desaparecimento, e posteriormente, com a descoberta da prisão, tortura e o assassinato do filho de Zuzu – Stuart Edgard Angel Jones, fruto do relacionamento com Norman Jones, um norte-americano. Na tentativa desesperada e sem pistas do assassinato, Zuzu começa a reunir provas e testemunhas do caso. Bem como, inicia a produção de peças que retratem o cenário caótico e sangrento que assolava o país. A estilista que ficou reconhecida por empregar referências da cultura brasileira às suas vestimentas, tais como: cangaço e baianas, temas regionais do folclore, florais que lembravam às chitas, rendas feitas à mão, um toque especial com as modelagens e uso do crochê, começou a transmitir o luto de uma mãe. O estilo que, em essência carregava bordados e estampas alegres, ganharam nuances e elementos escuros que enfatizavam o sofrimento de milhões de brasileiros. 

 

No ano de 1971, no evento intitulado “International Dateline Collection III”, desfilado em Nova York, Zuzu dividiu a apresentação de sua coleção em três seções: a primeira seria o Holiday, a segunda, Resort, e a terceira parte do evento, daria destaque ao seu manifesto político. As duas primeiras seções, mostraram a marca já reconhecida das peças de Zuzu – cores vivas, estampas e bordados coloridos. Já no terceiro caso, toda a vivacidade deu espaço às denúncias de abuso do regime militar: vestidos bordados com canhões, pássaros engaiolados, aviões de guerra e sua marca registrada, o anjo, estava ensanguentado. À primeira vista, os bordados pareciam ter sido feitos por uma criança, e Zuzu, personificou essa criança atrás das grades.  

 
Apesar do desfile-protesto ter sido bastante repercutido nos grandes jornais do Brasil na época, como Jornal do Brasil e O Globo, o teor político foi apagado. No lugar de destaque e suporte ao seu apelo político, Zuzu apenas recebeu elogios e análises do evento. Contudo, segundo o historiador James Green, ainda que a imprensa estivesse proibida a mencionar sobre o assassinato de Stuart, ou o manifesto da estilista, sua luta por justiça acabou se espalhando nos meios da classe média antiditadura, e teve notoriedade  de celebridades internacionais através da sua apresentação.
 
Há quem diga que, a moda representa apenas um deleite aos olhos e a sensação estética. Para outros, significa apenas costuras, retalhos coloridos – produzidos sem nenhuma preocupação com ideias exteriores a ela. Porém, sabe-se que a moda alia aspectos que derivam desde a maneira como nos enxergamos, como também, ansiamos que o mundo tenha uma perspectiva acerca dessa representação cultural. A moda conjuga nossa visão sócio-histórica, que perpassa desde o prazer estético, até o juízo de gosto puro. Além da moda ter esse caráter de renovação constante, também é uma agente de um sistema complexo que distingue grupos sociais, faixa etária, gênero e raça.
 
Tendo em vista o processo de criação das peças de Zuzu, era evidente o orgulho às raízes, e valorização da história e estética brasileira. No livro “Sintaxe da Linguagem Visual”, Donis A. Dondi enfatiza que, a maior parte do processo de concepção visual perpassa diretamente com a finalidade de registrar, preservar, reproduzir e identificar pessoas, lugares, objetos ou classes de dados visuais. Como consequência, infere-se que uma produção, sendo ela formal ou informal, vem carregada de impressões, sentimentos e mensagens específicas, nunca dissociada da análise de um repertório cultural ou social do indivíduo.
 
Em panorama a esses conceitos, Zuzu Angel, além de descrever de maneira artistíca seus ideais, tinha o intuito de propagar sua revolta e desamparo da sociedade perante às atrocidades do regime militar. Uma mulher que outrora costurava para conseguir o sustento dos filhos, e depois, com o reconhecimento das damas do governo e celebridades, começava agora, a desempenhar um papel mais cívico e fraternal. Assim, a moda política atraiu muitos admiradores, e consequentemente, autoridades inimigas.

Segundo o filósofo e sociólogo francês, Pierre Bourdieu, a moda transpassa os eixos: socialização, habitus e distinção, pois além de serem espaços que oferecem a cultura, dispõem do diálogo entre indivíduo e sociedade. Dessa maneira, as práticas e representações da cultura e arte, conectam o mundo material, que seriam as estruturas objetivas, e o mundo simbólico que diz respeito às estruturas mentais/subjetivas e diferenças intergrupais.

Dentro desse contexto, comumente associam a moda, como se esse sistema representasse apenas vestimentas, roupas e acessórios. Entretanto, compreende-se que seu conceito, está atrelado à maneira como os indivíduos interagem no tempo e espaço (seja ele social, histórico ou cultural). Com isso, essa prática associa tanto a beleza corporal, como também, nos faz enxergar os anseios, sentimentos e mudanças oscilantes dos autores sociais. Em 2014, foi inaugurado o Museu da Moda, que conta com diversas peças da estilista, tendo sido idealizado pela jornalista Hildegard Angel, filha de Zuzu. Até hoje, a estilista pioneira da moda abrasileirada, é símbolo de força, luta e empoderamento feminino. Em 2006, a história de Zuzu ganhou as telas de cinema, com um elenco e produção especial da Globo Filmes, com patrocínios da Petrobras, Eletrobrás, BNDES e outros. 

 
  Filme Zuzu Angel (2006)
 
O filme retrata a história da prestigiada estilista mineira Zuleika Angel Jones, mais conhecida como Zuzu Angel. O cenário se passa na década de 70, os anos de chumbo no Brasil, sendo marcado pelas opressões, violência e atrocidades do regime militar. Nesse drama, Zuzu, protagonizada pela atriz Patricia Pillar, depois do assassinato de seu filho, Stuart Edgard Angel Jones (Daniel de Oliveira), fruto do relacionamento com Norman Jones, um norte-americano, começa a procurar as pistas e motivações do homicídio e, também o direito para enterrar o corpo do filho.

Diante de toda essa turbulência, Zuzu começa a criar peças e divulgar desfiles-protestos que provocam a fúria do governo vigente na época, conseguindo também, aliar esforços com alguns contatos no exterior. O que acaba dando mais enfoque na obra, é a retratação de como cidadãos que reivindicavam seus direitos humanos essenciais, sofriam torturas, perseguições e censura. Enquanto isso, o Brasil ainda estampava a faceta de um país tranquilo e fraternal. A odisseia de Zuzu, conectando o mercado da moda à política, nos traz diversas reflexões cativantes e repassa a consciência de que, enquanto cidadãos, somos responsáveis pela remodelação da biografia política, tal como, devemos estar atentos às relações sociais, culturais e simbólicas que se instalam na democracia.
 

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