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08/08/2020 às 17h52min - Atualizada em 08/08/2020 às 17h52min

​Desafios do TDAH na vida adulta

Adultos também podem ter diagnóstico de Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade; portadores relatam dificuldades para tratamento

Luana Lima - Revisado por Mário Cypriano
Créditos: Freepik
O Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), normalmente, é conhecido como uma condição que afeta crianças e adolescentes. No entanto, os adultos também podem apresentar o diagnóstico. Dados da Organização Mundial da Saúde indicam que, no Brasil, há cerca de 2 milhões de adultos vivendo com TDAH. Ademais, 3 a 5% das pessoas no mundo o têm.

Entre as características mais comuns do TDAH estão a desatenção, a impulsividade e a hiperatividade. Por ser um transtorno neurobiológico o diagnóstico é feito clinicamente por um psiquiatra ou neuropsicólogo, com base na análise dos sintomas dos pacientes, testes e questionários. O TDAH não é identificado por meio de exames biológicos, como de sangue ou eletroencefalograma. Por fim, na maioria dos casos, ele é hereditário. Desse modo, se o pai ou mãe o apresenta, provavelmente, os filhos terão. Acredita-se que seja mais comum no sexo masculino, mas mulheres também o manifestam, inclusive, são mais subnotificadas.

“Há questões biológicas e também genéticas envolvidas (...). Esse transtorno é de características hereditárias e age principalmente na região frontal e pré-frontal do cérebro com diminuição de neurotransmissores, que seriam a dopamina e a noradrenalina. E eles têm interferência na memória operacional e nas funções executivas”, explica a dra. Ana Christina Mageste, psiquiatra e coordenadora do ambulatório de TDAH do Hospital João Paulo II em Belo Horizonte. Existe ainda 3 tipos de TDAH: o desatento, o hiperativo-impulsivo e o misto, que apresenta todas as características anteriores.

Mageste explica que durante um tempo acreditava-se que não existia TDAH em adultos. Porém, segundo ela, já se sabe que em cerca de 50% dos casos não há regressão, evoluindo para a fase adulta, especialmente, quando não há tratamento adequado na infância.

Entre as situações mais comuns que indicam o TDAH em adultos está a ansiedade, dificuldades em manter a faculdade, empregos ou relacionamentos e desorganização, em geral. “Há essa descontinuidade de objetivos. Além disso, tem o uso exagerado de substâncias, como álcool e drogas”, destaca a médica. Assim, o portador de TDAH também tem mais propensão a desenvolver vícios.

A psiquiatra ressalta que para que o diagnóstico seja dado, é preciso que os sintomas estejam presentes em dois ou mais ambientes, causando prejuízos para as relações sociais e trabalho ou escola, por exemplo.

 

Diagnóstico tardio x comorbidade  


Apesar de possuir características bem marcadas, o TDAH não é tão simples de ser identificado. Isso porque, geralmente, quem tem Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade também está mais suscetível às comorbidades, ou seja, a outros transtornos associados, como depressão, ansiedade, etc., que podem acabar mascarando a condição.

É o caso da jornalista Luana Ibelli, de 31 anos. Ela está estabilizada do Transtorno Bipolar há 2 anos e meio e só descobriu o TDAH no início deste ano. “Eu tinha estereótipos do TDAH: é aquela coisa de criança que não para quieta, que quebra tudo e tem problemas na escola”. Ela conta que, depois do diagnóstico, percebeu que o Transtorno Bipolar se confunde com o TDAH em muitos pontos, como na impulsividade e na falta de atenção. Então, não foi possível que seu psiquiatra levantasse a suspeita anteriormente.

“Eu sempre fui tagarela, interrompia as pessoas, esbarrava nas coisas, estava sempre roxa (...). Sempre fui a desligada da turma, a que não lembrava das coisas. Na escola, eu me dava muito bem nas matérias, mas em exatas, como física e matemática, eu não conseguia entender nada, não conseguia me concentrar. Hoje, conhecendo o transtorno, eu sei identificar as coisas na minha vida que já o indicavam, consigo ver em que momentos elas ficaram escondidas. Esse é justamente o desentendimento do TDAH: como você tem se ia bem na escola, fez mestrado e concurso público? Mas o mestrado, por exemplo, foi um inferno, muita dificuldade para concentração e com a procrastinação”, relata Luana.

Atualmente, ela trata o TDAH por meio de estratégias de planejamento, uma vez que faz home-office e depende exclusivamente desta organização pessoal. Além de contar com acompanhamento profissional e utilizar medicamentos.

Ana Christina Mageste explica que o TDAH pode passar despercebido, muitas vezes, porque há um hiperfoco, isto é, o portador consegue se concentrar em atividades que lhe dão prazer, como o videogame, em alguns casos, ou em matérias específicas da escola, como as que Luana Ibelli gostava. Então, a descoberta pode vir em momentos em que o portador do TDAH precisa realizar atividades que lhe sobrecarregam de alguma forma.

A atriz e produtora Marcela Siqueira recebeu o diagnóstico para Déficit de Atenção (TDA) há cerca de 1 ano, aos 38 anos de idade. As suspeitas tiveram início enquanto buscava tratamento para o filho, que também tem TDAH. “Eu já fazia acompanhamento psicológico com diagnósticos equivocados. Preenchendo o formulário dele eu me dei conta de toda uma existência, e percebi que o que eu tinha nada mais era do que o Déficit de Atenção”, relata.


Marcela Siqueira - Foto: reprodução/instagram

Agora, ela consegue ter mais clareza sobre os desafios, influenciados pelo TDA, que enfrentou durante a vida. Marcela destaca o incômodo com a procrastinação, sensação de baixa energia, cansaço mental, dificuldade em concluir as tarefas e falta de habilidades sociais. “Ao longo da minha vida, eu tive alguns problemas de saúde bem graves: 4 depressões fortes, transtorno de pânico, transtorno de ansiedade e saí de todas elas porque eu precisava sobreviver. Eu não tive tratamento e os médicos que me acompanharam na fase adulta sempre disseram que não entendiam como eu tinha saído dessas crises sem um acompanhamento, pois realmente é muito difícil.”  

Através de acompanhamento adequado para o TDA e outros tratamentos complementares como meditação, boa alimentação, atividade física e acompanhamento terapêutico, ela consegue ter uma vida mais saudável.

 

Desinformação e preconceito


Porém, para conseguir um tratamento eficaz é preciso ter acesso à informação. Além de sofrer com os prejuízos mentais do TDAH, falta muito conhecimento sobre o assunto. Por isso, os grupos de apoio são importantes. Yuri Maia é idealizador e criador do TDAH Descomplicado. Ele convive com o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade desde criança e teve a ideia de desenvolver o projeto a fim de promover uma rotina mais saudável para as crianças diagnosticadas e seus pais. Mentorias, vídeos, materiais educativos, entre outros, são disponibilizados pelo instituto também para professores e educadores.

Yuri Maia em palestra para evento da DislexPi, em Teresina - Foto: arquivo pessoal

Yuri foi diagnosticado aos 7 anos de idade e teve a infância marcada por dificuldades escolares e sociais. No entanto, mesmo após o diagnóstico, não recebeu o tratamento adequado. Apenas aos 22 iniciou com o acompanhamento profissional e a medicação. Até que a condição fosse descoberta, ele sofreu agressões, inclusive, por parte de educadores. “A vida do TDAH é desgastante”, destacou quando relembrava o episódio em que a professora o agarrou pelos ombros enquanto gritava frases como: “por que você não fica quieto?”

Luana Ibelli também fala sobre o assunto por meio de um canal Youtube, o Tanta Vida, onde ela aborda suas vivências com Transtorno Bipolar e TDAH. “Você consegue viver com ele [o TDAH] a partir do momento em que você entende como funciona”, disse a jornalista.


Luana Ibelli para seu primeiro vídeo no Youtube - Foto: arquivo pessoal

A falta de entendimento sobre o TDAH faz com que ele seja frequentemente associado apenas a uma indisciplina, por isso, a medicação também não é vista com bons olhos. Entretanto, para que o tratamento seja eficaz, na maioria dos casos, é necessária uma associação entre medicamentos, como o Metilfenidato, e um acompanhamento terapêutico. A Terapia Cognitiva Comportamental (TCC) é uma das mais indicadas.

Para que os adultos não enfrentem tantos desafios, é preciso que o tratamento seja iniciado logo na infância e esteja livre de preconceitos. Ana Christina Mageste relata alguns casos comuns de se ouvir em consultórios e destaca que isso afeta a autoestima das crianças, que acabam se tornando adultos depressivos. “Tem criança que fala comigo assim: ‘nossa doutora, eu não sabia que eu era inteligente, eu achei que eu fosse burro!’. Outra já disse ‘na minha sala todo mundo sabe ler, menos eu’.”

Atualmente, o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece apoio apenas para crianças e adolescentes com TDAH. Já os adultos permanecem desamparados, o que dificulta ainda mais o diagnóstico e acompanhamento profissional para quem não tem condições de obter tratamento pela rede particular.

Dados obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) mostram que em 2018 foram realizados 3.439 atendimentos para indivíduos portadores de TDAH nos CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) em todo Brasil. Destes, quase 70% tinham entre 5 e 14 anos de idade. Menores de 5 anos representaram 11,34% dos atendimentos. 276 adolescentes de 15 a 19 anos foram atendidos e apenas, aproximadamente, 10,8% eram adultos de 20 a 59 anos. Das pessoas com mais de 60, foram realizados 50 atendimentos. 

Muitas barreiras ainda precisam ser quebradas para que o tratamento do TDAH seja viável e os preconceitos, amenizados, principalmente na legislação brasileira. “Mais informação, serviços e escolas orientadas”, finaliza Ana Christina.

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