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20/11/2023 às 10h44min - Atualizada em 20/11/2023 às 11h24min

Crônica: Trabalho invisível com recompensas reais

O trabalho de cuidado realizado por mulheres beneficia todo um sistema, menos a elas

Dominik Pereira - Editado por Fernando Azevêdo
Reprodução/Outras Mídias
Cinco horas da manhã e Maria já está de pé. Acorda cedinho, todos os dias, para preparar o café do seu marido que vai trabalhar. Depois que ele sai, é hora de cuidar das crianças: João, Marcelo e Clarisse. Acorda os pequenos, dá banho, veste a roupa, penteia os cabelos, coloca o café da manhã e leva para a escola. Chega em casa, e é hora de cuidar do lar, lavar a louça, varrer e preparar o almoço antes de ter que buscar as crianças. Todos os dias a mesma rotina, uma semana que parece mês de tão longa, Maria vê a vida passar como um borrão, presa em sua rotina de cuidado. 

Quando chega o fim de semana o trabalho aumenta, o marido está em casa e quer atenção da sua esposa. Ela diz estar cansada, mas, segundo ele, sem motivos, porque ela "não trabalha". 

Ninguém sabe, mas essa não era a vida que Maria desejava. Tinha o sonho de ser escritora, amava os livros e queria viver disso, porém, quando casou, o marido logo tratou de tirar essa ideia da sua cabeça. Disse que queria filhos e ela pensasse nisso depois. Logo vieram as crianças e o sonho foi ficando para trás. Em seu coração, ele ainda persiste. Maria escreve todas as noites, depois de cumprir sua última tarefa do dia é hora de se dedicar, por alguns minutos, a si.

Ela sempre espera seu marido dormir profundamente antes de pegar seu caderno, não quer correr o risco de ele ver e repreendê-la de novo. Maria gosta de escrever porque esse é seu único momento de liberdade, no qual não tem a obrigação de cuidar de ninguém. É o momento dela. Porém, as horas passam e logo um novo dia nasce, mas para Maria é só mais um dia.  

Existem muitas Marias espalhadas pelo mundo. Abriram mão de seus sonhos e desejos em prol de terceiros, mas ainda escutam todos os dias que não cansam porque não trabalham. Como se a casa se limpasse sozinha, a comida quentinha do fogão aparecesse por mágica, as roupas autolimpantes. Tudo isso é feito por alguém. Quem? Uma mulher. 

São mulheres que sustentam esse sistema, a sociedade é firmada em cima dessas trabalhadoras que não têm seus esforços reconhecidos, mas todos colhem os frutos e os benefícios desse trabalho. Mulheres são destinadas a cuidar de pessoas desde sempre, como se ser mulher fosse sinônimo de cuidado. Por que a invisibilidade desse trabalho não é discutida? Porque não querem mudar algo que os beneficiam tanto. 

Quem cuida dessas trabalhadoras? Ninguém. Só elas podem se cuidar entre si, se o marido adoece a mulher cuida, se ela adoece o marido vai embora. Se mulher é sinônimo de cuidado, homem é sinônimo de abandono. 

Maria olha pela janela e imagina que um dia vai conseguir realizar seu sonho e mostrar suas histórias para o mundo. E digo que vai, porque nunca é tarde para mudar de rota, sempre podemos começar de novo. Não é tarde demais e você não está velha demais para realizar seus objetivos que foram deixados de lado por tanto tempo, em prol de uma trabalho que não tem remuneração e nem descanso. 


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