Uma tela de pintura simples, tintas escolares, um pincel e muitos pensamentos: são esses materiais que têm me ajudado a respirar na pandemia, nunca pensei que isso fosse possível.
Prazer, meu nome é Luis, já compartilhei com vocês minha experiência como calouro em meio ao isolamento social (para ler, clique https://labdicasjornalismo.com/noticia/6493/primeiro-ano-de-ensino-remoto-e-pandemia-o-que-aprendi), mas o engraçado é que aquelas palavras motivacionais já não me cabem, estou exausto.
A dor
Me encontro amargurado com esse mundo, que parece perdido, com as alarmantes mortes diárias e principalmente com o fato de, em meio a tudo isso, ser obrigado a produzir trabalhos como se nada acontecesse e eu fosse capaz de tudo.
Compartilhei tudo isso com minha psicóloga e sua resposta foi uma surpresa: “o que acha de transferir tudo o que sente para uma pintura?”, de início neguei: sim, assisto vídeos de pintores, mas como hobby, sou uma negação em trabalhos manuais. mesmo assim ela disse “ao menos compre uma tela, tintas, pincéis e guarde, nunca se sabe” e assim fiz.
O grande ato
Mas eis que um dia aconteceu: em meio a uma crise de ansiedade onde todo exercício de respiração parecia inútil, me senti movido por um instinto quase que primitivo, peguei os materiais e pintei com tudo de mim. O resultado? Surpreendente.
Inicialmente tentei fazer pinceladas leves para controlar a respiração, entretanto, parecia que meu corpo não pedia por controle e sim por liberdade, e assim - logo eu, um cara que vive no controle - fiz: larguei o pincel, joguei a tela no chão branco do meu quarto e soltei a “fera” em mim.
Peguei as tintas com minhas próprias mãos e as joguei com toda a agressividade existente em cada fragmento do meu ser, nem pensava no que estava criando, apenas misturava cores aqui e ali.
Sentindo meu corpo relaxar com a sensação molhada, cremosa e fria das tintas em minhas mãos, que se misturavam com as lágrimas pesadas que escorriam do meu rosto até a tela, com tanto peso que causava alívio.
Obra final
O resultado? Cores intensas: fundo preto como o luto que percorria minha alma, nuvens de um branco tão fraco, simbolizando a esperança de seu pintor sendo consumida pelo preto que sobrevoava sua vida e por fim, manchas vermelhas... o significado do vermelho? a raiva presente em meu olhar.
Ao encará-la fiquei surpreso: definitivamente não era uma tela digna do Louvre, eu nem sequer havia pensado na escolha de cores, mas ela transparecia toda a dor, frustração e raiva que eu sentia, me ajudando a encontrar as palavras que eu tanto buscava para me expressar nas sessões de terapia.
Quando a olhei comecei a chorar novamente, mas dessa vez de alívio: claro, meu peito ainda doía - e continua assim - mas as lágrimas eram de alívio pois, por um tempo lembrei o que era respirar.
Aprendizado
Ao fim, meu chão estava imundo (odeio sujeira) mas até a limpeza foi terapêutica: como se ao ver a tinta sendo lavada do chão, a dor era igualmente retirada de minha alma.
Na sessão seguinte à "criação" falei cada detalhe para minha terapeuta: como me senti do início ao fim, a sensação de raiva seguida por lágrimas de alívio, o poder com a tinta em minhas mãos, e ela me explicou algumas coisas.
Disse que tudo isso foi resultado do que ocorre quando nos permitimos ser levados por nosso subconsciente: as cores foram escolhidas de forma instintiva, possivelmente baseada na psicologia das cores: onde as cores são definidas não por nosso gosto pessoal, mas sim pelo seu significado em nosso instinto humano.
Hoje posso dizer que aderi a pintura na minha rotina mesmo não sendo profissional - e nem desejando ser - . “E as dores, Luis ?” Você me pergunta: ainda estão aqui e estou trabalhando para melhorar, mas pintar com certeza me ajuda a expressar o que sinto: um puro instinto de sobrevivência, que em meio a esta pandemia, é o que desejo: sobreviver!