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21/10/2021 às 20h14min - Atualizada em 21/10/2021 às 19h48min

Crônica: onde está minha criança interior?

Cadê aquela felicidade pelas pequenas coisas da infância na hora que crescemos?

Hellen Almeida - Editado por Andrieli Torres
Ilustração: Ciclo da vida //Reprodução: Freepik.

Ainda sou capaz de me recordar facilmente dos dias despreocupados da minha infância, onde me direcionava ao meu pai com toda a seriedade que podia, como se o que eu fosse falar se transformasse em um decreto mundial — hoje entendendo o por quê sua expressão era de alguém que controlava a risada, mas na época ficava irada — e eu dizia:

 
“Papai, ser criança é chato, eu quero crescer!”
 

Bem, não posso culpá-lo por não me levar a sério a ponto de desejar rir, afinal eu também sinto essa vontade, pois se eu ao menos soubesse o que significaria crescer — uma vida adulta repleta de impasses e competições intermináveis, muitas responsabilidades e expectativas sociais para pouca alegria —  iria preferir ser como o Peter Pan: criança para sempre, afinal…

 

Onde está a minha criança interior?

 

Bom, perdão caro leitor, sempre esqueço de me apresentar: prazer, me chamo Clara Fernandes, sou estudante de jornalismo e já compartilhei experiências e reflexões por aqui, como essas:

 

Crônicas narradas pela Clara:

 

Recentemente estava na casa de campo da minha avó e em meio ao chá quente com bananas fritas com canela e açúcar — sempre faz este prato especialmente para mim  — digo-lhe que me sinto triste, insatisfeita e incapaz de lidar com este mundo competitivo da vida adulta, já não vejo propósito em minhas escolhas tudo o que eu queria era voltar a ser criança.

 

Parecia que minha avó estava apenas esperando esta fala, para sorrir e me informar que encontrou no porão uma caixa com brinquedos da minha infância, eu disse que poderia doar, mas ela insistiu que eu desse uma olhada no conteúdo, e assim fiz.



 

Eis que em meio a tantos brinquedos empoeirados e esquecidos pelo meu crescimento, encontro um em específico que me surpreende: uma boneca de pano rosa que minha tia fez para mim quando eu completei seis anos. E ao abraçar aquela boneca de sorriso feito por uma caneta para tecido, fui transportada para a felicidade da minha infância.

 

Apertem os cintos, a viagem será intensa

 

Como se em um piscar de olhos eu me encontrava na casa onde passei meus anos de criança: estava com meu pijama rosa, a mesma boneca de pano em um braço e a manta da Barbie em outra me direcionando para a televisão, animada para passar mais um sábado deitada no sofá assistindo desenho animado: cantando as músicas de abertura, levantando para dançar balé com a Barbie em seus filmes e cantar as músicas dos clássicos Disney com toda a força em meus pulmões.

 

Estava tão feliz, não havia nenhuma preocupação como contas a pagar, trabalhos para entregar, apenas me importava com o qual seria o próximo desenho, e quando pensei que não poderia melhorar, minha mãe se direciona a mim e com um abraço apertado pergunta:

 

“Que tal ajudar a mamãe a fazer um bolo?”

 

Ah! Nada fazia com que eu me sentisse mais importante do que “ajudar” nas tarefas de casa, em um piscar de olhos peguei sua mão — tão grande perto da minha — e a puxei em direção a cozinha, mas sem esquecer de pegar uma cadeira para mim — apenas assim para ter altura o bastante para alcançar o balcão da pia — e começamos a arte.

 

Nunca fiz muito além de observar minha mãe trabalhar, uma vez ou outra quebrava os ovos, ou misturava os secos com os líquidos — com certo esforço, pois a massa era pesada para meus bracinhos — eu amava sentar perto do forno e ver a massa crescer.



 

Enquanto “limpava” a tigela com a massa restante e uma colher maior do que meu rosto para sair correndo chamar minha mãe quando estivesse pronto e sentir o maravilhoso cheiro de chocolate e canela dominando toda a casa e depois esperar o que parecia uma eternidade para que esfriasse e eu sentasse no sofá com um pedaço bem grande.

 

E quando todos chegavam a casa, eu pulava como um canguru, falando com a maior satisfação do mundo que o bolo também fora feito por mim. Todos provaram e disseram estar excelentes, me parabenizando como uma chefe de cozinha em Paris e eu sorria de tanto orgulho. 

 

O único pensamento que rondava minha mente era: “nossa, como eu conseguia ser feliz e grata pelos pequenos momentos do meu dia! Quando isso se perdeu: quando entrei no Fundamental II, talvez? Mas por qual razão deixei isso ocorrer?!

 

Ao cair da noite, meu pai chega a casa e me abraça forte enquanto me ergue até o céu — sempre me senti uma super-heroína nesse momento — conto-lhe sobre os desenhos que vi, o bolo que ajudei a fazer e ele presta atenção como se fosse uma reunião de trabalho: atento. Quando ele termina, diz a frase que chateava muitas crianças, mas nunca a mim:

 

“Vamos nos arrumar para dormir?”

 

Eu amava este momento tanto quanto acordar para assistir desenhos: minha mãe me dava banho com brinquedos ao meu redor, botava meu pijama e penteava meu cabelo, me dava um beijo de boa noite e ascendia as minhas “estrelas engarrafadas” como eu gostava de chamar: um abajur que quando aceso formava um céu estrelado por todo meu quarto.



 

Depois, meu pai vinha com a história do dia — sempre Turma da Mônica — e me deixava passar as páginas enquanto ele lia para eu dormir (na época ainda aprendia a ler, mas amava ver as ilustrações e tentar adivinhar as palavras) e nesse momento eu pensava:

“Não vejo a hora de crescer para escrever histórias para outras crianças.”
 

Então me lembrei: foi por isso que escolhi cursar jornalismo anos depois! Ser uma eterna narradora e contar as histórias de todas as pessoas do mundo…

 

Ser feliz como uma criança, sendo adulto: possível?

 

De repente eu estava de volta ao porão da minha avó abraçada com a boneca de pano — que parecia agora  pequena em minhas mãos de adulta — e sentia um misto de alegria e tristeza: estava triste, pois queria viver naquele mundo para sempre e com a minha volta, o peso da vida adulta me tomou como nunca.

 

Mas estava feliz, pois lembrei de como fiquei feliz com coisas simples e o motivo pelo qual escolhi esta graduação. Claro, é mais difícil ser feliz com tantas obrigações, mas não faria mal parar por um tempo e fazer um bolo, assistir um desenho da minha infância e apenas lembrar o que me agradava.

 

Quando sai do porão, minha avó veio com o clássico bolo de chocolate com canela e perguntou, como se esta fosse a sua intenção desde o início:

“Tudo bem minha netinha? Parece até que viajou no tempo.” 
 

Sorri e respondi que ela não estava errada, voltamos para a mesa e comemos o bolo conversando sobre tudo e, em simultâneo, sobre nada, daquele instante em diante eu decidi que faria o possível para ser feliz com coisas simples, como uma criança.

 

E você leitor: onde se encontra a sua criança interior? 


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