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04/04/2019 às 10h29min - Atualizada em 04/04/2019 às 10h29min

Resenha: O Conto da Aia - Margaret Atwood

Adrieli Fátima Bonini
Foto: Adrieli Fátima Bonini
O Conto da Aia foi escrito originalmente em 1985, de autoria da canadense Margaret Atwood. O livro gira em torno de um universo distópico, onde as mulheres são tratadas como meras ‘barrigas de aluguel’. A obra inspirou a série homônima (The Handmaids Tale) ambientada pelo canal de streaming Hulu. A ficção futurista de Atwood habituada na forma de um Estado teocrático e totalitário no qual as mulheres são as vítimas preferidas da opressão, tornando-se propriedade do governo.

Offred é uma moradora da República de Gilead (anteriormente, conhecida como os Estados Unidos). Dezenas de fatores fizeram com que as pessoas se tornassem inférteis, ocorrendo uma grande preocupação com a natalidade em declínio. Offred, possui uma única função nessa sociedade, a de ser uma Aia: uma mulher responsável por gerar um filho para a família de um membro do alto escalão do governo. Gilead, um país extremamente teocrata, preso nas crenças do Antigo Testamento, onde delimitam-se os papéis das mulheres: as reprodutoras (Aias) esposas (Tias), e domésticas (Marthas). E é por meio dos olhares de Offred que o leitor tem um reflexo desse sistema perturbador.

A narrativa de Offred volta diversas vezes ao passado, a mesma foi capturada 3 anos antes da conjuntura atual narrada no livro. Em Gilead, as mulheres são proibidas de ler e escrever (com exceção das Tias). Dessa maneira, a oralidade torna-se o objeto principal da narrativa. Como Offred não pode escrever, ela conta ao leitor o que acontece; estamos todo o tempo imersos na mente dela, o que torna a leitura sufocante e intimista. A mesma narra, profundamente, seu tédio, apatia, medo, angústias e, é claro, as suas lembranças, de uma época onde possuía amigos e uma família, numa época tão distante onde havia garantia de liberdade.

Atwood traz uma reflexão pertinente: nada do que conhecemos muda drasticamente, de uma hora para outra. Muitas vezes ocorre lentamente, e é através dos discursos dos governantes e indivíduos que percebemos o que está por vir. Em O Conto da Aia, há a existência de matérias de jornais relatando o início das mudanças no país. No entanto, a população acaba por ignorar os “alertas”, eles não dão ouvidos. Até o momento em que ocorre a explosão, que muda todo um país.

Outra reflexão interessante trazida pela autora, é sobre o papel da mulher na sociedade de Gilead. Nesse contexto extremista religioso, as mulheres são escolhidas a papeis extremamente estereotipados: mulheres submissas, designadas exclusivamente a serem mães, donas de casa, e esposas servis. Sem a possibilidade de ler, escrever, trabalhar e nem conversar normalmente. Enquanto as Tias usufruem de autoridade, porém, somente com mulheres sob sua tutela. É nítido que a função biológica dita as regras em Gilead: sendo a reprodução o pilar dessa sociedade, gays e lésbicas inférteis são simplesmente descartados.

O Conto da Aia exerce um trabalho meticuloso em retratar o patriarcado e o poder em que ele tem de destruir uma sociedade, de ferir, de matar, de retirar a liberdade das mulheres. Por meio de lavagens cerebrais, as Tias fazem com que as mulheres aceitem seus papeis sem pestanejar e que condenem as que saem da norma. Além disso, a obra revela a hipocrisia do sistema, ou seja, apesar de Gilead ser regido por regras religiosas punitivas, os comandantes desfrutam de prazeres proibidos graças ao seu status elevado no governo.

Como mulher e feminista, concluo ressaltando o quanto a leitura de O Conto da Aia se configurou pesada, angustiante, imprevisível. A história não possui um final feliz, nem uma reviravolta. A intenção da autora é de nos fazer mergulhar na mente de Offred e no universo desesperador da obra. Ela narra com realismo e verossimilidade, uma situação distópica com estruturas reais. E nos deixa um recado: ninguém está livre de sofrer uma mudança devastadora, mesmo que ocorra vagarosamente.

 
Editado por Leonardo Benedito.

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